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sexta-feira, 15 de março de 2013

Carta da frente Russa para amigo português

A carta de um soldado alemão ao seu “condiscípulo” português, foi publicada na edição de Junho/Julho de 1942 da revista “A Jovem Europa”, uma publicação com sede em Berlim, e editada em doze línguas.

A carta que surge nesta edição da revista está assinada por Georg B., soldado na frente Russa em 1942, e membro da comunidade germânica em Portugal.

No livro de Reinhart Schwarz, no seu livro “Os alemães em Portugal 1933-1945”, uma obra que caracteriza a vida daqueles cidadãos e das suas instituições no país, durante o período em referência,  existe uma lista de militares e civis mortos ou desaparecidos na sequência de combates ou bombardeamentos de cidades alemãs.

Georg B. não é referido nessa lista e, segundo foi possível apurar, sobreviveu ao conflito.

Nove outros elementos da colónia alemã de Portugal morreram em combate e oito outros - entre eles civis - desapareceram ou faleceram na sequência dos bombardeamentos aliados.

Schwarz faz também no seu livro uma análise à colónia alemã. Uma comunidade relativamente pequena, comparada com a inglesa. Na I Guerra Mundial tinham sido expulsos de Portugal e expropriados seus bens.

Aqueles que regressaram viram-se sozinhos na luta para recuperar as vidas que tinham perdido.

A república de Weimar deixou as comunidades expatriadas entregues a si próprias.

O Nazismo traz uma nova política em relação às comunidades alemãs fora do país. Rodeia-as de atenções, dinamiza actividades e integra hospitais, centros culturais, escolas e outras as instituições na estrutura do partido.

Para muitos alemães que residiam fora do seu país, este interesse era muito bem-vindo e o nazismo representou também um renascer do seu interesse pelo país. Quando rebenta a guerra foi por isso natural para muitos jovens integrar os exércitos de Hitler…






 Esta é a única imagem a ilustrar toda a revista. Encontra-se nas páginas de abertura e é um fotografia da escultura
 "Camaradagem"
de Arno Brecker.














A "Jovem Europa" era uma revista que tinha como alvo os jovens académicos e os soldados da Europa fascista/ nacionalista.

Continha cartas, citações ou extractos de diários de soldados alemães e combatentes de outras nacionalidades nas várias frentes onde se encontravam tropas do Reich, dando um enfâse especial à frente leste.

Era uma forma de chegar aos milhares de jovens, de vários países, que integraram formações militares germânicas ou simpoatizavam com a luta contra o comunismo.

As suas páginas eram ainda preenchidas com artigos de “mestres da cultura, da ciência e filosofia”, refere Reinhard Schwarz, no seu livro.

A publicação pertencia à AKA - Akademischer Kulturaustausch (Intercâmbio Cultural Académico) - e tinha como representante em Portugal Siegfried Graf zu Dohna e como redactor Franz Blumberg.

A revista era composta em Berlim e depois enviada para Portugal onde era traduzida. A impressão era parcialmente realizada na Alemanha e completada na capital portuguesa pela Sociedade Astória de Lisboa.


Apresentação  dos objectivos da publicação e a primeira página da carta de Georg B.


Fica a transcrição da carta de Georg B.:

Carta de um Soldado Alemão ao seu condiscípulo português João Bravo, em Lisboa

Crimeia, 17/3/42

Correio de Campanha nº 31.268


Meu caro camarada João:

O teu bom amigo Georg envia-te, da extensa e distante Rússia, muitas saudades para ti e para os teus queridos pais.

Os meus camaradas estão sentados em torno de uma mesa, jogando em grupo um «skat» (jogo de cartas). Por cima das camas estão penduradas espingardas e capacetes de aço prontos a serem utilizados.

Há um ano estávamos nós na zona do Canal da Mancha a montar linhas telefónicas, sendo nessa altura alvejados por caças e vedetas inglesas. Hoje encontramo-nos na Crimeia, nas margens do Mar Negro, praguejando quando as horrendas «Ratas» avançam para nós a roncar.

Os russos atacam-nos da maneira mais vil que se possa imaginar; eles vêm disfarçados em trajes civis, em uniformes alemães etc. Numa luta nas ruas, cortaram as orelhas, espetaram os olhos e partiram os ossos a camaradas feitos prisioneiros, matando-os assim lentamente.

Eu próprio assisti a estas cenas; um deles foi por tal forma desfigurado, que não o pudemos identificar: estava feito numa massa disforme. Assim pereceram muitos camaradas que jaziam no chão uns ao lado dos outros; alguns tinham apenas 18 anos. Haviam dado pela Pátria pela Europa o que de mais caro possuíam.

Sim, meu caro João, eles deram também a vida por ti e pela tua pátria e religião.

Porque é que havemos de ser sempre nós???

Sempre nós a salvar a Europa???

Sempre o nosso sangue e dos nossos camaradas!

Com certeza que eu perdia a cabeça se me pusesse a pensar nisto! Durante o Inverno tivemos uma luta como nunca tínhamos tido até aqui. A uma temperatura de 40º negativos, fomos obrigados a deter multidões sobre multidões de russos, que investiam contra as nossas linhas com armas terríveis e montanhas de carros blindados.

Nós detivemo-los, mas quando acontecia passarem por cima de camaradas que se mantinham no seu posto, eram cercados e aniquilados.

Todos agradecemos a Deus que o Inverno esteja quasi a despedir-se, pois foi de incrível dureza. Os nossos geniais dirigentes e soldados fizeram malograr o plano dos russos, mantendo-nos nos nossos postos.

Se eles tivessem furado as nossas linhas, pobre da nossa pátria! Estes selvagens teriam destruído e assassinado tudo e todos e teriam mesmo chegado até aí… até vocês.

E ainda há padres, como na Inglaterra e outras partes, que fazem preces pelos cristãos bolchevistas! Quedo-me perplexo ante tal humanidade e tal igreja!

Eu posso em qualquer altura declarar a minha opinião, pois fui testemunha ocular deste «paraíso» através do qual marchei de olhos muito abertos. Protegei o vosso país contra os horrores da guerra, sede sensatos; sabei que a nossa força armada dispõe agora de um poder incrível.

Estou aqui lutando juntamente com romenos. A camaradagem é excelente!

Porquê não estou com vocês, portugueses?

A Rússia é um país extraordinário; em todas as cidades há uma rua magnífica com lindos parques, mas, atrás disto, é tudo uma miséria indescritível, que não quero tentar descrever, nem saberia como.

Acredita-me ou não, como quiseres. As igrejas foram todas transformadas em celeiros ou fábricas de «Vodka».

Um velho padre que andou sempre escondido, celebra agora a sua missa católico-ortodoxa numa das igrejas por nós reparadas e beija a mão de todos os soldados que nela penetram.

Num lazareto tomado de surpresa pelos russos, estes atiraram pelas janelas os feridos de gravidade. Foi-nos possível, usando de rara coragem, salvar ainda muitos deles. Mas os russos perdem diariamente tanta gente, que é impossível que dentro em breve não achem demasiado o castigo que lhes infligimos.

E agora basta de «paraíso» de miséria, de selvagens e de baixeza moral!

Assim que vier o Verão, aí de vós, meus russos!
É malhar neles que vai ser um consolo!

Hão de pagá-las olho por olho e dente por dente!

Os uniformes dos soldados que lutam estão em farrapos e cor sumida, mas quando tocar a avançar e tiver abrandado o frio, o coração de cada soldado alemão palpitará com dobrada força.

E tu como estás, João? Eu vou bem de saúde.

Não tardes a escrever-me uma longa carta sobre essa minha segunda pátria.

Olha! Ouve-se trovejar agora mesmo… são os russos que nos atiram com «ovos».

Os meus camaradas estão cada vez mais entusiasmados com os seu jogo e «skat».

Quando nos tornaremos a ver, meu caro João? Esperemos que seja em breve.

Mil saudades te envia o teu velho amigo

Georg B.

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