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terça-feira, 31 de maio de 2011

A rede de sabotagem alemã

O “aterrem em Portugal” mostra documentos inéditos encontrados nos National Archives and Records Administration (NARA) dos Estados Unidos que revelam o funcionamento de uma rede de sabotadores alemães em Portugal durante a II Guerra Mundial. Aviões e navios aliados foram alvos, mas a PVDE descobriu tudo. Uma outra rede, montada para actuar caso existisse uma invasão aliada, deixou explosivos escondidos em vários pontos de Portugal…


A descoberta, no Entroncamento, de uma caixa com várias cargas explosivas terá deixado os elementos da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, antecessora da PIDE), bastante preocupados naquele Verão de 1944. No interior contaram diversas cargas incendiárias e de demolição.

A caixa, não muito grande, estava forrada com uma lona para evitar a entrada de humidade. Os explosivos, de origem britânica, estavam acompanhados de instruções manuscritas, num português “rude”, certamente resultante de uma tradução apressada. Encontrava-se enterrada junto a um velho poço, perto do local onde os comboios vindos do Entroncamento encontravam os ramais que seguiam para Coimbra ou para Abrantes.

Não é possível adivinhar a confusão que esta descoberta causou ou os gabinetes que agitou. Percorreu certamente os sinuosos corredores diplomáticos da Lisboa da época. Tratava-se de material inglês, mas em 1944 a vitória aliada era quase certa e todo o cuidado é pouco.






Cândido Oliveira foi um dos detidos na sequência do desmantelamento da rede Shell pela PVDE em Fevereiro/Março de 1943. Ficaria preso no Tarrafal até ao final de 1943. (Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)





Dois anos antes, em Fevereiro de 1942, Salazar tinha assistido ao desmantelamento de uma rede de sabotadores à ordem dos britânicos. Cândido Oliveira foi um dos detidos pela PVDE, cumprindo pena no Tarrafal até Dezembro de 1943. O golpe na Rede Shell - assim conhecida por incluir vários funcionários dessa empresa - trouxe grandes dores de cabeça ao Special Operation Executive (SOE) e à diplomacia inglesa em Portugal.

Os acusados asseguraram que os actos de sabotagem apenas teriam lugar caso o país fosse invadido pelos alemães, mas as autoridades nacionais não se mostraram sensibilizadas e vários elementos ficaram presos por colaborar com os serviços secretos de um país estrangeiro.

A descoberta de 1944 foi também transmitida aos britânicos, mas não foi possível apurar se existiu um pedido de explicações.

De qualquer modo os ingleses terão ficado tão surpreendidos quanto a PVDE.
Os explosivos eram britânicos. Destinavam-se a sabotar alvos com valor militar ou logístico, mas o cérebro por detrás das operações era… alemão.


Um agente cooperante

Com trinta anos, olhos azuis, cabelo louro e um metro e oitenta dois, Rudolf Blaum dificilmente passaria desapercebido em Portugal nos anos 40, não fosse ele um dos muitos estrangeiros que durante a guerra circulou pelo país.

Quando em Março de 1946 foi extraditado para Hamburgo e interrogado pelos americanos este agente da Abwehr – uma das agências de espionagem alemão - revelou-se um poço de informações sobre as actividades subversivas em Portugal.

É ele que vai explicar a origem da caixa de explosivos encontrada no Entrocamento e muito mais. “Cooperante e de confiança”, segundo o relatório americano, vai dar detalhes sobre nomes, funções e residência dos 19 colaboradores portugueses da sua rede.

Vários outros agentes alemães referenciaram dezenas de portugueses como fornecedores de informações ou serviços, mas a equipa de Blaum é diferente: receberam treino para operações de sabotagem.

É ainda ele que explica a origem do achado de 1944. Trata-se de uma entre… quinze caixas semelhantes, enterradas na proximidade de instalações de interesse militar ou logístico.

Catorze continuavam por isso escondidas em 1946.


Uma “caixa de sardinhas” descoberta pela PVDE

Os alemães cedo tiveram sabotadores em Lisboa mas as operações levaram tempo a arrancar. Os primeiros dois responsáveis por estes serviços, entre 1940 e 1941, seriam afastados rapidamente, acusados de inactividade. Rudolf Blaum assegura que só em Junho de 1941, com a chegada do Major Hans Rudloff, começaram a ganhar forma alguns planos para atacar alvos aliados.


Os "Clippers" da PANAM que aterravam no Tejo, ligando regularmente os Estados Unidos à Europa, estiveram na mira dos sabotadores alemães, mas Berlim cancelou a operação. (Foto blogue "Restos de Colecção" - http://restosdecoleccao.blogspot.com/)

Começa por querer colocar explosivos a bordo de um dos hidroaviões de passageiros da PANAM, que chegavam ao Tejo duas vezes por semana, assegurando a ligação entre os Estados Unidos e a Europa. A operação é cancelada por ordem do Almirante Canaris, chefe da Abwehr, que teme acções de retaliação sobre aviões da Lufthansa nas rotas peninsulares.

Rudloff procura novo alvo. Reforça a equipa com dois alemães vindos de Madrid e aproveita a colaboração de alguns portugueses para instalar, no interior de uma caixa com latas de sardinha, uma carga explosiva. Pretendia carregá-la num dos cargueiros britânicos que aportavam ao porto de Lisboa. Tudo está pronto em Fevereiro de 1942, mas a PVDE faz abortar a operação.

Blaum não têm a certeza sobre os pormenores, mas conhece duas versões para o fracasso. Numa a PVDE estava infiltrada entre os portugueses da rede; na outra é o homem encarregado de introduzir o caixote que se arrepende e se entrega às autoridades.

Certo é que a PVDE intervém e é clara na mensagem que envia aos responsáveis da Abwehr em Lisboa: se querem continuar a contar com a cooperação portuguesa, não podem existir actos de sabotagem em território português.
O caso chega a Canaris que não parece ter dúvidas: a secção de sabotagem em Portugal é “descontinuada”.


A rede de informações


É nessa altura que Rudolf Blaum, entra em cena. De Madrid é enviado para Lisboa, com a missão de acompanhar o desmantelamento da secção de sabotagem.

Curiosamente chega quando a PVDE está a atacar a rede Shell. Não deixa de levantar muitas questões o facto de dois grupos muito semelhantes – um ao serviço dos ingleses e outro ao serviço dos alemães – ter sofrido tratamento tão diferente.

Interessante é também o facto de os britânicos terem conhecimento que Rudloff estava a preparar operações de sabotagem. No livro “O Império dos Espiões”, Rui Araújo, revela um documento entregue a Salazar no dia 1 de Abril desse ano, onde estes falam de uma rede de sabotagem que em Portugal e Espanha atacava navios aliados. Nesta altura já a PVDE tinha descoberto tudo…

Balum chegara então em Fevereiro, com um passaporte falso, em nome de Baumann. Dispensa imediatamente todos os alemães envolvidos na rede, paga aos portugueses e dispensa todos excepto cinco, que passam a colaborar na recolha de dados e informações, uma missão que desempenha com bastante sucesso.


Este B-24 aterrou na Portela em 1943 e poderá ter sido "inspeccionado" pelos serviços alemães. (Foto colecção do autor)


Nos princípios de 1943, com a colaboração do português Mário Pacheco, consegue informações sobre os sistemas de transmissão, radares, design e construção - entre outros detalhes – de diversos aviões militares aliados aterrados ou caídos em solo português.

Mário Pacheco tinha sido despedido - injustamente, segundo Blaum - da PANAM, onde era meteorologista, em 1941, acusado de fornecer um código de comunicações aos alemães.

Será ele o responsável pelo recrutamento de dois outros portugueses, fundamentais para o sucesso desta primeira missão. Um é Joaquim Simões, operador de rádio do exército no Aeroporto da Portela (onde aterraram dezenas de aparelhos aliados) e o outro é João Almeida, também operador de rádio, mas colocado na Base Naval do Bom Sucesso.

Em 1943, quando Portugal cede a base dos Açores aos aliados, a informação meteorológica daquela zona passa a ser confidencial, deixando de ser retransmitida de forma aberta para todo o mundo.

Os alemães precisam dessa informação para os seus submarinos. Como Pacheco desempenha então funções no observatório de meteorologia do Porto – onde recebe a informação por telegrama – criam uma rede que permite retransmitir os dados para Berlim no espaço máximo de seis horas.

Esta cadeia é simplificada quando Pacheco recruta um operador de rádio da marinha, conhecido apenas por “TUSO”, que passa a enviar a informação directamente para Madrid, onde os alemães tinham um centro de escuta da funcionar. Dali seguia para a Alemanha.

Mais tarde o mesmo Mário Pacheco organizou um departamento meteorológico, com três pessoas, que preparava diariamente previsões para as enviar directamente para Berlim. Segundo Blaum estas eram consideradas mais fiáveis do que as enviadas pela estação dos Açores.


O fabuloso agente “Fritzchen”

Em Fevereiro de 1943 Blaum conhece uma das muitas figuras bizarras que as guerras produzem. Um homem conhecido por “Fritzchen” (diminutivo de Fritz, um dos mais vulgares nomes alemães), apresenta-se revelando ser um sabotador enviado para Inglaterra onde sabotou os transformadores eléctricos da fábrica de aviões Mosquito, perto de Londres. Assegura que cumpriu a missão e está em Lisboa – onde chegou num navio inglês – para regressar à Alemanha e receber uma choruda recompensa de cem mil marcos alemães.

Rudolf confirma a história com Berlim e envia também uma proposta de “Fritzchen”: por mais dez mil marcos este colocaria uma bomba no navio que o trouxera do Reino Unido.


Um navio aliado no porto de Lisboa terá sido alvo de sabotagem pelo agente "Fritzchen". (Foto colecção do autor)

Uma única vez o impedimento de realizar operações de sabotagem é levantado e Blaum, entrega-lhe uma carga explosiva disfarçada numa pedra de carvão. Dias depois reaparece. Assegura que a carga foi colocada, mas só explodirá quando o navio estiver fora das águas territoriais portuguesas.

Nesse mesmo dia abandona Portugal com um passaporte Norueguês em direcção a Madrid e depois à Alemanha.

Fritzchen é referido num outro interrogatório como uma “figura fabulosa” da Abwehr. O interrogado é Wolfgang Blaum, irmão de Rudolf, e responsável pelas operações de sabotagem em Espanha. Wolfgang conhece em pormenor a estranha história deste agente da Abwehr, que reclama sucessos atrás de sucessos.

O agente “fabuloso” estava na prisão inglesa da ilha de Jersey – no mar do Norte – quando esta é invadida pelos alemães, em 1940. Fora detido por suspeita de envolvimento num roubo e por comandar um gang. A chegada dos alemães complica-lhe ainda mais a vida.

Pela lei alemã, os crimes de era acusado, poderiam valer-lhe uma pena de prisão entre os dez e os vinte anos. Oferece os seus serviços à Abwehr, que o treinou para operações de sabotagem e como operador de rádio.

Foi a Abwehr de Paris que o lançou de pára-quedas perto de Londres para este destruir a fábrica de aviões. A confirmação do sucesso foi transmitida pelo próprio via rádio. Garantiu não só que assistiu pessoalmente à explosão como também que tinha confirmado isso junto de outras pessoas.

Wolfgang mostra-se céptico. Acha que Fritzchen era um mentiroso nato e que não cumpriu qualquer das missões. Suspeita mesmo que se trata de um agente duplo ao serviço dos aliados.

Ainda em Setembro de 1943 Rudolf Blaum recebeu ordens de Berlim para possíveis missões de sabotagem. Pedem-lhe que estude as minas britânicas de volfrâmio no norte do país. Deslocou-se pessoalmente aos vários locais e inteirou-se das actividades, mas depressa percebeu que a sabotagem das minas não teria efeitos duradouros. No relatório que realizou assegurou que as operações não impediriam que a extracção voltasse ao normal no espaço de poucos meses.


O medo da invasão aliada

No final desse ano são também dados os passos necessários para a constituição de uma Organização-R em Portugal. O “R” refere-se a Rueckzug, ou seja “Retirada. As primeiras conversações tinham acontecido em Março, mas só em Dezembro se estabelecem as linhas de acção deste novo grupo.

Os alemães temem que os aliados invadam Portugal para aproveitar a posição estratégica do país ou como porta de entrada para a Europa continental. Pretende-se deixar para trás um grupo de homens armados e equipados para causar o máximo de destruição junto de bases e infra-estruturas de importância militar.



A lista de agentes portugueses fornecida por Blaum no interrogatório. Os sabotadores são assinalados com um "S" e os operadores de rádio com um "R". No topo refere a descoberta feita pela PVDE. No fim a localização dos explosivos. (Clique na imagem para ampliar). (Fonte NARA)

Além dos dois operadores de rádio são recrutados 17 agentes que são treinados e preparados para utilizar armas de pequeno calibre e explosivos. São simpatizantes da Alemanha ou mantêm relações económicas com o país. Encontram-se distribuídos por Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Guimarães, Ponte da Barca e Setúbal e vão operar individualmente.

Após a invasão aliada as ordens seriam enviadas para os operadores de rádio. A mensagem chegaria com num duplo código.

O primeiro indicava apenas uma morada onde os operadores teriam de deixar a restante mensagem, escrita numa cifra que desconheciam. A chave era apenas conhecida dos sabotadores que ficariam assim a conhecer os alvos a destruir.

Blaum, como outros agentes aliados ou alemães, não dava muito crédito a agentes portugueses. “Tendo em conta o temperamento dos portugueses e a falta de uma voz de comando para fazer cumprir ordens (…) não acreditava que a organização sobrevivesse mais do que um mês”, referem os americanos.

Para estender o efeito das sabotagens para além desse tempo, Blaum preparou uma segunda linha de ataque, completamente desconhecida dos agentes portugueses. Em duas malas, e sob cobertura diplomática, trouxe de Madrid várias dezenas de cargas explosivas que acondicionou – em grupos de quatro a seis - em 15 caixas de madeira.


A Base da OTA era um dos alvos da segunda vaga de sabotadores. (Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)

Depois foram enterradas perto de alvos militares - como a base da OTA, Tancos ou Alverca - ou estradas, linhas de comboio e cruzamentos de linhas - como no Entroncamento, Pampilhosa, Pombal, Azambuja, Póvoa de Santa Iria, Pinhal Novo, Lisboa e Alcácer de Sal.

Blaum e o seu assistente ocuparam-se pessoalmente dessa tarefa e enviaram a informação para Berlim. O material ficaria escondido após a invasão e seria utilizado por elementos alemães lançados de pára-quedas.

Ironicamente estes explosivos tinham sido lançados de pára-quedas pelos Ingleses para equipar a resistência francesa, mas haviam sido capturados pelos alemães.


Durante o interrogatório Blaum desenhou mapas com a localização dos explosivos. Nesta página estão assinaladas os esconderijos na Pampilhosa, Pombal, Tancos e Entroncamento, onde a PVDE descobriu uma das caixas. (Clique sobre as imagens para as ampliar). (Fonte NARA)





A localização das caixas enterradas nas imediações da Azambuja, Ota, Alverca e Póvoa de Santa Iria. (Fonte NARA)








Mapas apontando a localização dos explosivos na Póvoa de Iria e nos arredores da capital onde foram enterradas pelo menos três caixas com material de sabotagem. (Fonte NARA)



Pinhal Novo, Palmela e Alcácer do Sal completavam os locais onde os alemães esconderam o material para realizar sabotagens no caso de Portugal ser invadido pelos aliados. (Fonte NARA)

Quando ficou claro, em finais de 1944, que Portugal não seria invadido e que o futuro da Alemanha estava traçado, Blaum recebeu ordens para desmantelar também esta organização. Pagou aos portugueses e recolheu o material que tinha distribuído. Um dos agentes do Porto alegou ter perdido parte dos explosivos. A explicação dada pareceu-lhe plausível mas o assunto ainda lhe traria dores de cabeça.

O português terá sido descoberto na posse de várias cargas de dinamite e disse que fora Blaum que pedira para as esconder. Este assegura não ter feito qualquer pedido.
Em relação às caixas enterradas, resolveu nada fazer e estas continuaram escondidas, mesmo depois da assinatura do armistício. O material não podia ser identificado como sendo alemão e não havia razão para se expor.

A descoberta da PVDE de 1944 só confirmava esta dedução, pois são os próprios americanos a assegurar que a ligação aos serviços alemães nunca foi feita.

Carlos Guerreiro

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Para completar este artigo leia também "HÁ BOMBAS NO ENTRONCAMENTO"
Para ler mais sobre ESPIONAGEM clique AQUI.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ben Rosevink, uma busca pela verdade

“O meu pai era o engenheiro de voo e havia tantos mistérios que há 20 decidi descobrir a verdade sobre o que tinha acontecido. A única maneira de consegui-lo era encontrar os pilotos alemães que tinham abatido o avião”, começa por explicar Bem Rosenvink, filho de Engebertus, um dos quatro tripulantes que seguia no voo 777 no dia 1 de Junho de 1943.




Engebertus Rosevink  nunca conheceu o filho que só nasceu meses depois do seu desaparecimento (Foto Ben Rosevink)













Ben procurou durante seis meses e encontrou Herbert Hintze, o comandante da esquadrilha da Luftwaffe, que abateu o IBIS sobre a Baía da Biscaia. “Trocámos correspondência e acabou por me convidar para o visitar. Fiquei com ele durante uma semana e ele deu-me todas as informações de que precisava”.

“Hintze disse-me que estavam naquela zona apara fazer escolta a dois submarinos que regressavam a Bordéus. Eles tinham grandes preocupações com os aviões Mosquito que os britânicos utilizavam e que eram bastante rápidos, por isso voavam divididos em dois grupos. Um par voava a quatro mil pés e outros quatro, mais abaixo, a mil. Assim, se fosse necessário conseguiam executar um movimento de pinça e cercar um inimigo”, esclarece o filho de Engebertus Rosevink.


Ben Rosevink (à esquerda, com a côroa) procurou os pilotos alemães que tinham abatido o avião onde seguia o pai.

“Foram os aparelhos do topo que realizaram o primeiro ataque. Quando a restante patrulha se aproximou o comandante percebeu que se tratava de um aparelho civil pois conseguiam ver a letras de lado, mas já era tarde, ele já estava a arder. Viram o avião a amarar, flutuar durante alguns minutos e afundar-se. Durante a queda – e cerca de 500 pés de altitude – três pessoas saltaram, mas quando sobrevoaram o local não encontraram qualquer vestígio de sobreviventes”, salienta ainda.

Deste contacto ficou uma certeza para Ben Rosevink. Toda a especulação e suposto mistério que ao longo das décadas foi crescendo não faz qualquer sentido.“Ele disse-me que apenas o abateram porque viram um avião – com o perfil de um aparelho inimigo – a vir contra eles. Não tinham qualquer intenção de o destruir, se soubessem que se tratava de um aparelho civil. Mais tarde, com a ajuda de amigos alemães consegui localizar mais dois aviadores. Nunca souberam que me correspondia com outros, e todos contaram a mesma versão. Não há qualquer mistério, simplesmente aconteceu”.





Herbert Hintze comandava a a esquadrilha alemã que abateu o Voo 777 sobre a Baía da Biscaia, em 1 de Junho de 1943. (Foto Ben Rosevink)










Engebertus Rosevink morreu aos 26 anos e nunca conheceu o filho, que nasceu dois meses depois do incidente na Baía da Biscaia. “Foi muito duro contactar com aquelas pessoas. O facto de nunca ter conhecido o meu pai talvez tenha facilitado um pouco as coisas, mas foi estranho conhecer alguém que podia descrever os últimos minutos da vida do meu pai”.

A mãe, britânica, tinha conhecido o jovem navegador em Bristol, quando a British Overseas Aircraft Corporation foi deslocada para aquela cidade. Engebertus fez parte do grupo de aviadores holandeses da KLM que escaparam para o Reino Unido quando as forças nazis invadiram o seu país. Homens e aparelhos – o íbis também pertencia à companhia holandesa – foram integrados “por empréstimo” na BOAC e continuaram a voar durante guerra, assegurando as ligações entre Bristol e vários outros destinos.

“Ele conheceu a minha em Bristol e eu teria regressado à Holanda se ele tivesse sobrevivido à guerra. Como isso não aconteceu a minha mãe e eu ficámos por cá”, esclarece Ben que reuniu um importante álbum fotográfico e memórias da época. “O meu pai não tinha muito tempo quando estava em Inglaterra, mas sei que gostava de velejar e viajar numa moto com sidecar. Conseguia combustível – que era racionado – de graça no aeroporto segundo conta a minha mãe”.



Oiça as declarações de Ben Rosevink sobre a sua busca pela verdade.

Como muitos outros Engebertus tentava passar este difícil período o melhor que podia. Portugal apresentava-se como um oásis de paz e de oportunidades. “Traziam fruta e carne que eram escassos em Inglaterra. Fazer este tráfico era proibido mas todos traziam comida de Portugal. Escondiam os produtos dentro do avião e no dia seguinte à aterragem iam buscá-los. Sei que dois engenheiros de voo foram apanhados e expulsos por participarem neste tráfico".

De Portugal ouviu também histórias de um porto seguro, longe do ruído da guerra. “Sempre que podiam iam até ao Estoril. Era lá que eles passavam as folgas, na praia”.

Carlos Guerreiro
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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Derek Partridge, o sobrevivente acidental

A sua voz é reconhecida na indústria cinematográfica, na televisão e em documentários.fez também jornalismo, apresentou programas e fez mais uma série de coisas. Nas últimas décadas Derek Partridge foi certamente presença nas casas e muitos de nós, e isso só foi possível porque um actor famoso lhe tirou o lugar no voo 777.





Derek Partridge, uma voz e uma cara bem conhecidas do público. Para conhecer o seu site - onde pode encontrar um vídeo com diversos trabalhos que realizou - clique aqui.







Quando o actor Leslie Howard chegou ao avião com o seu empresário, Alfred Channels, naquela manhã de 1 de Junho de 1943 todos os lugares estavam ocupados. Mesmo em frente à entrada do aparelho estava Derek Partridge, com sete anos, e Dora Rowe, a sua “escolta” desde que partira dos Estados Unidos no paquete português Serpa Pinto para atravessar o Atlântico.
“Julgo que saímos apenas porque estávamos sentados mesmo à entrada, e calculo que era mais fácil pedir a quem estava mais perto para sair. Só quando mais tarde conheci o filho de Leslie, Ronald (que está acabar um livro chamado “In Search of my Father”, que percebi que era tudo uma questão de passageiros prioritários e eu era o menos importante”, explica.
Partridge não se lembra de muito do que se passou naquele dia. Recorda-se de estar sentado no avião e de sair. “Depois passei cinco dias num hotel no Estoril e as minhas únicas memórias são as de uma praia linda, onde encontrei muitas pequenas conchas, com padrões muito interessantes”.
O pai não viveu momentos tão lúdicos, especialmente nas horas que se seguiram ao abate do Voo 777. Envolvido no mundo da espionagem, um especialista no Médio Oriente, o pai de Partridge teve subitamente com uma missão quase impossível: “O meu pai estava no MI6 e por isso foi uma das primeiras pessoas a tomar conhecimento do abate do voo 777 ter sido abatido… andou 24 horas a pensar como contar isso à minha mãe, até receber a notícia que afinal eu não estava a bordo”.
Cinco dias mais tarde Derek e Dora estavam de volta a um avião. “A minha única memória do voo de regresso é que, após o abate do outro avião, as janelas estavam cobertas com panos negros para evitar que a luz fosse vista de fora. Fiquei desapontado por não poder ver nada na minha primeira viagem. Também não fazia ideia de que o outro avião tinha sido abatido”.
“É um sentimento estranho saber que toda a minha vida só foi possível por pura sorte… do destino”, concluí Derek que esteve certamente um forte mão protectora sobre a sua cabeça.
Com cinco anos estava a caminho dos Estados Unidos, enviado pela família para casa da tia, para estar longe de um Inglaterra cercada e atacada pelos alemães. Dois anos depois – e ainda antes de chegar a Lisboa – quase caiu do navio que o trazia de volta.






Derek Partridge com sete anos, pouco antes de reembarcar para a Europa.









 
“Estava a conversar com um tripulante e encostei-me à borda do navio… era o local por onde entrava o piloto do navio e alguém tinha esquecido de o fechar como deve de ser. De repente abriu-se e comecei a cair para trás, para o mar. Felizmente o tripulante conseguiu agarrar-me”.

Para saber mais sobre o Voo 777 clique aqui.

Carlos Guerreiro