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domingo, 11 de julho de 2010

A madeira na rota do nazismo... e outras histórias

Aos poucos ficamos a conhecer o Portugal da II Guerra Mundial. A notícia vem no Diário de Notícias da Madeira. Trata-se de ficção, baseada em factos reais… afinal o nazismo e a sua ideologia tinha braços longos, que se estendia para lá do continente.

Já agora fica mais uma informação. Talvez poucos saibam que em Olhão, no Algarve, chegou a existir um clube de camisas castanhas italianos. A PVDE (antecessora da PIDE) seguia as suas actividades com atenção. Não podemos esquecer que em Olhão existia uma forte comunidade italiana, empresários da indústria conserveira, e artífices na fundação do Sporting Clube Olhanense – aquele que voltou ao primeiro escalão do futebol português no ano passado.

Quem sabe destas coisas da bola já deve ter reparado que o equipamento do clube – listas verticais negras e rubras – é idêntico ao do Milão. Não é por acaso…

Fica a notícia do lançamento do livro que se chama o “Bazar Alemão”, e não faço classificações sobre a sua qualidade, pois não o li ainda...

Nazis na ilha inspiram ficção



A forma insidiosa e perversa como a ideologia nazista se propagou aos quatro cantos do mundo, não poupando sequer a 'Pérola do Atlântico' em vésperas da Segunda Guerra Mundial, é a temática de 'O Bazar Alemão', novo livro da escritora madeirense Helena Marques, a autora de obras aplaudidas como 'O Último Cais', 'A Deusa Sentada' ou 'Os Íbis Vermelhos da Guiana', entre várias outras.

De facto, e por incrível que pareça, houve mesmo tentativas de perseguição e de causar prejuízos pessoais e profissionais a judeus alemães residentes no Funchal, na época, por parte dos simpatizantes do nazismo, que incluíam não só alemães como também madeirenses.

'O Bazar Alemão', que vai para as livrarias a 18 de Julho, e cujo lançamento oficial só deverá ser realizado em Setembro (mas que já tivemos oportunidade de ler) é um livro interessante, não só pela capacidade narrativa da autora, que consegue interessar o leitor até à última página, como pela singularidade de basear-se em factos reais, ocorridos na Madeira, que, na época, era verdadeiramente paradisíaca para muitos cidadãos estrangeiros e até para locais e, num certo sentido, mesmo cosmopolita. Essa capacidade de retratar um Funchal romântico e entretanto já quase totalmente desaparecido, com as suas quintas, as suas 'garden parties' e 'cocktail parties', a sua vida social, a época em que as telefonias eram o último grito tecnológico para nos mantermos a par do que se passava no mundo (inclusive ouvindo a BBC), a descrição convincente do quotidiano numa cidade que reconhecemos geograficamente pela toponímia de muitas ruas e espaços que ainda hoje subsistem, abona em favor da capacidade evocativa e descritiva de Helena Marques.

Investigação universitária inspirou

Mas o que verdadeiramente inspirou este livro foi, explicou-nos a autora, a leitura de um trabalho de investigação de Anne Martina Emonts, docente do Departamento de Estudos Alemães da Universidade da Madeira, que, debruçando-se sobre o espólio do Consulado Alemão no Funchal entre os anos de 1938 e 1939 (hoje no Arquivo Político alemão, em Berlim) descobriu cartas de denúncia anti-semita enviadas à Gestapo em Berlim, com repercussões, no Funchal, sobre o Consulado Alemão e sobre as vidas dos denunciados. Era uma consequência da 'Lei da Protecção do Sangue Alemão e da Honra Alemã', promulgada pelo III Reich em Setembro de 1935, e que, como diz Helena Marques, "por mais extraordinário que pareça", despertou "zelos persecutórios" em núcleos alemães no estrangeiro. E mesmo no nosso meio!

Curiosamente, estas informações não transpiraram para a opinião pública e os perseguidos e denunciados calaram, em termos gerais, a sua revolta. Pelo que estes factos só foram descobertos muito mais tarde.

"Penso que esse fenómeno era desconhecido da esmagadora maioria dos madeirenses. Não me recordo de história semelhante. Na minha família, tinha o caso de uma tia-avó casada com um alemão, e lembro-me que o meu avô, anglófilo e que 'torcia' pelos Aliados, dizia que quando os tios-avôs viessem a casa, não se falava da Guerra. Mas nunca suspeitei que uma história como a que conto no meu livro fosse possível. Tanto quanto sei, estava condenada a desaparecer, se a Anne Martina Emonts não tivesse feito uma investigação sobre a Escola Alemã do Funchal, que a conduziu a este assunto, que achei perfeitamente espantoso".
No romance, Helena Marques narra, entre outras tramas, a história de Elizabeth e Eugen, estes sim personagens reais, cujos nomes próprios não foram alterados (os apelidos, sim), e que viram a sua felicidade enquanto casal ameaçada por denúncias e perseguições anti-semitas de péssimo gosto.

"Eu recordo-me desse casal, que conheci quando eles já tinham 50 e tal anos... E continuavam a ser pessoas felizes, muito bem dispostas... O amor deles não foi efémero, foi realmente para a vida toda, e isso, do meu ponto de vista, torna ainda mais interessante este encontro dos dois na ilha, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. Não tiveram filhos, mas eram muito simpáticos, luminosos... Não sei quando casaram, quando conseguiram romper aquele círculo vicioso e maléfico. Mas a verdade é que conseguiram". O facto de a autora os ter conhecido 20 anos mais tarde, felizes, é que a deixou estupefacta quanto à "tragédia que, de facto, ia destruindo as vidas deles".

'O Bazar Alemão' reflecte as relações cordiais entre madeirenses e estrangeiros, a privilegiada situação dos ingleses na Madeira, mas também a vivência de cidadãos oriundos de outras nacionalidades, incluindo uma colónia alemã, e a forma como as relações entre uns e outros decorriam com cordialidade mas num clima de alguma tensão contida, face ao conflito armado que se avizinhava. E tudo isto numa ilha agradável e de clima ameno, longe dos futuros cenários de batalha, num Portugal fascista cuja lealdade tenderia naturalmente para a associação com Hitler, Mussolini e Franco, mas que cultivava, com a Grã-Bretanha, a mais antiga aliança europeia. Um equilíbrio estranho e algo precário, portanto.

Helena Marques tomou liberdades e criou personagens que nunca existiram (afinal, este é um romance) mas recuperou a memória de algumas pessoas que existiram de facto, como a de uma alemã que dirigia o restaurante do Terreiro da Luta, e sobre a qual, no entanto, muito pouco conseguiu saber. Na história figuram tipos humanos interessantes como o médico judeu Franz Schönberg [inventado] que ajudam a compor o ambiente.

"Nós estamos tão habituados ao lado anglo-saxónico da Madeira, que esquecemos que houve uma colónia alemã também grande, influente. Eu era uma miúda na altura da Segunda Guerra Mundial, nasci em 1935, mas lembro-me muito bem do pós-Guerra, e dessa presença germânica. Não tinha, porém, a noção de que tivesse havido uma colónia alemã tão numerosa, capaz de criar, ao fim e ao cabo, esses nichos de influência".

Madeirenses germanófilos

Simpatizantes madeirenses da doutrina nacional-socialista, como o Visconde do Porto da Cruz [que surge, no livro, 'disfarçado' com o nome de Barão da Penha de Águia], e que era conhecido também de Helena Marques e da sua família, também ajudam a completar o 'ramalhete'. "Ele era, de facto, um germanófilo entusiasta, com uma posição francamente pró-nazi. Achei que era uma personagem que daria também o outro lado da história, ou seja, que nem todos os madeirenses eram anglófilos. Nunca imaginei que a Alemanha estivesse tão empenhada em disputar a influência britânica sobre a Madeira"... A ilha era mesmo vista, então, como um potencial destino futuro de férias para as élites nazis, uma vez vencida, pela Alemanha, a 2ª Guerra...

Para escrever este livro, Helena Marques socorreu-se não só da sua memória, mas também de muita investigação. Cria uma reconstituição muito convincente do Funchal da época, com o seu Hotel Reid's, o seu Golden Gate, a movimentação marítima e toda a vivência social da altura... "Conversava-se muito, sabe?", diz a escritora.

E a descrição das visitas de trabalhadores alemães nacional-socialistas ao Funchal, desembarcando cada qual com a bandeirinha da cruz suástica na mão, em excursões dirigidas pela organização 'A Força pela Alegria', reflecte a originalidade de uma cidade cosmopolita no Atlântico, flutuando entre influências e tensões internacionais, à beira de uma Guerra devastadora... Este é um livro que entretém, educa e lança um olhar esclarecedor sobre o nosso passado.

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