O governo acentua a intervenção da censura prévia sobre todos os correspondentes que trabalham em Portugal, mas é difícil controlar todas as notícias que saem do país.
É neste ambiente que se movimenta Walter Edward Lucas, correspondente em Portugal do prestigiado “The Times”, desde Setembro de 1939, e director do Anglo Portuguese News.
Uma nota dos Serviços de Censura, que se encontra no seu processo, refere que ele é também “delegado especial encarregado pelo Ministério das Informações de controlar os serviços de propaganda” britânicos no nosso país e está encarregado de traduzir os discursos dos homens importantes.
Agostinho Lourenço, Director da PVDE, e António Ferro, responsável da SPN (na foto ao lado esquerdo de Salazar), conduziram o processo de expulsão de Walter Lucas. O jornalista também lhes escreveu cartas alegando a existência de mal entendidos, mas estas de de pouco lhe serviram.
Em finais de 1940 Lucas foi convidado, por Ralph Ingersoll, a assumir também o lugar de correspondente do PM Daily, um jornal de Brooklyn, Nova Iorque, que se apresentava como inovador em diversos aspectos.
O jornalista escreve um grande artigo sobre Portugal, que em Nova Iorque terá sido dividido em três partes, publicadas entre 4 e 6 de Dezembro de 1940. O texto não passou pela censura prévia e seguiu, com Ingersoll, num dos aviões “Clipper” da Pan Am até aos Estados Unidos. (Veja aqui os textos publicados nos dias 3, 4, 5 e 6 de Dezembro)
Menos de 20 dias após as publicações o processo de expulsão toma forma e é extremamente célere. O novo ano entra já com a ordem assinada.
Fica a impressão de que o regime quer deixar um aviso claro aos restantes correspondentes estrangeiros que chegavam ao país. Afinal se se expulsava o correspondente do poderoso “The Times”, qualquer um poderia seguir o mesmo caminho.
Salazar recebe as primeiras informações sobre o caso no dia 23 de Dezembro. O Secretariado da Propaganda Nacional faz chegar, ao secretário pessoal do Presidente do Conselho, as traduções de três artigos. Tratam-se do de Ralph Ingersoll, onde é apresentado Walter Lucas como novo correspondente em Lisboa, e dos dois primeiros textos Lucas.
Numa nota manuscrita esclarece-se que uma terceira notícia está ainda em tradução. Salienta-se também que o texto de Ingersoll é “manifestamente desprimoroso para o nosso país” e dos restantes deve ser dado “conhecimento imediato” ao Presidente do Conselho por partirem de quem “as subescreve”.
Interrogatórios na PVDE
No dia seguinte o jornalista é levado perante a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado para uma primeira inquirição, conduzida pelo adjunto da PVDE, capitão Neves Graça. Para assegurar que nenhuma declaração se perde estão presentes dois tradutores.
Walter Lucas assume a autoria dos artigos mas não a dos títulos, que “foram feitos na redacção do jornal, como é de uso”.
Ainda não tivera possibilidade de ver os exemplares, mas sabia que estes tinham saído em três números porque recebera a informação numa nota de telégrafo enviada dos EUA. Parte importante do interrogatório tenta esclarecer o sentido de algumas das expressões em inglês.
Walter Lucas garante, por exemplo, que a frase “uma Assembleia Nacional bem ginasticada” - Well Driled no original -, nada tem de desprestigiante, apenas pretende mostrar o contraste com a desordem que existia antes da chegada de Salazar.
Já a informação de que as espingardas do exército português eram de um antiquado modelo alemão chegara-lhe de várias pessoas “sem que se lembre do nome de qualquer delas”, as mesmas que lhe falaram da escassez de baterias antiaéreas e dos aeroplanos desactualizados.
A referência à inexistência de um Ministério da Marinha em Portugal, e que este estaria localizado em Inglaterra, no Almirantado, em Whitehall, foi-lhe feita pelo embaixador britânico em Lisboa Wilford Selby.
A forte influência alemã na PVDE e em certos membros do Governo baseou-se numa impressão resultante naquilo que Lucas designou por “diz-se”.
Foi também graças ao “diz-se” que soube da passagem do avião da Lufthansa a baixa altitude e da fuga precipitada do refugiado que esta terá causado.
Mal entendidos
O jornalista parece ter percebido que estava numa situação difícil e, no dia seguinte - dia de Natal - enviou cartas a António Ferro, Director do Secretariado da Propaganda Nacional, e ao capitão Agostinho Lourenço, director da PVDE onde pede desculpa pelo que diz ser um mal-entendido, garantindo que não quis ser ofensivo.
Reconhece que algumas informações podem não ter fundamento e algum entusiasmo exagerado, por escrever para o público americano “que exige sensações mais fortes que o inglês”.
O publico americano é “irreverente no que respeita a valores europeus”, e ele, como jornalista foi “obrigado a empregar um ângulo especial de ataque (…) para os artigos serem bem recebidos”, explica Lucas a Agostinho Lourenço.
“O fim dos meus artigos era apenas dar uma ideia de Portugal, de Lisboa em tempo de Guerra, em cores fortes, contra o fundo histórico do passado. Caí infelizmente na tentação da graça fácil que, se incontestavelmente diverte o leitor americano sem deveras produzir na sua mente qualquer efeito perdurável contra Portugal, reconheço também que melindrem profundamente os sentimentos dos portugueses”, salienta na carta a António Ferro.
A seu favor Walter Lucas destaca artigos anteriores que receberam elogio dos portugueses, com vários a serem republicados na imprensa portuguesa.
Os pedidos de desculpa de pouco serviram. No dia 28 Walter Lucas é de novo convocado à sede da PVDE para novo auto de declarações, relacionadas com o terceiro e último texto publicado no PM, que entretanto já tinha sido traduzido (ver AQUI).
Lucas diz que, entretanto, conseguira aceder aos artigos e garante que as passagens mais elogiosas foram cortadas sem seu conhecimento. Reconhece exageros nos títulos e no texto que o apresentou como correspondente em Lisboa.
A apreensão de armas na agência de viagens alemã Stimar ou a presença de um número superior de alemães nas ruas resumem-se a informações recebidas “sem possível controlo”.
Assegura também que não quis ser insultuoso com a censura, mas que mantinha a impressão sobre a irregularidade de procedimentos, umas vezes autorizando artigos de certo teor, proibidos noutras ocasiões.
A PVDE conclui o processo no dia 30 e considera que a série de artigos “amesquinhava o país, (…) através de narrações inexatas ou fantasiosas”.
Neves Graça considera que não se devem atender às justificações do jornalista pois este não “dúvidas em deturpar ou inventar factos, escrevendo não só disparates mas também falsidades que brigam com o brio nacional e deturpam a posição internacional de Portugal”, razão porque “não é merecedor de continuar a disfrutar a hospitalidade que lhe tem sido dispensada em Portugal”.
O capitão Agostinho Lourenço, deixou na mesma folha um despacho manuscrito, onde é concedido um prazo de 48 horas para Lucas abandonar o país. O prazo será alargado, por não existirem “meios” para cumprir a ordem, e o jornalista abandona o país a 10 de Janeiro de 1941…
A expulsão é notícia em diversos jornais. Os periódicos britânicos dão a notícia em tom crítico, e os alemães dizem que o correspondente do “The Times” utilizou um tom insultuoso para com o país.
Outras expulsões
A notícia continuaria a preocupar os responsáveis do governo português durante mais algumas semanas, e talvez para manter o equilíbrio entre os beligerantes não passou um mês até que outro jornalista também fosse expulso.
A 3 de Fevereiro de 1941 o correspondente do jornal italiano “Gazeta del Popolo”, Cezare Rivelli, também recebe a ordem de expulsão por “haver escrito para o seu jornal correspondência considerada ofensiva para Portugal”, salienta uma informação dos serviços de censura. Proibida é ainda a distribuição do referido jornal e não será a única publicação italiana proibida de circular, pois já o mesmo havia acontecido com o “Regime Fascista”.
Segundo o jornal alemão “Berliner Borsen Zeitung”, Cezare teria elaborado artigos sobre a imigração de judeus.
Com queixas de parte a parte uma nota dos serviços de censura só poderia tirar uma conclusão: “Se ambos os jornalistas se queixam, é porque tem sido imparcial a nossa atitude para com as nações beligerantes”.
Carlos Guerreiro
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