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domingo, 8 de janeiro de 2012

Desastre no Tejo

O avião estava sobre o Tejo quando um dos motores se incendiou. O piloto tentou realizar a amaragem mas não conseguiu. Testemunhas garantem que se registou uma explosão antes do avião tocar na água, outras asseguram que ele se esmagou contra o rio, e só depois se desintegrou.

Reconstituição do acidente publicada no jornal "Século Ilustrado". Desenho de Rodrigues Alves.
(Século Ilustrado, Arquivo Distrital de Portimão)

Eram 10.33 horas da manhã do dia 9 de Janeiro de 1943. Menos de cinco minutos depois a maior parte dos destroços afundavam-se arrastando consigo vários tripulantes e passageiros.

O radiotelegrafista britânico Uttley teve sorte. Foi cuspido da cabine, provavelmente através de uma vigia existente no topo da cabine e, fora uns arranhões, ficou ileso. Foi recolhido pelo rebocador “África”, que interrompeu o serviço quando se apercebeu do acidente. A tripulação comandada pelo mestre Berardo Pedro, também retirou da água António Chamiço Heitor, gravemente ferido mas que conseguiria sobreviver ao acidente.

Ainda vivo foi também recolhido Júlio de Sousa, proprietário de dois automóveis que faziam serviços para a British Overseas Air Corporation (BOAC). Os tripulantes de uma lancha da Pan American Airways retiraram-no da água e tentaram mantê-lo a respirar com “flexões de estilo”, mas sem resultado. Quando chegaram a terra estava morto.

Mais ninguém se salvou. Cinco corpos foram recolhidos por outro rebocador e barcos de pesca. A imprensa conta desta forma a operação de resgate. Um relatório da PSP apresenta pequenas diferenças especialmente, no que refere ao “Àfrica”. Reconhece apenas que terá retirado do rio um dos dois sobreviventes.

Certo é que dois homens chegaram com vida ao Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo e cinco corpos – 3 mulheres e 2 homens – deram entrada na morgue.

Por encontrar ficaram oito pessoas que também tinham embarcado no hidroavião Sunderland, com a matrícula G-AFCK, baptizado como “GOLDEN-HORN”.

O trágico voo tinha começado cerca de 40 minutos antes como um simples teste mecânico. Desde o dia 28 de Dezembro que o aparelho se encontrava na doca de Cabo Ruivo à espera de um novo motor. As avarias na frota da BOAC eram uma constante, mas nem sempre tão graves. A 6 de Janeiro chegou o novo motor, e três dias depois estava instalado e pronto para o teste.






Fotos de algumas 
das vítimas do acidente. 
(Século Ilustrado, Arquivo Distrital de Portimão)





















As coisas não correram bem desde o inicio.

O respeito pelas regras da companhia e, das próprias autoridades portuguesas, ficaram esquecidas numa gaveta. Um voo deste tipo deveria contar apenas com a presença das pessoas essenciais.

A BOAC tinha regras muito rigorosas e o mesmo acontecia com as autoridades portuguesas, mas tudo indica que o piloto e os responsáveis locais da companhia ligavam pouco a regras.

Para bordo foram convidados diversos funcionários - portugueses e britânicos - da companhia. A esposa de um destes funcionários foi também e havia ainda gente com pouca ou nenhuma ligação à BOAC.

Maria Fernanda Paixão era uma jovem que trabalhava na Junta Nacional do Café; José Martins pertencia à Guarda Fiscal; Júlio de Sousa era motorista e proprietário de dois carros que prestavam serviço à British Overseas.

O desastre ceifaria a vida a quase todos e nos dias seguintes o comportamento da companhia em Portugal iria estar sob escrutínio.

Relatório demolidor 

Na sequência do acidente foi pedido um relatório à chefia local da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – responsável por acompanhar os estrangeiros em Portugal - sobre o comportamento da BOAC, no Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo é pouco lisonjeiro.

Foto do Golden Horn. 
(Arquivo da revista Life)

A 12 de Janeiro de 1943, ao longo de duas páginas, o agente (não foi possível identificá-lo através da assinatura) da PVDE começa por descrever a frota da empresa, constituída por um Total de 12 hidroaviões, entre Boeing’s - com capacidade para 12 tripulantes e 55 passageiros – e Catalinas – com capacidade para 5 tripulantes e oito passageiros.

A actividade em Cabo Ruivo é tão intensa que, refere o relatório, “é frequente encontrarem-se nesta Base 6 e 7 aparelhos amarrados, (…) mais do que as bóias existentes, razão porque são muitas vezes requisitadas as 2 boias da Sacor, actualmente vagas”.

O número de funcionários também tinha cresceu durante a guerra, mas isso pouco contribuía para a qualidade do serviço que se encontra “em completa desorganização, sendo vulgar os passageiros estarem 2 e 3 horas e mesmo mais à espera do sinal de embarque,(..) muitas das vezes deitados sobre os bancos de madeira da sala de espera do Aeroporto, aguardando que os Capitães dos aparelhos se resolvam a sair”.

As observações negativas continuam. “Muitas são as vezes, que, já com os respectivos passageiros a bordo, e tudo pronto para a partida, as tripulações vão tomar mais um café, atrasando assim, ainda mais a partida, sem a menor consideração tanto para os passageiros, como para todos aqueles que trabalham no Aeroporto e cuja saída depende da largada dos aparelhos”.

“Outras vezes há que, sem motivo justificado e depois de tudo se encontrar a bordo e já o Avião ao largo, haver um motor avariado, ou então ser tarde para a largada, quando assim é, a culpa cabe apenas ao Capitão, que só embarca quando lhe apraz. Na ajustagem e rectificação dos motores, e segundo tenho sido informado, todo o pessoal trabalha, quer sejam os respectivos mecânicos, quer o pessoal das lanchas, etc…, o que dá em resultado por falta de conhecimentos, serem muitas as vezes em que nos aparelhos à hora da partida, se encontram deficiências, falhas de motores, etc., que impedem a saída, sendo retardada 24 horas”.

Um dos aparelhos esteve sete dias na doca sem razão aparente e, todas as noites, ali chegavam tripulantes e passageiros que eram aconselhados a voltar no dia seguinte.


Buscas difíceis 

Os jornais assumiram de imediato que os desaparecidos tinham perecido. No dia seguinte nenhum dos periódicos consultados refere sequer a existência de desaparecidos. Há apenas mortos encontrados ou por encontrar.


Imagens dos trabalhos de recuperação dos destroços, no caso a recolha dos motores.
(Século Ilustrado, Arquivo Distrital de Portimão)

As primeiras buscas tentaram localizar os destroços, uma operação difícil apesar do número de testemunhas. Foram necessárias várias passagens de dois rebocadores ligados por um cabo submerso para se ter a certeza onde estes se encontravam.
 
Para ajudar nos trabalhos chamaram-se dois mergulhadores profissionais com uma longa folha de serviços.

Os irmãos Jaime e Januário Almeida Lopes são descritos pelo “Diário de Lisboa” de forma épica: “O Jaime é curioso. Um verdadeiro gigante com 1”80 de altura e 107 quilos de peso. O pai era mergulhador e nunca fez outra coisa na vida. Ensinou-a ao irmão e assim ambos partilham fraternalmente da vida e da morte. Fala pouco. Dir-se-ia que o mistério das cavernas abissais do mar tornou mais sombria a sua alma. Nem um sorriso. O irmão também é uma torre, mas mais magro, e também calado como uma noite de naufrágio”.

Nas semanas seguintes foram retirados destroços e também vários corpos. Os funerais das vítimas encontradas logo após o acidente realizaram-se no dia 14, e assistiu-se a uma sucessão de funerais até meio do mês seguinte.

Quando a conversa à volta deste desastre começou a esmorecer o Tejo voltou a ser palco de uma tragédia área. A 23 de Fevereiro um aparelho da Pan Am falhava aterragem e também se desfazia nas águas do Tejo, causando quase o dobro de vítimas mortais. Mas essa é outra história (ver aqui)…

Carlos Guerreiro 

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