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terça-feira, 19 de junho de 2012

A “batalha” do volfrâmio em Alvarenga

“Não se teriam dado os acontecimentos se os agentes tivessem previsto, como deviam prever, que havia reacção, fossem prudentes, e se fizessem acompanhar de força para manter a ordem em caso de resistência e alteração dela”, salienta o relatório enviado pelo Governador Civil de Aveiro, José de Almeida Azevedo, ao Ministro do Interior em 13 de Maio de 1942.

O documento analisa uma tentativa de apreensão de volfrâmio que correu muito mal às autoridades, resultando num intenso tiroteio entre populares e “agentes da polícia ou fiscais” na freguesia de Alvarenga, concelho e Arouca.

Com este seguiu também para o Ministro Mário Pais de Sousa, um outro relatório, mais detalhado do presidente da autarquia.

 O Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, rodeado pelos governadores civis em 1942. 
(Mundo Gráfico, 15/10/1942)

A situação começara com a chegada de três homens que se diziam representantes de interesses ingleses, querendo adquirir até 20 toneladas de minério…

Eram liderados por um certo Castelo Branco, que teria conhecido José Joaquim Teles, residente da zona, numa deslocação ao Porto. Teles era um dos representantes dos donos do minério, que não eram mais do que parte importante da população da freguesia.

Apesar dos esforços, três dias depois, tinham sido reunidos apenas seis toneladas que seriam vendidas a cerca de 200$00 o quilo (1 Euro). Uma verdadeira fortuna tendo em conta que um dia trabalho no campo ou numa fábrica era pago entre os dez e os vinte escudos (cinco a dez cêntimos).

No último dia os compradores exibiram até uma mala cheia de notas, como garantia da seriedade das suas intenções. “Fez-se a amostragem e pesagem do referido minério – e, dele junto, os compradores informaram os vendedores de que tinham de mandar buscar as camionetas que se encontravam à distância para transporte do mesmo, as quais chegaram algum tempo depois”, continua o relatório do presidente da câmara de Arouca, António Almeida Brandão.


Tiros e Morte

“Juntamente com estas apareceram uns indivíduos que dizendo-se agentes ou fiscais declararam conjuntamente com os pretensos compradores, de pistola em punho, que o minério estava todo apreendido – e, que ia ser carregado nas camionetas. Surpreendidos com o facto, os vendedores opuseram-se à entrega do minério travando-se, então, uma violenta disputa entre eles e os agentes”, detalha Almeida Brandão.

Com as partes mais calmas, decide-se enviar uma delegação a Arouca para pedir conselho ao presidente da autarquia. A população põe em causa a legalidade da apreensão e pretende encontrar soluções que não passem pela apreensão do metal.

O regedor da freguesia e um agente seguem de automóvel. O primeiro ainda pede ao pai para este avisar o regedor substituto do problema, pretende que mobilize os cabos de polícia da zona para evitar que da crescente tensão resulte um mal maior.

O substituto está doente com uma broncopneumonia e nuca sairá de casa. Tudo se precipita…

As portas da igreja foram arrombadas – por desconhecidos, dirá o padre -, e os sinos tocam a rebate alertando o povo…

O toque traz também o presidente da Junta de Freguesia ao local onde “vários agentes se encontravam na estrada, de pistola em punho, para impedir que o povo, cada vez, em maior número, se aproximasse”.

Segue-se, nas palavras do presidente da câmara, a explicação de como a operação policial se transformou numa pequena batalha…

“Como o povo se aproximasse cada vez mais em maior número do local onde estava situada a casa do referido Teles e se encontrava o minério – exigindo ou pedindo a restituição do mesmo – do grupo de agentes que se tinham entrincheirado numa garagem anexa (…), partiram alguns tiros para o ar, e acto continuo o povo munido de espingardas caçadeiras, respondeu travando-se então vivo tiroteio entre ambas as partes”.

“Dois indivíduos que passavam perto do local onde os agentes estavam entrincheirados, e que vinham do seu trabalho, foram atingidos, pelos mesmos agentes, tendo um morte quasi instantânea e outro gravemente ferido, pelo que foi conduzido para o Hospital de Santo António, da cidade do Porto”.

“Durante o motim alguns populares, cuja identidade não pude averiguar, lançaram para o local onde os agentes se encontravam cartuchos de dinamite, vulgares, isto é, sem invólucro, pelo que os agentes, vendo que a situação se agravava, deitaram as armas ao chão, rendendo-se”.

Uns entregaram-se nas mãos da população, outros escaparam e seguiram para Arouca, onde pediram apoio à GNR e à PSP.

Um dos agentes precipitou-se por uma rua e deu de caras com José Pereira Pinto, professor primário da freguesia, que o acolheu em casa e “entregou no dia seguinte, livre de perigo, à Guarda Republicana”.







A GNR e a PSP tiveram mão pesada prendendo vários pessoas no dia seguinte ao tiroteio com as autoridades.
(Ilustração do Mundo Gráfico, 15/10/1942)

















Garante o Governador Civil que ele acabara de sair de casa alarmado pelo tiroteio o que não impediu que fosse preso porque – alega a polícia - teria “podido evitar o motim, como pessoa mais ilustrada e de preponderância da terra”.



Sossego em Alvarenga

No dia seguinte várias residências foram alvo de buscas por parte da GNR e da PSP que isolaram a freguesia.

São apreendidas espingardas caçadeiras e volfrâmio, “parte do qual teria sido anteriormente negociado e que foi retirado pelo povo no fim do motim”.

Para além do professor houve também outros residentes presos. O regedor, que se dirigira numa viatura com o agente para Arouca, foi um deles. O Governador Civil garante que, como aquele já não se encontrava no local, nada podia ter feito para evitar a situação, “não havendo motivo para a sua captura e detenção, a não ser por ser também possuidor de minério, e ter vendido algum do apreendido”.

Todas as pessoas envolvidas directamente nas negociações acabaram atrás das grades e outros terão seguido o mesmo caminho. Os relatórios da autarquia e do Governo Civil não dão números, mas reforçam a ideia de que as polícias não tiveram mão leve durante a operação…

Mas para estes responsáveis locais é muito clara a responsabilidade exclusiva dos agentes pelo que se passou...

O presidente da autarquia é enérgico na defesa da população. “A causa próxima do motim foi derivado dos vendedores terem sido enganados com promessas de compra que lhes pareceram absolutamente honestas e verdadeiras que em seguida não se verificou, resultando, tornar-se a apreensão referida, do conhecimento do povo que se solidarizou com os prejudicados, havendo quem desconfiasse tratar-se de um golpe de burlistas, para levarem o minério, facto este que não era a primeira vez que se verificava na freguesia”.

O Governador Civil, por seu lado, lembra que “da apreensão resulta a ruína de muita gente que tinha naquele minério toda a sua fortuna”, e também não deixa dúvidas sobre quem deve assacar com as culpas.

“Os acontecimentos, em resumo, não se dariam se a apreensão fosse casual (em trânsito ou ocasião em que não estivesse ninguém ou estivesse pouca gente) ou, no caso de preparada (foi preparada durante três dias) os apreensores tivessem tomado medidas preventivas contra quaisquer protestantes que surgissem”.

“Acabou-se por onde se devia principiar e a essa imprevidência, afinal, se devem as lamentáveis ocorrências” salienta, deixando um pedido: “Hoje há sossego em Alvarenga e esse sossego será completo, se voltarem aos seus lares as pessoas presas e já que pouco ou nada se remedeia”.

Carlos Guerreiro

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