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quinta-feira, 14 de julho de 2016

O périplo dos homens do "Alpha"

Os aviões alemães aproximaram-se de Sudeste largando bombas e disparando rajadas de metralhadora. Perante a intensidade do ataque o comandante ordenou de imediato o abandono da embarcação, “o que se conseguiu sem ter sido ferido tripulante algum, apesar do navio ter sido atingido por tiros e bombas”.

Antes de ser comprado pela Sociedade Luso-Marítima que o
chamou de "Alpha", o navio chamava-se-se "Ibo".
Pormenor de postal ilustrado.
(Imagem: Blogue "Navios e Navegadores")

O ataque começara por volta das 13 horas e, enquanto os 21 homens se afastavam, o cargueiro continuou sob ataque da Luftwaffe até perto das três da tarde. Apesar de ter sido atingido várias vezes e ter ficado meio demolido só às 18 horas desapareceu no Mar do Norte. Estávamos a 15 de Julho de 1940 e o

ALPHA foi o primeiro navio português a ser afundado durante a II Guerra Mundial. Os tripulantes viram o navio desaparecer enquanto ficavam sozinhos na baleeira em mar aberto, sob as ordens do comandante José Ferreira de Oliveira, sabendo que ainda estavam longe de alcançar terra.

O vapor da Sociedade Luso-Marítima tinha saído de Lisboa com uma carga de “bananas a granel” no dia 10 de Julho, dia em que também recebera “no Consulado de Inglaterra, as Instruções secretas para a viagem” até Liverpool, no Reino Unido. A II Guerra Mundial começara há menos de um ano, mas a situação estratégica tinha mudado com a rendição da França. No dia em que o ALPHA iniciava a viagem, os alemães tinham também dado o sinal de partida para a Operação “Seelove” (Leão Marinho) que tinha por objectivo último a invasão do Reino Unido.

A primeira fase do plano tinha por objectivo destruir ou inutilizar as frotas mercante e de guerra dos britânicos, para além de incapacitar instalações portuárias através de ataques com navios de superfície, submarinos e aviões. Era o princípio da Batalha de Inglaterra e só semanas depois se registariam os intensos combates sobre os céus ingleses que ficariam como imagem deste período.

Quando o comandante Oliveira recebeu as ordens secretas de Londres para fazer a aproximação a Liverpool, os ingleses já não eram donos absolutos do Mar do Norte ou do Canal da Mancha. Com bases em França centenas de aviões e lanchas rápidas alemães patrulhavam os céus e os mares atacando alvos definidos ou de ocasião.

No dia 15 os alemães até realizaram menos voos que nos dias anteriores, mas no Alpha a preocupação foi crescendo após a primeira claridade da manhã, especialmente devido ao intenso tráfego de aviões, com alguns a descrever círculos sobre o cargueiro. Temendo ser confundido com algum navio beligerante Ferreira de Oliveira ordenou a substituição da bandeira que hasteava por outra maior comprada antes da saída de Lisboa.

De resto o navio cumpria todas as normas impostas pelas autoridades com o objectivo de ser facilmente identificado como neutral. Para além da bandeira em pano, tinha também as cores nacionais pintadas em ambos os lados do casco, local onde também se podia ler o nome do país em letras de grande dimensão.

Apesar do navio ter atraído as atenções dos aviões por mais de uma vez nenhum destes esboçou qualquer atitude agressiva ou mostrou intenção de estabelecer contacto. Só depois da uma da tarde, e sem aviso, ocorreu o ataque com oito aviões a descarregaram todo o seu poderio sobre o cargueiro.

Após abandonarem o navio os tripulantes dirigiram-se para sul, em direcção a uma França ocupada há poucas semanas pelos alemães, os mesmos que os haviam atacado. Dois dias depois ainda remavam em mar alto quando foram avistados pela “Reine des Fleurs”, uma chalupa francesa que os rebocou até Audierne onde aportaram a meio da manhã.

Notícia do "Diário de Lisboa" de 25 de Julho de 1940.
(Fundação Mário Soares)
A chegada a terra não significou o fim das incertezas para a tripulação portuguesa. Os franceses entregaram-nos à autoridade militar alemã, que teve pressa em os interrogar. Quando os portugueses pediram para que fosse contactado um cônsul português, os alemães asseguraram que no dia seguinte seriam levados a Brest, onde existia um consulado. A promessa nunca foi cumprida.

Acompanhados por dois sargentos do exército alemão realizaram nos dias seguintes um périplo de comboio por várias cidades francesas. Passaram por Quimper, Nantes, Bordéus e finalmente Hendaia, onde só chegaram no dia 21, viajando em condições que o comandante português considerou pouco dignas. Os alemães nunca fizeram “distinção entre oficiais e tripulantes, (…) seguindo sempre todos juntos e em terceira classe, comendo uma refeição por dia e dormindo em enxergas no chão”. Na última cidade francesa dormiram “por favor do chefe de estação em um vagão”.

Em Hendaia dirigiram-se ao comando local do exército alemão na esperança de que estes facilitassem o transporte para Espanha, mas nada conseguiram, e o mesmo aconteceu no consulado de Espanha para onde se dirigiram de seguida.

A custo conseguiram bilhetes de comboio e no dia 22 atravessaram a fronteira chegando a Irún onde finalmente encontraram a protecção do cônsul português e de onde conseguiram avisar Lisboa da sua sorte.

Seria o cônsul a encaminhá-los para San Sebastian de onde conseguiram partir, finalmente, para Lisboa onde conseguiram chegar no dia 25 pelas 8 horas da manhã…

Carlos Guerreiro

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