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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Portugal, um trunfo nas mãos alemãs

O segundo artigo assinado por Walter Lucas começa por destacar a importância da aliança Luso-Britânica para depois desatacar os esforços de aproximação ao regime de Salazar conduzidos por Hitler.

Volta a falar do terror em que vivem os refugiados, mesmo em Lisboa, da forma de actuar da PVDE e de algumas movimentações na Península Ibérica de personalidades ligadas à polícia política alemã, a Gestapo, que ele considera muito suspeitas.

Este artigo foi publicado a 5 de Dezembro. As suas referências à PVDE serão um dos alvos do interrogatório no processo que levará à sua expulsão do país…


HITLER TECE INTRIGAS EM PORTUGAL CONTRA A INGLATERRA
Procura pontos vitais no Gôverno em Lisboa embora a maioria do povo seja anglófila.
Por W. E. Lucas

Lisboa: As relações de Portugal com a Inglaterra têm sido únicas na política europeia. O tratado assinado em 1378 ficou para sempre e mostra assim, claramente, que ambas as nações têm interesses comuns.

Com o decorrer dos tempos a manutenção de um Portugal independente tornou-se uma das chaves da segurança do Império Britânico. A importância estratégica de Lisboa, Madeira e Açores não é difícil de compreender.

Por outro lado, a conservação das possessões ultramarinas de Portugal têm de depender, no fim de contas, da amizade da senhora dos mares. Estas relações entre os dois países, relações que começaram quási por acaso, transformaram-se numa necessidade política devido à posição geográfica de ambas as nações.

Walter Lucas garante que as "a conservação das possessões ultramarinas de Portugal têm de depender(...) da amizade da senhora dos mares".
(Página de folheto de propagnda inglês "Poder Marítimo na Europa" de 1940)

Há oitocentos anos o Castelo de Lisboa foi tomado de assalto aos mouros. Esta grande vitória alcançada sobre os infiéis foi levada a cabo com o auxílio dos cruzados ingleses que se encontravam em Lisboa a caminho da Terra Santa.

Da aliança política e militar saíram relações comerciais que permitiram aos ingleses firmar-se bem em Portugal e que serviram para desenvolver a maior indústria portuguesa, a do Vinho do Porto.

O prato característico português é o “bacalhau”. O bacalhau vem das águas da Terra Nova e Gronelândia, dos mares da Islândia e Noruega. Durante a extinção dos mosteiros em Inglaterra, no século XVI, os pescadores de Devon e da Cornualha, forneciam o bacalhau que se comia às sextas feiras e dias santos, tiveram de encontrar um outro mercado. Portugal ainda era católico e já se encontrava comercialmente ligado à Inglaterra. Assim, pescadores vieram ao Porto e em troca de bacalhau levaram para Inglaterra vinho português e fruta do Algarve.


O esforços da Alemanha

Durante vários anos antes da guerra a superior posição da Grã-Bretanha no comércio português foi combatida pela Alemanha e foram feitos esforços para minar a influência política inglesa, esforços que também não foram feitos em vão.

As pessoas que em geral visitam este país podem não notar qualquer prova particular da actividade alemã. As bandeiras que agora, durante as festas centenárias, esvoaçam em muitos edifícios, são na sua maioria, como é natural, portuguesas. Mas nas principais ruas de Lisboa pode ver-se um certo número de “Union Jacks” (pavilhão britânico).

Motoristas de praça trazem bandeirinhas britânicas nos seus carros e pregoeiros vendem-nas pelas ruas. A cruz Suástica não aparece em parte alguma. Mesmo as poucas firmas alemãs que aqui há não as arvoram. Mas é um erro tomar isto como sinal da verdadeira situação.

Como em muitos países, ver-se-á que, pelo que diz respeito à guerra, que as simpatias da maioria da população vão para a causa dos aliados, muito embora os Governos ou alguns dos seus membros de influência possam ser germanófilos.

Hitler, que é um génio pelo que diz respeito à obtenção de posições vitais, resolveu fazer isto em Portugal e usa para isso todos os meios. Portugal poderia ser um belo trunfo no jogo alemão da dominação do mundo.

Dispondo de Lisboa como base aérea e submarina e ainda com a possibilidade de controlar a Madeira e os Açores, as vias comerciais ultramarinas inglesas correriam grande perigo e estariam vencidas as primeiras alpondras para um ataque aos Estados Unidos.

Se ninguém mais tem estado de olhos fitos na grande importância de Portugal, os alemães não têm deixado de fazê-lo. Desde há anos que eles mostram constantemente os seus produtos da maneira mais sedutora.

Convidaram a visitar Berlim muitas das pessoas dos círculos de influência. Oficiais do exército foram recebidos prodigamente na Alemanha e ao mesmo tempo deixaram-lhes ver a força irresistível do exército hitleriano.


O mais importante

Mas o mais importante de tudo é que a polícia internacional portuguesa – internacional só de nome, porque é de facto uma espécie de polícia secreta – se encontra fortemente sob a influência alemã. Haveria muito que apreender com os métodos da Gestapo que poderiam ser aplicáveis na ditadura irmã do estado português, camarada da ditadura alemã.

Contra toda esta maquinação, os ingleses pouco mais têm feito do que confiar no seu prestígio e na sua posição no país, o que está enfraquecendo rapidamente.

Há poucas semanas, um aeroplano voando muito baixo, manhã cedo ainda, sobre o Estoril, praia da moda nas proximidades de Lisboa, acordou com o roncar dos seus motores as pessoas que ainda dormiam.

Um refugiado saltou da cama, foi á janela para ver o aeroplano e, vendo a cruz suástica nas suas asas, fez as malas à pressa e partiu. Durante uma semana inteira o grande aparelho da Lufthansa, que faz o serviço entre Berlim e Lisboa, usou o mesmo estratagema roçando quási pelos telhados das casas.

Em tempos de paz isto poderia chamar-se o mostrar da bandeira. Nos tempos que correm, é um método hábil de irritar nervos que quási já nada suportam. Quasi ao mesmo tempo voltava o sr. Suñer de Berlim a Espanha e o sr. Himmler, sombra negra sobre a face da Europa, tinha chegado a Madrid.

Diz-se que este cavalheiro apareceu sempre em público com um revólver à cinta, uma inovação curiosa dos processos internacionais. A presença de três assassinos da Gestapo armados, à sua volta, também não foi bem vista pelos espanhóis.

No próprio Portugal encontrava-se o sr. Frederick Sieburg – foi esta a sua segunda visita a este país no decurso de quatro semanas – e desta vez tinha vindo acompanhado pela figura sinistra do sr. Beifurn, um chefe da Gestapo.

Visto isto por traz dos bastidores parecia que os nazis se estavam a preparar para o primeiro acto do drama da Península Ibérica. Só por si, o facto de Sieburg ter aqui estado, é significativo. Os nazis número um não andam em tempo de guerra de lado para lado por simples prazer.


Más notícias

Em todo o caso, este cavalheiro é sempre um presságio de más notícias para o país que visita. Prestou um grande serviço à sua causa em Paris antes da guerra, e muito auxiliou também em Bruxelas antes da invasão alemã da Bélgica. Mas personalidades são apenas palhas na corrente dos acontecimentos, palhas que mostram no entanto a direcção da mesma corrente.

A importância da visita do sr. Sieburg é desta natureza. Deve-se ficar alerta em frente de tal aviso. Por traz dele tem-se feito activamente preparativos desde há meses.

(PM, 5 de Dezembro de 1940)

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