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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Lisboa… posto de correio internacional

Há muito que se diz que Portugal foi, durante a II Guerra Mundial, a porta de entrada e de saída para a Europa. Apontam-se normalmente os casos relacionados com os refugiados ou os espiões, mas a verdade é que Lisboa foi uma porta ou uma placa giratória utilizada pelos dois blocos em conflito para as mais diversas coisas.


O Dornier DO 18, utilizado pela Luftwaffe. Foram construídas cerca de 170 unidades deste aparelho.

É sabido que, por exemplo, muitas das chamadas “parcelas” da cruz vermelha que eram entregues aos prisioneiros de guerra aliados passaram por Lisboa. Vinham embarcadas de Londres ou dos EUA e eram aqui entregues à Cruz Vermelha Internacional (CVI), que depois as encaminhava, de comboio, para os respectivos destinos. Estas “parcelas” eram normalmente caixas que continham comida, doces e cigarros entre outras coisas. Também a correspondência dos prisioneiros com os familiares utilizava canais que passavam por Portugal entre outros países neutros.
Não é por isso novidade o facto de Lisboa ter servido como uma enorme caixa de correio para o aliados…
A revista sobre aviação em língua alemã “Flieger Revue”, de Março deste ano, acrescenta agora mais uns detalhes à história de Lisboa e de Portugal desse período: afinal os alemães quiseram também instalar por aqui o seu “posto de correio” para ligar os seus prisioneiros e internados – muitos deslocados para o EUA - ao país natal.
Segundo o artigo, assinado por Hans-Heiri Stapfer, já existiam indícios de que a CVI, com sede em Genebra, explorara essa possibilidade. Novidade é o facto de a recente consulta de documentação nos arquivos Suíços revelar uma história um pouco diferente.
Afinal foram os alemães que fizeram a aproximação à CVI e não o contrário. E foi uma aproximação muito concreta, já que as autoridades germânicas se colocaram à disposição, para ceder de forma gratuita, dois hidroaviões DO 18 para garantir a travessia do Atlântico.
O contacto foi feito na Primavera de 1943 e tinha como objectivo fazer chegar aos EUA correspondência e víveres a cerca de 250 mil soldados alemães prisioneiros e também a vários milhares de civis internados.
Nos finais de 1942 os alemães tinham sofrido as primeiras derrotas às mãos das potências ocidentais. Primeiro o General Montegomery tinha sustido e repelido os Africa Corps do general Rommel, em El Alemein. Pouco depois, em Novembro, britânicos e americanos desembarcaram nas costas da Argélia e de Marrocos.



Prisioneiros de Guerra alemães em 1944
(Foto NARA)

Em princípios de 1943 cerca de 130 mil alemães eram prisioneiros dos aliados ocidentais. Na primavera, e com a derrota total dos exércitos do Eixo naquele teatro de operações, esse número subiu para um quarto de milhão de homens.
Os aliados já tinham decidido que os prisioneiros teriam de ser levados para um local onde fosse fácil mantê-los e tivessem poucas condições para causar problemas. Razões que levaram à decisão de os transportar para os EUA. Segundo o artigo da “Flieger Revue” existiram durante a guerra naquele país 155 campos principais e 511 campos satélite para prisioneiros, distribuídos por 44 estados americanos.
Sem condições para fazer chegar correspondência e outros materiais a estes homens pelos seus próprios meios – os aliados nunca aceitariam negociar directamente com os alemães – o regime nazi procurou outra solução. Foi nesse sentido que a Luftwaffe colocou a disposição da CVI os dois hidroaviões DO18.
Tratavam-se dos aparelhos com os números de série (Werknummer) 866 e 869. Seriam pintados com as cores da CVI e ficariam baseados no Tejo, em Lisboa. Prevista estava uma escala nos Açores para reabastecimento, como faziam aliás os Clippers que ligavam Lisboa a Nova Iorque.
Hans Stapfer revela, no entanto, alguns aspectos curiosos. Mesmo com a escala a meio do Atlântico seria difícil completar a viagem, caso surgisse o mais pequeno contratempo, pois o combustível que transportava chegava mesmo à justa para ligar as duas costas. Bastaria um vento contra um pouco mais forte para colocar em risco os três tripulantes que guarneciam a aeronave.
A colocação de um tanque suplementar iria reduzir drasticamente a capacidade de transporte do aparelho. Além da dimensão dos depósitos, que seriam montados no interior da fuselagem, tinha também de se contar com o peso desse combustível extra. Calcula-se que cerca de 50 mil cartas teriam de ser retiradas para poder acomodar estes extras.
Eram muitas dificuldades que nunca chegaram, no entanto, a ser equacionadas. Por razões que o autor do artigo desconhece o processo para a cedência das aeronaves nunca avançou e o mesmo aconteceu com a possibilidade de criar uma base de correio em Lisboa.
Os Dornier DO18 foram reintegrados na Luftwaffe e não se sabe qual o seu destino no final da Guerra.
Certo é que em Maio de 1945, quando foi assinado o armistício existiam no EUA cerca de meio milhão de alemães prisioneiros de guerra…

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