Vista de Faro. Fotografia publicada pela revista Panorama em 14 de abril de 1943. (Hemeroteca Digital) |
A origem do disparo foi rapidamente localizado cerca de meia milha pela proa, local onde emergia a torre de um submarino. O capitão José Joaquim Correia ordenou de imediato que se atravessasse o navio, se parasse o motor e se arriasse o pano, enquanto se mantinham visíveis as bandeiras com o nome do navio e a bandeira nacional, mas sem grandes resultados: “O desumano submarino continuou a disparar rajadas de metralhadora e tiros de peça, conservando-se sempre na nossa proa e sempre mostrando apenas a torre à superfície”, relatava dias mais tarde o protesto de mar entregue às autoridades portuguesas.
A insistência do atacante deixou marcas no navio e num tripulante. “Meteu uma granada no costado pela amura de bombordo, acima da linha de água; fez vários raspões no costado e na borda; furou as velas; cortou vários cabos de manobra e uma boia de salvação circular; sendo atingido por um estilhaço de granada de raspão no braço esquerdo o ajudante de motorista Donaldo R. de Sousa Marques felizmente sem gravidade”.
Segundo o protesto de mar foi já em pleno ataque que se hasteou uma bandeira italiana, o que parece ter acalmado a sanha bélica do submarino que se colocou ao lado iate por bombordo questionado o capitão português: “Pelo porta-voz perguntou-me se falava italiano, respondi que compreendia; então perguntou-me se eramos portugueses ou suíços, respondi que eramos portugueses, que vínhamos de Génova onde tínhamos ido levar carga para a suíça e nos destinávamos para Portugal; então perguntou porque nos encontrávamos ali, respondi que fora a corrente de água que nos tinha arrastado um pouco para terra durante a noite e que nos íamos afastar mais para fora. Então mandou seguir para o sul”.
José Joaquim Correia repete no seu relato que apenas conseguiu avistar a torre e não a estrutura do submarino antes deste submergir logo após a troca de palavras. Para além dos estragos visíveis por toda a parte, foram encontrados um bocado de granada, um percutor e vários estilhaços que seguiram com o navio para Gibraltar onde entraram para realizar reparações.
“Deixem as coisas ficar como estão”
Foi após fundearem no porto britânico, às 15.15 horas de 2 de maio de 1942, que começou a troca de mensagens entre Gibraltar, Lisboa e Londres. O primeiro telegrama foi enviado da Embaixada britânica na capital portuguesa para o comando marítimo do Atlântico Norte (FOCNA – Flag Officer Commanding North Atlantic) na sequência de notícias publicadas na imprensa portuguesa que davam conta do ataque. Pretendia-se confirmar a informação da presença na base do mediterrâneo e, simultaneamente, obter uma nota oficial assegurando que nenhuma unidade aliada era responsável pelo incidente.
Esta primeira missiva seguiu a 9 de Maio e logo no dia seguinte veio uma resposta que fez disparar os alarmes entre as autoridades navais do Reino Unido. Afinal o ataque fora executado pelo submarino P42 - “HMS Unbroken” - que tinha tido dificuldades em identificar a “escuna” que se aproximava, abrindo fogo com canhão e metralhadora. De resto o navio hasteava duas pequenas bandeiras – a portuguesa e suíça – que os ingleses não conseguiam identificar e – segundo o relatório do tenente Mars da Royal Navy - uma italiana de maiores dimensões. Apesar de tudo os portugueses tiveram a sorte do seu lado pois o submarino também disparou dois torpedos, mas um passou pela proa do veleiro sem lhe tocar e o outro mergulhou para o fundo mal saiu do tubo explodindo quando tocou na areia, causando até alguns danos aos britânicos.
Mas havia também notícias menos alarmantes. Uma delas era o facto de José Joaquim Correia, nas declarações que fizera às autoridades gibraltinas, ter identificado o atacante como sendo italiano, dando como justificação o facto de estarem fora de rota. A outra prendia-se com o facto do percutor – com marcas que o poderiam identificar como sendo de origem britânica – tinha sido entregue a oficiais da Royal Navy.
Face a esta situação um outro telegrama, enviado pelo almirantado ao Adido Naval na Embaixada de Lisboa, levantava a questão sobre qual a atitude a tomar: “Submarino falou apenas italiano. (…) Temos a alternativa de nada dizer, deixando que os tripulantes acusem os italianos, ou explicar a situação”. A resposta da capital lusa foi lesta: “Autoridades portuguesas estão convencidas de que submarino era italiano. Considero que melhor política é nada dizer. Embaixador Concorda”.
Nas trocas de correspondência e telefonemas que se seguiram foram tidos em conta os diversos cenários. Havia quem defendesse a necessidade de ser franco com Salazar, até porque o navio estava fora de rota e tinha hasteado a bandeira italiana, o que de certo modo sancionava o ataque. Outros tinham opinião contrária alegando que o caso já se arrastava há dias sem que os portugueses suspeitassem do seu envolvimento, mas que este intervalo de tempo sem assumir responsabilidades colocaria futuramente os britânicos sob suspeita imediata sempre que houvesse uma ataque, mesmo quando este fosse realizado - de facto - por unidades do Eixo. Sugeriu-se por tudo isto que o melhor seria deixar as coisas ficarem como estavam. A expressão utilizada é até curiosa: “My own instinct is to let sleeping dogs lie and to avoid being drawn into this, unless the situation demands it”.
Os italianos arcaram com as culpas...
Curiosamente no mesmo dia em que o “Vale Formoso Segundo” entrou no porto de Gibraltar também lá atracava o P42, comandando pelo tenente Alastair Campbell Gillespie Mars. Durante três dias os dois navios estiveram relativamente perto um do outro, mas José Joaquim Correia foi incapaz de reconhecer o seu agressor…
Carlos Guerreiro
Muito bom! De ti outra coisa não era de esperar.
ResponderEliminarmagnificos relatos
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