O "Aterrem em Portugal!" publica hoje a primeira parte de um longa entrevista feita a Avelãs Nunes sobre este tema.
Aterrem em Portugal: Como é que o volfrâmio assume uma importância central nas exportações portuguesas durante o período da Segunda Guerra Mundial?
J.P. Avelãs Nunes: O volfrâmio ou tungsténio, combinado com outros metais, tem diversas utilizações, sendo as mais significativas em contexto de guerra o reforço de blindagens e de projécteis, de componentes de máquinas destinadas a escavar, cortar ou perfurar.
Desde o último quartel do século XIX que o volfrâmio é utilizado nessas funções e, por isso, sempre que existem conflitos militares aumenta a sua procura. Na Segunda Guerra Mundial a procura é superior à de qualquer outro período porque a utilização de blindagens se generalizou e também porque, a partir de meados de 1941, um dos lados do conflito passou a depender, quase na totalidade, da produção ibérica de concentrados.
Para a Alemanha era decisivo comprar tungsténio a Espanha e a Portugal porque não tinha acesso a outras reservas. O Reino Unido e, mais tarde, os EUA queriam impedir ou, pelo menos, reduzir a quantidade de minério a que os alemães acediam para assim diminuir a sua capacidade de produção de armamento.
Numa lógica essencialmente preemptiva, pois não necessitavam do volfrâmio ibérico, os Aliados compravam todo o volfrâmio que podiam, desequilibrando completamente a relação entre a oferta e a procura. O preço da tonelada disparou e fez com que a importância das vendas de concentrados de tungsténio na balança comercial portuguesa também aumentasse brutalmente.
Aterrem em Portugal: Para além da importância comercial o volfrâmio assume também grande importância no jogo diplomático ao longo de todo o conflito?
J.P. Avelãs Nunes: É melhor dizer que o volfrâmio está no centro do jogo diplomático. Uma das razões que terá dissuadido a Alemanha de invadir a Península Ibérica e, especialmente, Portugal foi a importância das reservas nacionais de volfrâmio.
Cartoon britânico publicado no jornal "Daily Mail" de Maio de 1944.
Desde que Portugal continuasse a assegurar o fornecimento de concentrados e numa altura em que a guerra ainda se encontrava equilibrada, os alemães não arriscaram uma interrupção da produção de volfrâmio.
As maiores pressões surgiram quando os Aliados começaram a ter vantagem e exigiram a diminuição ou a suspensão do fornecimento de tungsténio à Alemanha. O Reino Unido chegou, em fins de 1943 e princípios de 1944, a conceber apoiar o derrube de António de Oliveira Salazar ou do Estado Novo devido à recusa inicial de cortar as vendas de concentrados à Alemanha.
Os Aliados preparavam já o desembarque na Normandia e continuavam sem ter resposta às suas exigências e propostas. Foi talvez a única altura em que o regime correu o risco de ser derrubado por uma acção interna que contaria com apoio por parte de Londres. Salvou-se o regime nomeadamente porque a decisão de interromper as exportações de tungsténio para Berlim surge na noite de 5 para 6 de Junho de 1944, na véspera do desembarque Aliado na Normandia.
Aterrem em Portugal: Em diversos documentos oficiais surge a expressão “faroeste” para caracterizar o ambiente nas zonas do volfrâmio. Justifica-se esta expressão?
J.P. Avelãs Nunes: “Faroeste” ou “corrida ao ouro” na Califórnia são alguns dos termos comparativos que surgem. O volfrâmio alcançava preços elevados mesmo no mercado tabelado imposto pelo governo português. A partir de certa altura a Comissão Reguladora do Comércio dos Metais deveria comprar toda a produção e disponibilizá-la para exportação nos termos estabelecidos pelos acordos assinados com os beligerantes.
Anúncio publicado no Jornal de Notícias em 12 de Fevereiro de 1942.
Enquanto que, no centro e norte de Portugal continental, durante a Segunda Guerra Mundial, o salário de um trabalhador rural qualificado era de cerca de 10 a 12 escudos por dia, um quilo de volfrâmio no mercado tabelado valia bastante mais do que isso e no mercado negro chegou a atingir preços de 500, 750 e, mesmo, 1000 escudos.
A expressão “corrida ao ouro” surge, pois, naquele tempo, no sentido literal. Em princípios de 1942, ainda sem a intervenção do Estado português e com a guerra económica entre os dois blocos militares no seu ponto mais alto, encontrar uma pedra de volfrâmio representava o equivalente à remuneração de muitos dias de trabalho.
Quem necessitava e quem podia envolvia-se no processo de extracção, concentração e comercialização com grande empenho. Houve uma gigantesca mobilização porque as condições de vida eram muito difíceis. Em diversos sectores de actividade a guerra agravou o desemprego e alguns cessaram mesmo a actividade.
Outra razão para se utilizar estas expressões prende-se com o facto de a exploração do volfrâmio ser feita em regimes diversos. Existiam minas organizadas (com galerias, poços, cortas e/ou sanjas) que implicavam empresas estruturadas e acompanhamento técnico permanente. Nestes casos, devido ao aumento da procura, os ordenados subiram um pouco, mas a situação sociolaboral podia-se considerar como normal.
Havia, ainda, um tipo de exploração apenas realizada a céu aberto, que exigia menos condições, que implicava menor enquadramento técnico, mas que envolvia mais pessoas. Tratou-se da modalidade do “Kilo”, em que pequenos grupos de mineiros estabeleciam um contrato com o concessionário. Trabalhavam “à tarefa”, cabendo o manusear de explosivos e o acompanhamento técnico aos agentes económicos formais. Toda a produção deveria ser vendida aos concessionários.
Antes de serem proibidas pela censura vários jornais avançaram com notícias sobre o que estava a acontecer no país devido à exploração do volfrâmio.
Diário de Noticias, 12 de Março de 1941
Há, também, notícias de roubos envolvendo dezenas de pessoas. Nas Minas da Panasqueira relatam-se assaltos ao cabo aéreo, um sistema de transporte de minério que utilizava grandes baldes metálicos suspensos por cabos que ligavam as zonas de extracção à Lavaria do Rio. As pessoas subiam aos postes, saltavam para as vagonetas e atiravam fora o minério que outros recolhiam. Muitas vezes apareciam os guardas da mina e a GNR, gerando-se situações de grande tensão.
Outros fenómenos ajudariam a criar um ambiente de “faroeste”. Atraídos pelo dinheiro e oriundos das cidades do litoral ou de outras regiões do país, chegavam às zonas de exploração de volfrâmio grupos de migrantes e de prostitutas. Fala-se de comboios cheios num vaivém de gente.
Haveria dinheiro em circulação e armas, incumprimento quase sistemático da legislação e relativização de interditos morais; esbanjamento de riqueza e acumulação de recursos financeiros ou, mesmo, de algumas fortunas; alteração, mesmo que apenas temporária, de regras e de hierarquias sociais. Muitas pessoas antes pobres adquiriram bens e serviços a que por norma não tinham acesso.
Ocorriam situações pouco habituais em zonas do país — o centro e o norte — habitualmente conservadoras. Com a subversão parcial das hierarquias e dos valores, ficou das áreas mineiras a imagem de um mundo à parte, de uma “Califórnia” ou de um “faroeste”, onde tudo era estranho mas possível.
Carlos Guerreiro
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Leia AQUI a segunda parte da EntrevistaLeia Aqui mais sobre VOLFRÂMIO.
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