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domingo, 28 de março de 2010
Filhos da Guerra
A polémica já vem de longe mas continua a fazer correr muita tinta. Em França nasceram das "relações entre francesas e inimigos" mais de 200 mil crianças ao longo da II Guerra mundial. Foram, apesar de inocentes, o escárnio de outras crianças e de adultos. O assunto só começou a merecer a atenção nos últimos anos e hoje - domingo - vem um excelente artigo no Diário de Notícias sobre o tema na página 34: "Os Franceses que querem ser alemães".
Histórias: filhos da guerra
Os franceses que querem ser alemães
por ABEL COELHO DE MORAIS
Cenas de amor e ódio na França dos anos 40. Cometeram o erro de se aproximar dos militares do III Reich que ocupavam o país. Foram cerca de 20 mil francesas que tiveram filhos de alemães de 1940 a 1944. As crianças irão pagar um preço elevado por esta paternidade maldita. Uma paternidade só agora reconhecida pelo Governo de Berlim.
"Sinto-me um vulcão em actividade, depois de todos estes anos de sofrimento. É o melhor sentimento que posso ter, já que o meu pai era um 'boche', o 'inimigo', enquanto eu o admirava com todo o meu coração", exulta Daniel Rouxel. Aos 67 anos, viu ser-lhe atribuída a nacionalidade alemã após uma luta de mais de 15 anos.
Rouxel nasceu em Abril de 1943, filho de mãe francesa e de Otto Hammon, tenente do exército que então ocupava a maior parte da França. É uma das 200 mil crianças nascidas de uniões entre francesas e militares alemães de 1940 a 1944.
A Alemanha começou, finalmente, a reconhecer-lhes a dupla nacionalidade, tendo Rouxel sido o primeiro, em Agosto de 2009. Depois dele, num processo ainda em curso, muitos outros conseguiram o passaporte alemão, pondo fim a uma situação de ignomínia e discriminação, que só foi possível após o degelo das relações franco-alemães nos anos 70.
A mãe de Daniel trabalhava na cantina de um campo militar alemão em Pleurtuit, localidade na costa atlântica, a dez quilómetros de Saint-Malo, quando a invasão aliada da Normandia, em Junho de 1944, a leva a partir para Paris. O bebé ficou para trás numa família de acolhimento.
Aos quatro anos, Daniel passou a viver com a avó materna numa aldeia da Bretanha. Aqui é visto como "uma curiosidade"; quando frequenta a escola, os outros alunos não lhe poupam insultos - frases como "filho de boche e de puta" eram "de veludo comparado com os insultos dos adultos", recorda Daniel. Aos cinco anos, pensou em suicidar-se.
Sessenta anos depois, a família alemã de Daniel entrega-lhe o capacete do pai. Para ele, foi o objecto "mais precioso" que alguma vez recebeu.
A sua história é também a de Jeanine Nivoix-Sevrestre, que a família só colocou na escola aos nove anos; rejeitada pelo avô, a jovem pesava então 18 quilos. Ou a de Claude Jeanne, que percorreu todos os cemitérios de alemães na Normandia à procura da sepultura do pai.
Muitos outros, na sua "enorme solidão" - como Daniel descreve a infância e a juventude - nunca conseguiram saber quem foi o pai; noutros casos, foram as mães a ocultar a sua identidade.
A maioria das crianças nasceu nas regiões onde se erguia a Muralha do Atlântico, locais onde as unidades alemães permaneceram mais tempo. "Foi aqui que houve contacto com as populações, os franceses estiveram envolvidos na construção das defesas, e os alemães ficaram associados à vida das aldeias nos primeiros anos da ocupação", nota Jean-Paul Picaper, historiador que retrata estas circunstâncias em Enfants Maudits. "Para os alemães é fantástico descobrir que os seus soldados não deixaram só morte à sua passagem na guerra" de 39/45. No livro, Picaper recolhe testemunhos da infância ditados por idosos; muitos trazem a público pela primeira vez estas memórias.
Rouxel e outros iniciaram a batalha pelo reconhecimento da dupla nacionalidade nos anos 90. O seu pedido era baseado nos arquivos da WAST (o serviço do exército alemão para as vítimas e presos de guerra), que permitem conhecer o destino de todos os elementos das forças armadas. Em 2003, o documentário Enfants de Boche constituiu uma "pedrada no charco" revelando tragédias pessoais, histórias e discriminações das crianças nascidas durante a Ocupação. Foi uma importante ajuda na batalha que só culminou no início de 2009, quando Berlim criou legislação permitindo o reconhecimento da nacionalidade a estes "filhos da guerra".
Mas nem todos os filhos de pai alemão terão o desejo de reconhecer o progenitor. Um desses "acidentes de guerra" - como pejorativamente eram conhecidos em França - reconhecia há dias, a coberto do anonimato, que aqueles que descobriram que o "pai teve o cartão do partido nazi não estarão tão ansiosos de admitir a sua paternidade".
Fica também o link:
http://dn.sapo.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1530306&seccao=Europa
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