Para saber um pouco mais sobre esta nova obra ficam algumas informações deixadas pela autora...
Aterrem em Portugal - Porque se interessou pelas relações entre Portugal e o Nazismo?
Cláudia Ninhos - O interesse começou por ser apenas pela língua alemã, que estudei na escola, durante o ensino secundário, e no Goethe Institut. Só depois é que evoluiu para um interesse pela história e pela cultura alemã, em geral. Quando fiz a minha licenciatura em História tive a oportunidade de frequentar várias disciplinas no departamento de Estudos Alemães.
A língua alemã tem sido uma ferramenta muito útil já que me permitu aceder a importantes arquivos e à bibliografia alemã. Em especial no que diz respeito ao estudo da II Guerra Mundial, sempre achei que os investigadores portugueses, ao descurarem esta importante documentação, estavam a esquecer um dos lados da história.
Quando fui para os arquivos alemães fazer investigação, nomeadamente para o Arquivo Político do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as minhas desconfianças tornaram-se certezas. O arquivo tem um enorme manancial de informação que sobreviveu à guerra. E não podemos esquecer que a representação diplomática alemã na capital portuguesa esteve aberta até ao final do conflito, em Maio de 1945, mantendo um contacto constante quer com as autoridades portuguesas, quer com as alemãs, o que torna a documentação extremamente rica.
AP - Houve uma grande intervenção cultural, social, económica e propagandista do nazimo no nosso país antes e durante a guerra. Havia alguma estratégia nesta intensa atividade?
CN - Com a chegada do Ministro Oswald von Hoyningen-Huene a Lisboa, em Outubro de 1934, houve finalmente uma estratégia. Antes disso algumas linhas de actuação estavam já a ser construídas, mas é Huene que vem dar-lhes a estabilidade necessária. Depois, teve a sagacidade de compreender que a cultura alemã poderia ser um instrumento para aproximar os dois países.
Toda a gente olha para a cultura como “apolítica”, mas a verdade é que a política cultural alemã – a Kulturpolitik- tem sempre por trás objectivos político-económicos e Huene soube “vender” muito bem a cultura alemã enquanto instrumento de poder.
AP - Foi possível perceber, através da documentação alemã que consultou, qual a imagem que os dirigentes nazis tinham de Salazar e de Portugal?
CN - Quando o ministro Huene chegou a Portugal teve duas tarefas árduas em mãos. Por um lado, teve de provar à Wilhelstrasse (esta era a rua onde se localizava o MNE alemão e é por isso uma nomenclatura muito utilizada para se referirem ao ministério) que Portugal, aquele país distante e periférico, era importante para o novo quadro geopolítico da Europa dos anos 30.
Por outro lado, em Portugal, teve de aplacar as desconfianças de Salazar e de uma parte da elite portuguesa face ao regime Nacional-Socialista e a Hitler. É claro que tinha em Portugal, nomeadamente em Lisboa e especialemente em Coimbra, um grupo de intelectuais e de governantes que olhavam com admiração para a Alemanha, e isso ajudou-o.
Para Huene, a melhor forma de contrariar o predomínio inglês passava por manter um comportamento amigável em relação ao presidente do Conselho e apoiar os seus objetivos ideológicos para a construção do «Novo Portugal» e as instituições portuguesas, como a Legião e a MP. Quanto mais forte fosse a autoridade de Salazar, mais indepentente seria a política de Portugal em relação a Inglaterra. Enquanto esteve em Lisboa – quase 10 anos! – tentou aproximar os jovens portugueses da Alemanha, promovento inúmeras atividades das instituições culturais alemãs no país, como o Grémio Luso-Alemão.
Há um documento muito interessante em que Hoyningen-Huene escreve para Berlim descrevendo a ditadura portuguesa e explicando por que motivo Salazar não poderia enveredar movimento fascista, com uma dinâmica revolucionária, estando limitado a simpatizar com a ideologia nacional-socialista e fascista.
Apesar de considerar que Salazar conhecia os benefícios da introdução do Fascismo sob a sua própria liderança, havia três factores que, segundo Huene, o impediam de seguir esse rumo. Primeiro, a oposição do exército, que não queria ceder a sua influência a um grande movimento popular. Em segundo lugar, a aversão de Salazar a uma liderança de cariz populista que exigia um contacto pessoal com as massas.
E, por último, o receio de que o «temperamento português» não se ajustasse à tensão, interna e perene, que o Fascismo exigia de cada indivíduo. Huene dizia mesmo que nem o Nacional-Sindicalismo, que ideologicamente denotava uma maior proximidade com o regime nazi, era considerado um movimento de massas, uma vez que a população era maioritariamente analfabeta.
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AP - da história desse período ficou a imagem de um Salazar dividido em relação ao Nazismo, identificando-se com uma parte da ideologia e rejeitando outra de forma clara. Essa imagem sobrevive à análise da documentação que realizou para escrever este livro?
CN - Embora tivesse consultado documentação de arquivos portugueses, a minha prioridade não foi essa.Neste livro procurei, sobretudo, fazer um exercício contrário ao que normalmente é feito. Ou seja, procurei olhar para Portugal a partir das fontes alemãs para compreender qual a estratégia diplomática germânica, recuando mesmo no tempo para analisar continuidades e rupturas.
AP - Houve alguma parte da pesquisa que a tenha surpreendido de forma particular?
CN - Várias. Uma delas foi o papel central do ministro Hoyningen-Huene. Ele foi a coluna vertebral de toda a diplomacia alemã em Portugal, cultivando relações com a elite portuguesa e até mesmo com os outros diplomatas estrangeiros.
O seu papel moderador relativamente ao regime português desencadeou conflitos com as organizações nazis em Portugal, que constantemente se queixavam do diplomata a Berlim. Outra questão que me surpreendeu foi o acordo cultural. Huene fez da assinatura deste acordo um “cavalo de batalha”, pressionando sistematicamente o governo português. Aliás, acompanhar as negociações deste acordo através das fontes alemãs permite-nos compreender a forma de actuação do MNE e de Salazar. A assinatura deste documento nunca foi recusada pelo regime, que adiou sistematicamente uma tomada de decisão, de tal forma que caiu no esquecimento com a eclosão da guerra.
As entidades portuguesas envolvidas – o MNE, o Ministério da Educação Nacional ou o Instituto para a Alta Cultura- desculpavam-se atribuindo a responsabilidade pela demora umas às outras, o que obrigou Huene a desdobrar-se em intermináveis contactos bilaterais. Ainda a propósito deste acordo, há um parecer redigido por Marcello Caetano, na qualidade de vogal do IAC, que analisa com enorme lucidez os objectivos políticos e económicos da diplomacia cultural alemã, como poderão ler no livro.
Boas leituras,
Carlos Guerreiro
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