"Die Zeitung" foi uma das várias publicações distribuídas entre a comunidade alemã exilada após a chegada de Hitler ao poder. Este jornal, semanal, tinha a sede no Reino Unido. (Deutsche Nationalbibliothek)
Este é um dos parágrafos que descreve a capital portuguesa numa publicação distribuída em Inglaterra entre refugiados de origem alemã, em Dezembro de 1943. O jornal - “Die Zeitung”, no seu título original - publicou entre Outubro e Dezembro daquele ano artigos assinados por Bernd Ruland, que percorreu o caminho entre o sul de França e Lisboa para conseguir escapar ao regime Nazi.
O campo de concentração em Espanha
Refugiado ainda antes da guerra foi um dos muitos que acreditaram que o regime de Vichy não se iria dobrar às exigências de Hitler, entregando Judeus e opositores a viver em França. Após a invasão escaparam para o sul do país, a zona livre, onde pensaram estar em segurança.
Em 1942 Vichy retira as licenças de residência e as autorizações de circulação. Bernd e a mulher, percebem que mais tarde ou mais cedo serão “devolvidos à procedência”.
Apátridas, pois o Governo alemão retirou a nacionalidade a quem não interessava, conseguem passar a fronteira para Espanha onde são detidos e internados no campo de concentração de Miranda del Ebro.
Só são libertados após a invasão do Norte de África pelos aliados em finais de 1942. Os espanhóis percebem quem vão ser os vencedores da guerra e fecham o complexo que reúne, no mesmo espaço, refugiados, civis e militares aliados encontrados em território espanhol.
Bernd chega a Lisboa no Lusitânia Expresso que liga as duas capitais Ibéricas “sem paragens em apenas 12 horas, quando antes se levavam 20”, explica. Prepara-se depois para uma longa espera que o levara até ao Reino Unido.
No conjunto de artigos a que chamou “Flucht nach England” (Fuga para Inglaterra), Ruland vai descrevendo os ambientes e os locais por onde passa. O nosso país merece o título de um destes artigos: “Leben in Portugal” (Vida em Portugal).
Ingleses e americanos cumprimentados na rua
Fala sobre os milhares de refugiados que passeiam pelas ruas e sobre o facto das autoridades portuguesas lhes fixaram residência em cidades dos arredores para evitar o caos na capital.
Fala do desejo de partir.
Fala de um Tejo cheio de navios que saem em direcção a diversos destinos – especialmente para a América -, mas vazios, pois não há vistos ou dinheiro para comprar um bilhete rumo à liberdade.
Uma refugiada entrando num navio no porto de Lisboa, a porta para liberdade. Imagem do filme "Fantasia Lusitana".
Por outro lado refere como generalizada a simpatia pela “centenária” aliança britânica, enquanto existe alguma antipatia pela causa alemã e, especialmente, pela japonesa, devido à invasão de Timor e às tensões em Macau.
Para reforçar esta ideia relata a atitude dos portugueses face ao anúncio da rendição italiana (assinado a 3 de Setembro, mas tornado publico apenas a 8): “(...) magotes de pessoas juntaram-se junto às bancas dos jornais. Falava-se do assunto de forma animada e, se viam alguém com aspecto de ser inglês ou americano, apertavam-lhe a mão, congratulando-o. Esta atmosfera representou uma mudança radical para pessoas que, como eu, vieram de países do eixo ou simpatizantes do eixo.”
O artigo continua neste tom: “E há mais um aspecto que me tocou de forma muito forte. Nos portugueses o ódio racial, quer ao judeu, quer ao negro, é completamente desconhecido”.
“No país que há 400 anos expulsou todos os judeus do seu território existem hoje pequenas associações, protegidas por lei, e os judeus são aceites em todas as profissões não sendo visível qualquer propaganda anti-semita”, termina, no seu tom admirado, o artigo de Bernd Ruland, antes de referir a chegada a Inglaterra, através de um voo civil da BOAC, que partia periodicamente da Portela em direcção a Witchurch, em Bristol.
Carlos Guerreiro
Grande trabalho de pesquisa. Parabéns!
ResponderEliminarNão sabia que se dedicava a este tipo de trabalhos. Quando se investigam pormenores e episódios da II Guerra, e sobretudo da espionagem, temos de ter o máximo cuidado, especialmente quando as fontes primárias são os jornais da época, sempre muito controlados pela Censura e geralmente caixa de ressonância dos interesses instalados. Por isso, ficamos quase sempre com mais dúvidas do que certezas.
ResponderEliminarDe qualquer modo louvo-lhe o timorato esforço de se dedicar a estes temas, e de neles tentar deslindar mistérios supostamente insondáveis.
Parabéns, gostei muito do que li neste seu interessante blogue.
Brilhante artigo, simplesmente fantástico.
ResponderEliminarDevo dizer que fiquei espantado comigo mesmo, por apenas ter encontrado a sua página só hoje.
Excelente trabalho.
Aproveito para lhe comunicar que sou coleccionador de militaria deste período e se estiver interessado, aqui lhe deixo o link para a minha página.
WWW.myww2museum.blogspot.com
Melhores Cumprimentos
António Fragoeiro
Estou certamente interessado e ainda iremos falar sobre a sua colecção. Até lá recomendo uma visita ao site que é muito interessante...
ResponderEliminarUm abraço
Carlos Guerreiro