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sexta-feira, 27 de maio de 2016

A invasão de Portugal... em boatos

“Segreda-se que mais de 3.000 naturais de determinado país se encontram armados de metralhadoras e que entre eles cerca de uma centena são oficiais de reserva ultimamente chegados ao país e exercendo em Portugal actividades suspeitas”. O parágrafo é retirado de uma circular do Ministério da Guerra (MG) com data de 13 de Maio de 1940 e que tinha como principal objectivo esclarecer as dúvidas relacionadas com a presença em Portugal de forças que pudessem colaborar numa possível invasão.

Exercícios de ataque aéreo em Lisboa em Junho de 1942. 
Reportagem da revista "Mundo Gráfico" de 30 de Junho de 1942.
(Hemeroteca de Lisboa)

O “determinado país” referido no documento era a Alemanha cujas forças, por esta altura, já haviam entrado pela Bélgica adentro e nas semanas seguintes conquistariam também a França e a Holanda. A “blitzkrieg” rolava a grande velocidade e o Governo de Salazar não excluía a possibilidade da marcha vitoriosa continuar até Portugal.

Uma suspeita fundada até porque o plano chegou a ser esboçado e contava com a colaboração de Franco. A Operação Isabella previa a entrada de três divisões alemãs no país com o apoio de unidades espanholas e integrava um plano mais vasto – Félix – que passava por ocupar Gibraltar e limpar do mediterrâneo os exércitos britânicos. Nem “Isabella” nem “Félix” veriam alguma vez a luz do dia, mas em 1940 tudo era possível.

O medo de uma invasão parece estar bem enraizado entre a população e os boatos de uma acção militar estrangeira surgem repetidamente mencionados em relatórios policiais em 1940 e ao longo dos anos seguintes. É por esta razão que o MG, apesar de salientar que o Governo não se deve preocupar “com boatos insubsistentes nem deva perder tempo a dar ouvidos a notícias tendenciosas”, resolve fazer um levantamento do número de residentes estrangeiros de modo a que os oficiais superiores fiquem esclarecidos em relação a este tema.

O documento desfia depois vários números apresentados em vários quadros e que mostram que, salvo raras excepções, o número de estrangeiros em Portugal até diminuiu entre 1939 e 1940. Nos meses que se seguiriam todos estes números ficariam obsoletos com a “invasão” de refugiados que demandaram a Portugal devido à invasão da França.

Um dos quadros da Circular do Ministério da Guerra que mostra a diferença entre o 
número de estrangeiros em Portugal em 1 de Janeiro de 1939 e 1 de Janeiro de 1940.

A circular clarifica também alguns dos números: “ressalta claramente terem diminuído no país os residentes estrangeiros de nacionalidade alemã, espanhola, inglesa e suíça e terem aumentado os belgas, franceses e polacos. A população italiana em Portugal mantém-se estacionária. O decréscimo de espanhóis tem fácil justificação no facto de ter terminado a guerra civil e por isso ser já possível o regresso a Espanha de um grande número de pessoas que em Portugal tinham procurado abrigo. Igualmente se justifica o decréscimo de alemães, ingleses e suíços pelas medidas de mobilização militar decretadas naqueles países para fazer face ao estado de guerra (…). O acréscimo em Portugal de belgas e polacos é explicável pela vontade de alguns indivíduos escaparem com os haveres às graves consequências de uma invasão”.

Mais difícil de explicar parece ser o aumento de franceses sabendo-se que “foram aumentados (…) os serviços franceses de imprensa e propaganda, e que igualmente vários indivíduos daquela nacionalidade têm vindo a Portugal em missão do seu Governo para efeito de compras de recursos necessários ao prosseguimento da guerra”.

A circular assegura, no entanto, que “o Governo tem ao seu alcance meios para acompanhar atentamente a vida de todos os estrangeiros em Portugal. Conhece precisamente para cada um a profissão a que se dedicam, o lugar do país em que residem e as suas especiais predilecções. No caso de em qualquer momento vir a verificar que algum estrangeiro abusa da hospitalidade que lhe é oferecida, por forma a prejudicar os interesses nacionais, tomará imediatamente as adequadas medidas de segurança.”

Por esta razão o documento – cuja elaboração foi ordenada pelo subsecretário de Estado da Guerra - apela a que os comandos chamem a atenção dos “oficiais sob as suas ordens para a conveniência de não ser dado curso e antes serem prontamente reprimidos boatos que visem alarmar o espírito público", acrescentado ainda que “o Governo está atento a tais manejos e o Ministério da Guerra acolherá favoravelmente todas as notícias sobre repressão de boatos tendenciosos mesmo quando para tal efeito tiverem sido empregados, individual ou colectivamente, os meios mais violentos”.


Culpados são os franceses

Ainda a 13 seguiu em forma de adenda uma nova nota do Ministério da Guerra para os mais altos comandos do exército, onde era dado conta que partiam da “Colónia Francesa e da sua espionagem em Portugal a grande maioria dos boatos alarmantes recentemente postos a correr acerca de pretensos perigos a que o país está sujeito no presente momento”.

Esta nova missiva também parece querer dissipar tensões que existiam em relação à colónica inglesa dispensando ao tema vários parágrafos. “Tem-se ainda verificado ser da maior correcção nos últimos tempos o procedimento dos ingleses residentes no nosso país e por isso não têm razão de ser as apreensões manifestadas em panfletos, dirigidos a oficiais, ultimamente distribuídos. São da maior cordialidade as relações com o Governo Inglês, tendo sido já acordada, após longas negociações, a cedência por parte destes da artilharia anti-aérea e de costa necessária à nossa segurança”.

De facto os britânicos não só prometiam enviar material de defesa como também colaboraram na elaboração de um plano que previa deslocar para os Açores o Governo português caso se registasse uma invasão. Nos meses e anos seguintes Portugal enviou o que de melhor tinha para o arquipélago onde chegou a reunir mais de 40 mil homens e o que de melhor havia em termos de aviação. Era claro para todos que seria impossível segurar o território continental face à ofensiva de um exército moderno e que – caso fosse necessário - o império teria de sobreviver sem Lisboa.

As notícias dando conta da partida de novos contingentes para os Açores 
foram constantes entre 1941 e 1942.
Notícias publicada no "Diário de Notícias" de 15 de Abril de 1941. 
(Hemeroteca de Lisboa)

Apesar destes avisos o país continuou a ser pródigo a espalhar boatos sobre uma possível invasão. No final de 1940 a PSP de Castelo Branco assegurava que corria pela cidade a notícia que junto à fronteira se concentravam tropas alemãs enquanto da Guarda se reportava uma história ainda mais elaborada: “Que a Espanha (…) se prepara febrilmente para a guerra, constando que estão construindo abrigos em Barcelona e outras cidade, onde as guarnições militares estão sendo reforçadas. (...) Tem sido recebida grande quantidade de aviões e outro material bélico, vindo da Alemanha. É voz corrente na raia que a Espanha tem a pretensão de anexar Portugal, constando até que algumas autoridades espanholas da fronteira, têm oferecido dinheiro aos contrabandistas para lhes fornecerem certos elementos, como o estado das nossas estradas para o Porto, etc...”.


Também os aliados

Quando a partir de finais de 1942 os alemães começaram a acumular derrotas e o peso da intervenção americana se começou a tornar claro, os boatos de uma possível invasão continuaram, mas agora com novos protagonistas.

Os americanos avisaram desde cedo, numa altura em que ainda mantinham a neutralidade, que os Açores eram a linha que marcava o limite da sua fronteira externa, deixando no ar possibilidade de uma ocupação preventiva do arquipélago caso surgisse qualquer tipo de ameaça. O assunto teve especial destaque em Maio de 1941 após o discurso do senador americano Claude Peppere, mas já vinha sendo discutida pelo menos desde a invasão da França em 1940.

Talvez por isso não se estranhe que os boatos da ocupação das ilhas começassem cedo. Logo em Janeiro/ Fevereiro de 1941 a PSP do Porto garantiam serem cada vez mais fortes as conversas que apontavam para uma ocupação das ilhas pelos britânicos.

O tom da cavaqueira sobe com o passar do tempo e em Maio de 1943 já é certo, na cidade de Viseu, que Salazar será substituído por imposição inglesa. Após o seu exílio na Suíça a chefia do Governo seria assegurada por Armindo Monteiro, embaixador português em Londres e um diplomata muito bem visto nos círculos britânicos.

Também da Legião Portuguesa chegavam informações sobre a iminência de uma invasão aliada e, em fins de Novembro de 1943, no Algarve, era certa a iminência de um desembarque americano no porto de Lagos.

Carlos Guerreiro

1 comentário:

  1. Creio poder afirmar que a invasão não se deu porque, na sequência da reunião havida em Hendaya, a 23 de Outubro de 1940, entre Franco e Hitler, este último não se dispôs a satisfazer as condições postas pelo Caudillo espanhol para entrar na guerra.
    Entre outras, Franco pretendia anexar a Argélia e o Marrocos Francês, o que melindraria a relação entre Hitler e Pétain, chefe do governo francês de Vichy.

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