O aviso Gonçalves Zarco foi um dos navios
que realizou salvamentos no Índico durante a II Guerra Mundial.
O facto de muitas destas unidades viajarem sem qualquer escolta e as rotas afunilarem no Canal de Moçambique tornaram a zona bastante apetecível para a arma submarina e tanto os japoneses como os alemães tentaram a sua sorte, transformando as milhas de mar frente à colónia portuguesa numa verdadeira carreira de tiro.
A presença de unidades navais do Eixo fizeram-se sentir logo em 1939 com a presença de corsários e cruzadores auxiliares alemães, como o Admiral Graf Spee, ou da Régia Marina com alguns navios de superfície e submarinos baseados na Eritreia.
Esta presença não teve, no entanto, qualquer impacto em Moçambique e só partir de 1942 se sentiu a proximidade da guerra naquele território com a chegada em Junho de submarinos japoneses, e em Outubro de U-boats alemães. ao contrário do que acontece no Atlântico onde se regista um presença constante de submarinos, no Índico os ataques vão acontecer em vagas que duram de alguns dias a poucas semanas, desaparecendo em seguida.
A extensa linha de costa condicionou as operações de salvamento dos navios portugueses, que mesmo saindo muitas para realizar operações de socorro nem sempre conseguiam encontrar os náufragos antes destes chegarem a terra pelos próprios meios. Talvez por essa razão existem apenas cerca dezena e meia de operações de salvamento no Índico - protagonizadas por navios - que tiveram sucesso, enquanto no Atlântico esse número é superior a cinquenta. Por outro lado o número de arribadas no Atlântico e no Índico é muito semelhante, sendo no primeiro caso de 30 e no segundo de 29, segundo os dados apurados até ao momento.
Uma tragédia chamada Nova Scotia
O primeiro sinal da presença de submarinos no canal de Moçambique aconteceu a 5 de junho de 1942 com o afundamento do petroleiro panamiano Atlantic Gulf pelo submarino japonês I-10. Avisadas as autoridades em Lourenço Marques, foi enviado em socorro o Gonçalves Zarco que contou ainda com o apoio de um avião da companhia de aviação da colónia, a DETA, mas nada conseguiram encontrar. Os 38 sobreviventes chegariam à ilha de Gurué, sendo depois rebocados pela canhoeira Tete até ao porto da Beira, onde receberam o apoio necessário.
Um mês depois o Gonçalves Zarco seria responsável pela primeira operação de salvamento bem sucedida naquelas paragens, recolhendo dois dos 37 sobreviventes do cargueiro norueguês Wilford. Dezanove outros alcançaram uma ilhota ao largo da Beira e outros foram recolhidos por um cargueiro britânico.
A maior operação de socorro alguma vez realizada por navios portugueses seria protagonizada, ainda em 1942, pelo aviso Afonso de Albuquerque que se encontrava ancorada no porto de Lourenço Marques quando, na manhã de 28 de novembro, o U-177 apontou três dos seus torpedos a um navio de formas maciças que se deslocava para sul.
Tratava-se do “Nova Scotia” um paquete transformado em transporte de tropas que naquela viagem transportava mais de setecentos civis italianos internados, para além de duas centenas de guardas e tropas aliadas, num total de 1052 pessoas.
Quando o comandante alemão Robert Gysae emergiu para recolher informações sobre o navio que acabara de afundar, percebeu que no mar se falava italiano, então um país aliado. Comunicou de imediato com o seu Quartel-General na Alemanha, que reenviou mensagem para Lisboa onde os responsáveis pela Legação contactaram as autoridades marítimas portuguesas. Ao início da noite a informação chegou finalmente a bordo do “Afonso de Albuquerque” que conseguiu aprontar-se para zarpar na madrugada de 29.
Pouco depois das 13 horas o aviso já estava sobre a zona do desastre e foi confrontado com um cenário que dificilmente seria esquecido pela sua tripulação. A mancha de destroços estendia-se por milhas e entre madeiras, colchões e todo o tipo de materiais boiavam dezenas ou centenas de corpos.
O resgate decorreu de forma ininterrupta ao longo de 27 horas, retirando da água um total de 194 pessoas, sendo que cerca de 130 eram italianos. Mais de 850 morreram. Como corolário inédito da operação ficaram notas oficiais de agradecimento tanto das autoridades aliadas como do Eixo.
Foi também no índico que um navio português, o “Gonçalves Zarco”, retirou os últimos homens da água. Pertenciam ao britânico “Director”, afundado em 15 de julho de 1944 pelo submarino alemão U-198 e, curiosamente, a última dúzia de arribadas de que tenho notícia também tiveram lugar no Índico.
De entre as arribadas destaco o caso do Radbury, navio britânico do qual chegou um sobrevivente à ilha Europa em Novembro de 1944. Numa relação de salvamentos enviada pelo Departamento Marítimo da Colónia de Moçambique ao Ministério dos Negócios Estrangeiros existe uma nota que deixa perceber um caso de canibalismo, o único que encontrei até ao momento: “(…) Eram 40 sobreviventes que após três dias aportaram numa pequena ilha, sem árvores nem água, de areia onde encontraram ovos de aves e onde permaneceram dois meses. Por falta de água o sobrevivente e mais três companheiros abandonaram a ilha. Dez dias depois (…) o fogueiro (…) deitou-se à água e desapareceu. (…) o mesmo fez o artilheiro (…). O terceiro companheiro Ah Fong, marinheiro apertado pela sede morreu na jangada onde foi encontrado sem o antebraço e com a face corroída e irreconhecível. (…) Ignora-se o destino dos que ficaram na ilha”.
Carlos Guerreiro
Gostei francamente!
ResponderEliminarO meu pai esteve no salvamento do Nova Scotia, a bordo do Gonçalves Zarco.
ResponderEliminarBoa tarde...
EliminarAinda hoje estive com a filha de um outro oficial que também esteve nesta operação de salvamento... Se tiver mais alguma informação gostaria de trocar umas palavras consigo... envie-me um e-mail para landinportugal@gmail.com
Há alguns anos escrevi um relato mais completo sobre a operação de Salvamento do Nova Scotia... Deixo-lhe a ligação:
http://aterrememportugal.blogspot.com/2015/01/buscando-vidas-no-indico.html
Cumprimentos,
Carlos Guerreiro
O meu pai, oficial artilheiro do Gonçalves Zarco, foi condecorado com a medalha de Socorros a Náufragos por, estando de quarto à ponte, ter avistado uma balsa com náufragos de um navio no Canal de Moçambique. Não recordo o nome do navio afundado.
ResponderEliminarBoas,
EliminarPelas minhas pesquisas o Gonçalves Zarco esteve envolvido em três operações de salvamento distintas, todas no Índico:
- A primeira aconteceu em 13-06-1942 quando recolheu dois sobreviventes do navio norueguês Wilford, afundado a 07-06-1942 pelo submarino japonês I-18.
- A segunda em 09-12-1942 quando recolheu seis náufragos do panamiano Amarylis , afundado a 02-12-1942 pelo submarino alemão U-181.
- A terceira aconteceu em 18-07-1944 quando recolheu 15 homens que pertenciam à guarnição do britânico Director afundado a 15-07-1944 pelo submarino alemão U-198...
Não tenho registo de qualquer outro salvamento realizado pelo Gonçalves Zarco no período da II Guerra Mundial. Talvez pela data consiga lá chegar...
Se tiver mais alguma memória ou informação sobre o caso gostaria muito de trocar mais informações consigo. O meu e-mail é: landinportugal@gmail.com
Cumprimentos,
Carlos Guerreiro