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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A expulsão de um jornalista

Nas próximas semanas o Aterrem em Portugal vai reservar o espaço ao processo de expulsão do jornalista Walter Edward Lucas que, em finais de 1940, foi acusado de publicar um conjunto de artigos considerados “desprestigiantes” para o país num jornal americano chamado P.M. Daily.

Depois da ocupação da França pelas tropas alemãs milhares de refugiados chegaram a Lisboa, trazendo notícias que todos os jornalistas do mundo procuravam.
(Foto: Revista do Ar, Dezembro de 1937)

Walter Lucas era correspondente em Lisboa do prestigiado “The Times”, de Londres, desde Setembro de 1939. Era ainda director do Anglo Portuguese News, um pequeno jornal para a comunidade britânica e que, segundo o processo elaborado pelos serviços de vigilância portugueses, era utilizado como ponta de lança para a divulgação da propaganda britânica no nosso país.

“Uma informação de origem inglesa diz que o único delegado especial que se encontra em Lisboa, é um Mr. Lucas, encarregado pelo Ministério das Informações de controlar os serviços de propaganda, mas sobre a superintendência da respectiva Embaixada. Parece que o mesmo Mr. Lucas tem a incumbência de promover a publicação de um jornal ilustrado para os portugueses, bem como a tradução dos mais importantes discursos dos homens públicos ingleses”, resume uma nota dos Serviços de Censura que se encontra no processo de expulsão conservado entre a correspondência do Arquivo Oliveira Salazar.

Em finais de 1940 Lucas elaborou também um longo artigo sobe a realidade portuguesa a pedido de Ralph Ingersoll, o editor do diário PM, editado em Brooklin. Este seguiu directamente para os EUA, não passando pela censura portuguesa. Já na redação o trabalho é dividido em três partes que são publicados nos dias 3, 4 e 5 de Dezembro.

Uma dia antes,a 2 de Dezembro, Ingersoll faz uma apresentação formal do novo correspondente do seu jornal, num texto linguagem, que podemos considerar, pelo menos em parte, algo fantasioso. Tece-lhe os maiores elogios mas entra também exageros não só sobre Lucas, mas também sobre a realidade portuguesa.

Ingersoll diz a certa altura, nesta apresentação, esperar que Lucas consiga “passar” mais alguns artigos através do Clippers. Ele estará disposto a publicara todos os que conseguirem chegar…

Com uma introdução deste tipo não é de estranhar que os serviços de censura tenham ficado de alerta e, antes do fim ano os três artigos de Lucas e a apresentação redigida por Ingersoll, estão traduzidos e na secretária de Salazar, de Agostinho Lourenço, responsável pela PVDE, e de António Ferro, responsável pelo Secretariado da Propaganda Nacional.

São realizados na PVDE dois interrogatórios e Lucas ainda elabora cartas de desculpas pelo sucedido, mas sem resultado. A sua ordem de expulsão é assinada pelo próprio director da PVDE, o capitão Agostinho Lourenço.

Há quem afirme que se tratou de um sinal de força de Salazar, para alertar todos os jornalistas estrangeiros do que poderia acontecer caso estes não cumprissem as regras.

Afinal Lucas pertencia ao “The Times”, um dos mais prestigiados diários ingleses e se o regime não tinha problemas em expulsá-lo, o mesmo poderia acontecer a qualquer outro.

A Lisboa tinham chegado nos meses anteriores correspondentes de todo o mundo, na busca de notícias que de outro modo seriam difíceis de obter.

A ocupação da França tinha empurrado milhares de pessoas para Portugal, e especialmente, para Lisboa. A chegada de novas gentes era contínua e com elas vinham também notícias do que se passava em França, na Holanda, na Bélgica e até na Alemanha.

A neutralidade do país permitia também a presença em simultâneo de diplomatas e aventureiros de todas as nacionalidades e tipos. A capital portuguesa era um dos mais interessantes locais do mundo para se ficarem a conhecer todos os mexericos da guerra… Obviamente muitas destas notícias tinham origem ou fundamentação duvidosa, como alguns repórteres desse tempo deixaram claro nas suas memórias, mas mesmo assim Lisboa era o sítio para se estar.

Todo este noticiário estava, no entanto, sob vigilância dos Serviços de Censura portugueses.

Antes de serem enviados através de cabo ou telégrafo para as redacções dos seus jornais no estrangeiro, os repórteres tinham, à semelhança dos periódicos portugueses, de sujeitar os seus trabalhos à censura.

Era um processo complicado pois, como poucos falavam outras línguas, os artigos tinham de ser traduzidos para português, antes de serem entregues. Se fosse necessário fazer nova versão, o processo tinha de ser repetido de novo até que existisse a aprovação formal dos homens do lápis azul.

Não é assim difícil entender a irritação do governo português para com estes artigos não censurados. Apesar de publicados nos Estados Unidos da América, nesta altura ainda neutro, sabia-se que era um país muito próximo dos britânicos e Salazar temia o gigante que se encontrava do outro lado do Atlântico.

Pelos retratos que fazem do país, e pelo facto de não terem sido sujeitos à censura, o “Aterrem em Portugal” vai transcrever os quatros artigos na totalidade. Tratam-se das versões traduzidas que fazem parte do processo que se encontra na Torre do Tombo, entre a correspondência de Salazar.

O primeiro artigo será publicado na próxima sexta-feira. Trata-se da “apresentação” do novo correspondente em Lisboa do PM. É claramente o mais fantasioso e, em certa medida, divertido dos três artigos pela forma quase hollywoodesca como se descreve Lisboa, afinal o cenário onde se movimenta Lucas.

Os restantes três artigos, assinados pelo jornalista Walter Edward Lucas, serão publicados no blogue nos dias 18, 20 e 26 de Dezembro.

Segundo declarações do próprio, durante os interrogatórios posteriores, tratava-se de apenas de um artigo que foi dividido em três partes.

Os títulos, os entretítulos e entradas terão sido feitas pela direcção do periódico. È pelo menos isso que assegura o correspondente em Lisboa.

Tratam-se de retratos interessantes do país e, mais que não seja, deixa as impressões de um estrangeiro que já se encontrava em Portugal há algum tempo, e que tinha contactos privilegiados para poder descrever as suas realidades.

No dia 28 de Dezembro terminamos esta série de artigos com um olhar sobre o processo – cartas, interrogatórios e despachos - que levaram à ordem de expulsão ainda antes do final do ano e á sua saída em Janeiro do ano seguinte.

Esperamos que esta série de trabalhos seja do vosso agrado,

Carlos Guerreiro 


Para ler mais sobre a expulsão de Walter Lucas clique AQUI.

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