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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Refugiados, donos das desgraças do mundo

É a última reportagem publicada por Walter Lucas no PM Daily antes de ser expulso.

Neste trabalho ele reforça a ideia de uma forte influência alemã em Portugal, mas acima de tudo destaca o drama dos refugiados, os seus medos e as suas esperanças.

Este conjunto de publicações sobre a expulsão do jornalista Walter Edward Lucas fica completa no dia 28 de Dezembro, com um artigo onde se resumem as várias páginas do processo de expulsão conduzidos pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado e pelo Secretariado da Propaganda Nacional.

LISBOA CHEIA DE ESPIÕES NAZIS
Como a Gestapo anda à caça de novas vítimas
POR W. E. LUCAS

Um distinto estadista português observou numa conversa particular, não há muitos meses, que sabia que cada alemão em Portugal era um espião. Muito embora não se possa tomar esta afirmação como absolutamente verdadeira, no fundo é um resumo perfeito do que se passa.

Os refugiados enchiam as esplandas da baixa de Lisboa, mas isso não era sinal de alegria.


Vêem-se muitos alemães pelas ruas de Lisboa. O que é que demónio podem eles fazer? Comparemos, por exemplo, o número de pessoas empregadas na Embaixada Inglesa e o das empregadas na Legação alemã, em Setembro de 1939. A primeira tinha cerca de dez, não contando com os empregados de escritório; a última mais de 40.

Além disso a grande agência alemã de viagens Stimar, cuja razão de ser desapareceu com o rebentar da guerra, albergava mais de vinte activos jovens nazis. Afirmava-se, muito embora não se possa confirmar, que a polícia portuguesa fez uma rusga a este organismo e encontrou ali grande quantidade de armas.

Um estudo da imprensa portuguesa feito com cuidado seria suficiente para mostrar a direcção dos acontecimentos. Tudo o que se publica em Portugal é controlado por uma censura forte e aparentemente absurda. Teoricamente a censura trabalha segundo as directrizes de uma estrita neutralidade. Os factos de qualquer dos lados em luta podem ser apresentados, mas é proibido qualquer comentário a não ser que não seja absolutamente nada comprometedor.

À medida que a guerra e as vitórias alemã traziam consigo um nervosismo sempre crescente, começou também a desenvolver-se na imprensa a tendência de apresentar as notícias de maneira a dar certo relevo às vitórias alemãs.

Mas mesmo que a censura não tivesse nisso interferência, os próprios alemães começaram a exercer influência na imprensa de maneira a encaminhá-la dentro da sua maneira de pensar.

A quando da invasão dos Países Baixos, “A Voz”, o principal jornal católico, manifestou ligeiros sentimentos de revolta contra este ataque não provocado. No dia seguinte circulava por Lisboa inteira uma carta aberta sugerindo não só que a interpretação dos factos apresentada pelo editor daquele jornal era errónea, mas ainda que era imprudente para ele próprio, editor, expressar tais opiniões.

Não é muito forte o controlo alemão exercido directamente sobre a imprensa, com o exercido em Espanha, principalmente porque a maioria dos directores e editores dos jornais de Lisboa não simpatizam com os nazis. Mas o que não pode ser feito pela imprensa local é levado a cabo por uma verdadeira corrente de propaganda alemã.

Para fortalecer o efeito desta larga e livre distribuição de literatura, uma quantidade de jornais e revistas alemãs decora as portas da maior parte das tabacarias das principais ruas de Lisboa.

Os restos do naufrágio espalharam-se por todas as ruas, cafés e hotéis de Lisboa, assim como muitas cidades da província.

Costumava dizer-se que, se alguém estava na ponte da Gálata, estaria certo de encontrar a tempo quási todas as pessoas que valesse a pena encontrar. Lisboa é a moderna ponte de Gálata.

Mas há outro lado do quadro.

Entre a multidão errante e em retirada há veteranos de guerra contra Hitler que fugiram porque as suas vidas estariam em perigo se fossem apanhados.

Além de soldados ingleses, polacos, belgas franceses, holandeses e checos, há membros daquela nova classe criminosa internacional, homens e mulheres que combateram e escreveram o que tinham a escrever e se encontraram, por consequência, sem um país e muitas vezes sem os necessários documentos.


A história de três mulheres

Se tivésseis entrado num café, no Rossio, há dias, teríeis ali visto três mulheres. Tinham uma aspecto vulgar, mas tinham a sua história.

Andaram durante anos de lado para lado e uma vez mais tinham de levar esta vida de nómadas porque sabiam o que lhes acontecia se não fossem sempre à frente do perseguidor.

Ao fugirem tiveram por companheiro Arthur Benjamin, um judeu alemão, jornalista distinto. O sr. Benjamin encontra-se hoje enterrado em qualquer sepultura vulgar nos Pirinéus, na fronteira espanhola.

Levantou-se qualquer dificuldade acerca do seu passaporte. Recebeu ordem para voltar para trás, para a França. Naquela noite tomou os trinta grãos de morfina que sempre trazia consigo para qualquer emergência desta natureza.

Num outro dia poderíamos encontrar , no “bar” inglês, um belga que tinha acabado de chegar dos subterrâneos da Gestapo de Madrid. Tendo atrás de si uma tal experiência, fica-se admirado com a sua fria resolução de ir para Inglaterra e continuar a luta que deixou em França.

Depois de se ouvir a sua história pode bem acreditar-se que, quando o Sr. Himmler visitou o lugar de tortura da inquisição de Barcelona, ficou desapontado, como se conta, ao ver que, pelo que diz respeito a ideias, nada de novo ali tinha encontrado. As gentes da Gestapo tentam em todos os “bares” encontrar os homens e mulheres que procuram.


Todos os estratagemas

Lisboa está cheia de gente. Homens e mulheres que transpuseram as vertentes áridas dos Pirineus ou conseguiram ir de França para África pelos caminhos mais estranhos. Aterreram em Espinho em aeroplanos roubados e muitos outros usaram todos os estratagemas para fugirem a-fim-de poderem continuar a luta contra Hitler em Inglaterra ou em outra qualquer parte.

Há desespero assim como coragem nas ruas de Lisboa.

Este porto de Portugal está a tornar-se uma armadilha para muitos. Todos os caminhos parecem estar fechados a não ser que se dê o caso de se ter a chave particular que as abra.

Há aqui pelo menos dois escritores distintos cujos nomes estão na lista especial das pessoas a que serão permitidas as entradas nos estados Unidos. Enquanto a maquinaria oficial de Washington range e geme para lhes abrir a porta da salvação, podem eles desaparecer no negro abismo.

Entretanto, os barcos para a América e os “Clippers” vão cheios de passageiros armados com os necessários documentos. Muitos destes receberam os seus documentos porque são ricos. O sofrimento e a necessidade de escapar não servem de critério nem para a concessão do visto nem para a da passagem.

(PM, 6 de Dezembro de 1940)

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