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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Roubando vidas ao mar

A roupa encontrava-se rasgada, muitos apresentavam-se feridos e com fracturas. A exaustão era geral. Distribuídos por cinco salva vidas cerca de 200 sobreviventes do paquete “Ávila Star”, estavam numa situação preocupante desde que tinham sido torpedeados pelo submarino alemão U-201, no dia 5 de Junho de 1942.

Os dois torpedos inutilizaram um salva-vidas e, dos sete que conseguiram baixar, dois foram abandonados no dia seguinte porque metiam água. Apertados e em dificuldades tinham visto as cinco embarcações separarem-se e tentaram, cada uma à sua maneira, procurar salvação.

 O contratorpedeiro Lima. 

É só na noite de 7 para 8 de Julho que o contratorpedeiro da marinha portuguesa “Lima” – em trânsito de Lisboa para Ponta Delgada - se apercebe da existência de uma luz à distância. É um dos salva vidas. Os primeiros sobreviventes que sobem a bordo indicam ao comandante Sarmento Rodrigues a zona onde se encontram outros. Ao fim da noite já tinham recolhido 110 pessoas, de três embarcações.

“Estava tudo cheio, por toda a parte escorria nafta dos andrajos que iam sendo substituídos. Oficiais, sargentos, marinheiros, cedem as suas camas, emprestam as suas roupas, multiplicam-se em caridades para com os náufragos, cujo estado metia compaixão”, conta a Revista da Marinha, na sua edição de Janeiro de 1943.
A publicação traz uma reportagem épica sobre o trabalho feito pela marinha portuguesa no salvamento dos sobreviventes do “Ávila Star. O Lima continuou a sua busca enquanto pode, mas quando combustível escasseou, foi obrigado a abandonar as buscas.

Os responsáveis da marinha portuguesa não desistem dos outros sobreviventes e com recurso a aviões procuram as duas balsas desaparecidos.



 Algumas fotografias tiradas a bordo do "Lima", publicadas na "Revista da Marinha" em Janeiro de 1943.

 Três semanas depois do afundamento do navio é descoberta uma nova balsa. O avião larga viveres atados a coletes salva-vidas e reacende a esperança dos que se encontram a bordo. O navio “Pedro Nunes” acorre à zona, mas só três dias depois -no dia 25 - localiza e iça para bordo os últimos sobreviventes do “Ávila Star”. No pequeno barco tinham morrido 10 dos 39 ocupantes.
 
“O estado em todos os que vinham era indiscritível. Inanimados, moribundos quási. As senhoras choravam. Muitos foram retirados inertes, debaixo das bancadas onde jaziam. Um deles agonizava ao chegar ao convés do navio salvador. Outros devem a vida ao extraordinário esforço que o 2º tenente médico Nobre Leitão, desenvolveu durante longas horas, em que até uma transfusão de sangue teve de ser feita, com as mais rudimentares disposições para tal”, continua o relato da Revista da Marinha. Esta reportagem não refere, no entanto, que a bordo do “Pedro Nunes” se registou mais uma morte e que dois outros pereceram já em Lisboa, no Hospital.


O "Pedro Nunes" também mereceu o agradecimento da comunidade britânica pela participação na operação de salvamento dos sobreviventes do "Ávila Star". Fotos publicadas na "Revista da Marinha".
Apesar do empenho o quinto salva-vidas nunca foi encontrado. Dos 199 passageiros e tripulantes do Ávila Star, 73 não sobreviveram…


Um obrigado americano 
           
“No cumprimento de instruções do meu Governo, desejo apresentar (…) a expressão do profundo apreço do Governo dos Estados Unidos pela heróica acção praticada pela tripulação do contratorpedeiro Lima, salvando numerosos náufragos de navios americanos afundados na região dos Açores. Este acto, que foi praticado com extraordinária coragem e perícia, nas mais difíceis condições de tempo, fará, estou certo, uma profunda impressão no público americano quando se tornem conhecidas todas as suas circunstâncias”.

Esta é apenas parte da nota entregue no dia 3 de Fevereiro de 1943 por Robert Fish, Ministro dos Estados Unidos em Lisboa, ao Governo português depois de nova operação de salvamento do “Lima” que recuperou 119 pessoas pertencentes a dois navios americanos.

Através de um relatório oficial, guardado na Torre do Tombo, sabemos que o pedido de socorro chegou através de uma mensagem de rádio, no dia 26 de Janeiro. O Lima zarpou de Ponta Delgada, à procura dos sobreviventes do navio americano “City of Flint”, afundado por um submarino alemão.


 Notícia Publicada no jornal "Diário de Lisboa" de 04 Janeiro de 1943.

O navio português teria de percorrer cerca de 300 milhas para chegar ao local, mas iria começar a trabalhar antes disso.

Na madrugada do dia 28, por volta das cinco da manhã, avistaram duas jangadas transportando 71 pessoas, mas não eram do navio que procuravam. Pertenciam ao “Julia Ward Howe” que também fora metido a pique por um submarino alemão.

Tanto este, como o “City of Flint”, pertenciam ao mesmo comboio. Tinham saído de Nova Iorque no dia 13 de Janeiro de 1943, mas uma forte tempestade separou-os dos restantes navios.

O “Howe” seria atingido, no dia 27, por um torpedo do submarino U-442. A explosão abriu-lhe um rombo, destruiu dois salva-vidas e o rádio. Mesmo com o navio a inclinar-se, a tripulação tentou responder ao ataque disparando três tiros na direcção do submarino, sem resultados.

Já nos salva-vidas viram um segundo torpedo partir o navio ao meio. O mestre, um guarda e um passageiro morreram durante o ataque. Todos os sobreviventes foram recolhidos pelo “Lima”. A bordo ainda iria falecer o chefe maquinista, ferido com gravidade durante o ataque.


A proa do "Lima", numa fotografia da "Revista da Marinha".

O “Flint”, por seu lado, afastou-se do resto do comboio porque a carga, mal acondicionada, se deslocou com o temporal, deixando-o desequilibrado. Sozinho continuou a progressão em ziguezague para tentar escapar aos submarinos, mas às 22 horas do dia 25 encontrou o U-575.

Um torpedo incendiou a carga de óleo e gasolina transformando a proa numa tocha. A tripulação mal teve tempo para chegar aos quatro salva vidas, antes de outro torpedo confirmar o afundamento do navio. Dois tripulantes e quatro guardas perderam a vida.

O cozinheiro, Robert Daigle, foi recolhido pelo submarino e levado como prisioneiro. Os restantes 58 sobreviventes ficaram à espera de salvação.

Três salva-vidas conseguem manter-se juntos, mas o quarto afasta-se. Os primeiros tentam rumar aos Açores, navegando à vela, e acabam por ser encontrados pelo Lima. 48 homens são retirados da água.


Um difícil regresso

O Lima tem 119 náufragos a bordo e ainda procura a quarta embarcação. A aviação Naval volta a colaborar, mas sem resultados.

A 30 de Janeiro há notícias de mais um afundamento, 150 milhas a sudoeste do Faial e o “Lima” ainda se dirige-se para a zona, sem resultados. “O mau tempo e a escassez de combustível obrigaram-no a suspender a busca e a regressar a Ponta Delgada na tarde de 30, ao fim de 108 horas de esforços feitos em condições de sacrifício para toda a guarnição, cujos mantimentos eram escassos em virtude da urgência da saída e de ter a bordo grande número de náufragos, aos quais foram cedidos alojamentos e roupas”, esclarece o relatório do Ministério da Marinha enviado a Salazar.

O regresso seria complicado. Uma tempestade e uma avaria nas caldeiras, quase causaram o naufrágio do próprio Lima. Sem máquinas, o navio esteve exposto às ondas, “durante 45 minutos, atravessado ao mar, chegando a dar 67 graus de balanço e adormecendo apesar de ter, por precaução, enchido de água os tanques de nafta”, continua o relatório.

O "Lima" inclinado a mais de 60 graus no regresso a Ponta Delgada.
(Imagem cedida por  http://velhosnavios.blogspot.com/)

Quando chega a Ponta Delgada o relatório apresenta um extenso número de estragos: “uma baleeira perdida, outra avariada, o bote arrombado, um turco retorcido, toda a balaustrada de bombordo arrasada, o portaló do mesmo bordo levado pelo mar, grande parte do mobiliário das câmaras dos oficiais e sargentos e da enfermaria partida, telefonia completamente destruída, o rádio goniómetro avariado, um dos tanques de nafta fazendo água e vários cunhetes de munições levados pelo mar. Um dos marinheiros da guarnição teve uma perna partida em dois pontos e vários náufragos tiveram também ferimentos.”

Os últimos dez sobreviventes do “City of Flint” seriam recolhidos por um navio britânico e levados para Gibraltar. 

Carlos Guerreiro

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Para ler sobre outros Naufrágios clique AQUI.

Clique para saber mais sobre os navios:
                                                                "ÀVILA STAR"
                                                                "CITY OF FLINT"
                                                                "JÚLIA WARD HOWE"

5 comentários:

  1. O meu pai era oficial da guarnição do Lima nessa altura. Lembro-me de me ter contado, entre outros pormenores, o facto de, durante o temporal, terem surgido momentos em que "era mais fácil andar pelas anteparas do que nos pavimentos"... Para além dos célebres 67 graus de inclinação, o Lima adornou a mais de 45 graus por diversa vezes.

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    1. É uma pessoa com sorte por ter conseguido ouvir este tipo de relatos em primeira mão. Não deve ter sido fácil manter a calma de mais de uma centena de pessoas que tinham acabado de naufragar numa tempestade daquelas.

      Se alguma vez estiver quiser compartilhar algumas das histórias, momentos ou fotografias do seu pai, durante o período da II Guerra Mundial, o "Aterrem em Portugal" está a sua disposição.

      Um abraço
      Carlos Guerreiro

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  2. Em situações de adornar o Lima é Campeão! Numa situação de Manobras ao largo de Setúbal, o Comandante do Lima o célebre Metzner, mandou guinar o Estibordo para atacar o inimigo e lá houve mais uma inclinação à volta dos 50 Graus que lhe custou uma assobiadela enorme e eu só vi passar um "Panelão" à minha frente à distancia de 1 metro o que equivalia a um KO técnico!

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    1. Peço desculpa, mas a qual dos Comandantes Metzener é que se refere? Pai ou filho? É que salvo erro ambos comandaram o Lima.
      Obrigado.
      Eduardo Metzener (neto e filho)

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