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quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Vitória na festa do “Reviralho”

“Viseu acaba de assistir a uma manifestação demo-comunista, em que se verificaram aspectos de tal forma graves que a cidade ficou e anda justamente alarmada”. As primeiras linhas do relatório do comando da Legião daquela cidade nortenha não deixam dúvidas sobre as preocupações deixadas pelos festejos da vitória aliada.

Festejos em Lisboa frente à Embaixada Inglesa.
(Revista "Mundo Gráfico", 15 de Maio de 1945 /Hemeroteca de Lisboa)
A vitória das democracias e da Rússia comunista na guerra fazem os homens da “situação” temer o pior tanto ali, com o noutras cidades portuguesas. Receia-se um golpe de estado, apoiado por britânicos ou americanos, e forma como as multidões acorreram aos festejos não descansam ninguém.

Mal a notícia da rendição se torna pública, na tarde do dia 7 de Maio, as ruas foram ocupadas nas cidades, vilas e aldeias de todo o país.

Há foguetes e “morteiradas”. Bandas e fanfarras saíram à rua por conta própria ou solicitadas por comissões formadas para liderar os festejos, algumas destas últimas sob forte suspeita do regime.

Não existe uma política comum a todo o país para controlar as diferentes manifestações. Em alguns concelhos tudo se autoriza, enquanto noutros, são colocados limites.

Em Portalegre, por exemplo, o presidente da câmara não autorizou saída da banda “por haver fundado receio de que o facto fosse aproveitado para exteriorização de ideias subversivas ou contrárias à actual situação política”.

De um modo geral, no dia 7, as festas são mais espontâneas, tem um carácter mais popular e prolongam-se pela noite com muitos “vivas” e “atrás dos vivas, começaram de notar-se as bebedeiras que se prolongaram pela noite fora.” Para o dia seguinte marca-se nova festa e manifestação, especialmente, nas localidades de maior dimensão e, neste caso, já se nota uma certa organização tanto por parte dos que celebravam como por parte das autoridades.


O medo da vitória aliada 

O medo das consequências de uma derrota das forças fascistas da Europa são notórios em vários relatórios que foram chegando ao Ministério do Interior, especialmente, durante os anos de 1944 e 1945.

Festejos no Porto
("Jornal de Notícias", 8 de Maio de 1945 /Hemeroteca de Lisboa)

“Depois dos últimos acontecimentos da guerra (a morte afrontosa de Mussolini e a tomada de Berlim pelas tropas Russas) notava-se em certos sectores, uma excessiva alegria, onde afloravam ódios mal contidos, rancores pessoais e esperanças de uma subversão política em Portugal”, explica o já mencionado relatório de Viseu e não é caso único.

“Os conhecidos agitadores do Entroncamento (…) andam de orelhas levantadas e bastante animados. Juntam-se em grupos discutindo os acontecimentos. (…) Os homens da Situação andam amedrontados e rendem finezas aos adversários. Diz-se que finda a guerra há modificação do Governo. Que os aliados impõem aos outros povos a forma de Governo (democracia)”, resume um outro relatório da PSP de Setembro de 1944.

No mesmo documento pode ainda ler-se que muitos responsáveis locais “estão aterrorizados, o que demonstra bem claramente, porque contando talvez com qualquer revês, pactuam com pessoas reconhecidamente adversárias da situação".

Com o aproximar do fim surgem cada dados cada vez mais alarmantes sobre uma potencial ameaça ao Estado Novo.

“Silvino Diogo (…) disse a alguém que possuía em sua casa uma “lista negra”, que lhe fora fornecida pelos americanos, na qual constam os nomes de pessoas da Situação e Legionários que haviam de ser abatidos”, revela um dos muitos relatórios dos Serviços de Vigilância da Legião Portuguesa de Lisboa, datado do dia 7 de Maio.

Portugal vibrou de emoção, diz a legenda desta fotografia.
(Revista "Vida Mundial Ilustrada", 17 de Maio de 1945 /Hemeroteca de Lisboa)

Noutra informação da Legião, com data de 5, é destacada a confiança de um certo Medeiros, que em pleno Salão Brasil, na Rua Augusta, em Lisboa, se permitiu “fazer várias afirmações vexatórias (…) comentando o facto da Bandeira Nacional estar a meia haste em sinal de luto pela morte de Hitler. Assim, em voz alta, dizendo não ter receio daquilo que lhe fizessem, insultou o senhor Presidente do Conselho, tratando-o de «filho da puta», bem como todos os componentes do exército e Legião”.

Somam-se os actos de desafio.

“Em Coimbra, na noite de 3 do corrente, foram deitados mais de 500 morteiros, com o fim de festejar a queda de Berlim. Supõem-se que tenham sido anti-situacionistas, os autores desta manifestação”, salienta um relatório da Legião enquanto outro dá nota da colocação da bandeira “vermelha com a foice e o martelo, no poste da 3ª secção da Junta de Autónoma de Estradas” de Queluz, na noite de 6 para 7, enquanto três dias depois o mesmo acontecia na Ponte de Rio Tinto, no Porto.


O "reviralho" sai à rua

É assim num país em clima de tensão que se chega à assinatura da rendição dos exércitos alemães. E se no dia 7 a maioria das manifestações teve, como já foi referido, um carácter mais popular e espontâneo, as iniciativas marcadas para o dia 8 assumem um outro nível de organização.

Não se vão registar problemas de maior, mas à frente das multidões que se juntam para ouvir discursos e para vitoriar os aliados surgem várias pesonalidades que o regime identifica como elementos do “reviralho”, “comunistas”, “democratas” ou de “ideias avançadas”.

Mesmo entre a população há medo … Em algumas zonas onde estavam marcadas concentrações para o fim do dia o comércio já não abriu as portas durante a tarde.

O olhos e os ouvidos das gentes da “situação” aguçam-se e de vários pontos do país chegam notícias. Nomeiam-se os cabecilhas, repisam-se os seus discursos, apontam-se os suspeitos mais perigosos.

“Alfredo Mendes da Silva, ex-aluno da faculdade de direito, foi quem chefiou a manifestação dos universitários, à Embaixadas Inglesa e Americana. Era este cavalheiro quem gritava «DEMOCRACIA» e «LIBERDADE», e pediu em frente da Embaixada Americana que fosse ajudada a academia para se obter em Portugal Liberdade e democracia. Este nojento individuo, sempre manifestou o seu ódio ao Estado Novo, e principalmente a Salazar. (…) Hoje, diz alto e bom som, que é russófilo”, assegura uma nota dos Serviços de Informações da Legião.

Numa outra pode ler-se que “o conhecido maestro comunista LOPES GRAÇA, e outros elementos desconhecidos foram vistos orientando várias manifestações de carácter subversivo, entre elas uma que pretendeu assaltar o Café Martinho”. Na Régua “salientaram-se, dando vivas à União Soviética e «morras» à Gestapo Portuguesa, o cauteleiro SOTERO, que apesar de analfabeto, sempre se tem mostrado hostil à situação; CLAUDINO CLEMENTE, empregado de armazém da Casa do Douro; MANUEL PAIXÃO, taberneiro; ANGELO MONTEIRO, mestre-de-obras”.

Festa em Lisboa .
(Revista "Mundo Gráfico", 15 de Maio de 1945 /Hemeroteca de Lisboa)

Para além de se apontarem nomes também se enumeram os desafios ao regime, mesmo quando não possível apontar culpados. No Crato não houve desordens, mas ouviram-se frequentemente, “vivas à Rússia e à Liberdade, percebendo-se o espírito tendencioso da parte das pessoas que os soltavam (…). É certo que concorreu para tanto, a generosidades de dois proprietários de estabelecimentos de bebidas que, na boa intenção de comemorarem o fausto acontecimento, ofereceram vinho ao povo”.

Em Campo Maior foi possível “ouvir vivas às nações vitoriosas, aos aliados, a Carmona e Salazar, Estados Unidos, Inglaterra e Brasil e, ainda um único viva à Rússia em voz débil que não foi possível identificar”.

Mas houve quem pagasse com a prisão o excesso de entusiasmo. Em Ponte de Sôr, o secretário da Câmara Municipal deteve um jovem de 19 anos, carpinteiro, por ter dado um viva à Rússia . Conduzido ao posto da GNR “esteve dois dias detido, e depois de repreendido, foi entregue ao pai e à mãe, sem qualquer procedimento, em virtude de se tratar de um menor”.

As manifestações do dia 8 foram ricas em discursos e outras iniciativas que se estenderam pelos principais espaços públicos do país. Pelos relatos percebe-se que na maior parte dos casos existe uma estrutura organizativa que nem sempre afronta de forma aberta a situação, mas deixa recados nas entrelinhas.

Marca-se nova concentração para o dia 9. Anunciam-se, nomeadamente, novas manifestações de agradecimento frente às embaixadas Americana e Inglesa em Lisboa. As estruturas da oposição passam este apelo para fora da capital, mas entretanto Salazar coloca um travão na animação e proíbe novas concentrações.

Isso não impede, no entanto, que de Almada parta um enorme grupo de pessoas com o objectivo de atravessar o rio. A GNR local mobiliza todos os efectivos disponíveis e dirige-se para Cacilhas de modo a evitar a travessia para Lisboa. Apesar da multidão, não se registam incidentes e as pessoas desmobilizam…

A força da rua continua, no entanto, a sentir-se e a União Nacional aproveita-a, marcando para o dia 19 de Maio, um Sábado, uma grande manifestação de agradecimento a Salazar por este ter conseguido manter Portugal fora da Guerra… Milhares de pessoas de todo o país chegam à capital para esta demonstração de unidade nacional, mas essa é outra história.

Carlos Guerreiro

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