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sábado, 29 de janeiro de 2011

“Heil Hitler” nas ruas de Lisboa

“Uma outra categoria de estrangeiros chama de forma mais insistente a atenção dos portugueses. São os muitos membros, empregados e funcionários da Legação da Alemanha e dos seus serviços de consulado, de imprensa, de informação e demais departamentos. Esta categoria indesejada de estrangeiros impõe-se de uma forma que causa espanto entre os visitantes de Lisboa. Não é raro, quando passeamos pela rua, ou nos sentamos num café, ouvir – em voz alta – o cumprimento ‘Heil Hitler’. O seu aspecto saudável, de faces bem alimentadas, carteiras recheadas e a sua roupa perfeitamente vincada deixa a suspeita justificada de que estes beneficiários do nacional-socialismo têm passado ali uma vida muito mais rica que os seus concidadãos na Alemanha.”


"Die Zeitung" foi uma das várias publicações distribuídas entre a comunidade alemã exilada após a chegada de Hitler ao poder. Este jornal, semanal, tinha a sede no Reino Unido. (Deutsche Nationalbibliothek)

Este é um dos parágrafos que descreve a capital portuguesa numa publicação distribuída em Inglaterra entre refugiados de origem alemã, em Dezembro de 1943. O jornal - “Die Zeitung”, no seu título original - publicou entre Outubro e Dezembro daquele ano artigos assinados por Bernd Ruland, que percorreu o caminho entre o sul de França e Lisboa para conseguir escapar ao regime Nazi.


O campo de concentração em Espanha

Refugiado ainda antes da guerra foi um dos muitos que acreditaram que o regime de Vichy não se iria dobrar às exigências de Hitler, entregando Judeus e opositores a viver em França. Após a invasão escaparam para o sul do país, a zona livre, onde pensaram estar em segurança.

Em 1942 Vichy retira as licenças de residência e as autorizações de circulação. Bernd e a mulher, percebem que mais tarde ou mais cedo serão “devolvidos à procedência”.

 Apátridas, pois o Governo alemão retirou a nacionalidade a quem não interessava, conseguem passar a fronteira para Espanha onde são detidos e internados no campo de concentração de Miranda del Ebro.

Só são libertados após a invasão do Norte de África pelos aliados em finais de 1942. Os espanhóis percebem quem vão ser os vencedores da guerra e fecham o complexo que reúne, no mesmo espaço, refugiados, civis e militares aliados encontrados em território espanhol.
 
Bernd chega a Lisboa no Lusitânia Expresso que liga as duas capitais Ibéricas “sem paragens em apenas 12 horas, quando antes se levavam 20”, explica. Prepara-se depois para uma longa espera que o levara até ao Reino Unido.

No conjunto de artigos a que chamou “Flucht nach England” (Fuga para Inglaterra), Ruland vai descrevendo os ambientes e os locais por onde passa. O nosso país merece o título de um destes artigos: “Leben in Portugal” (Vida em Portugal).

Ingleses e americanos cumprimentados na rua

Fala sobre os milhares de refugiados que passeiam pelas ruas e sobre o facto das autoridades portuguesas lhes fixaram residência em cidades dos arredores para evitar o caos na capital.

Fala do desejo de partir.

Fala de um Tejo cheio de navios que saem em direcção a diversos destinos – especialmente para a América -, mas vazios, pois não há vistos ou dinheiro para comprar um bilhete rumo à liberdade.

 Uma refugiada entrando num navio no porto de Lisboa, a porta para liberdade. Imagem do filme "Fantasia Lusitana".

A Ruland fica ainda a impressão que o governo português se prepara para ceder a neutralidade, tendo em conta as preparações militares e os dispositivos de defesa que são visíveis em vários pontos.

Por outro lado refere como generalizada a simpatia pela “centenária” aliança britânica, enquanto existe alguma antipatia pela causa alemã e, especialmente, pela japonesa, devido à invasão de Timor e às tensões em Macau.

Para reforçar esta ideia relata a atitude dos portugueses face ao anúncio da rendição italiana (assinado a 3 de Setembro, mas tornado publico apenas a 8): “(...) magotes de pessoas juntaram-se junto às bancas dos jornais. Falava-se do assunto de forma animada e, se viam alguém com aspecto de ser inglês ou americano, apertavam-lhe a mão, congratulando-o. Esta atmosfera representou uma mudança radical para pessoas que, como eu, vieram de países do eixo ou simpatizantes do eixo.”
 
O artigo continua neste tom: “E há mais um aspecto que me tocou de forma muito forte. Nos portugueses o ódio racial, quer ao judeu, quer ao negro, é completamente desconhecido”.

“No país que há 400 anos expulsou todos os judeus do seu território existem hoje pequenas associações, protegidas por lei, e os judeus são aceites em todas as profissões não sendo visível qualquer propaganda anti-semita”, termina, no seu tom admirado, o artigo de Bernd Ruland, antes de referir a chegada a Inglaterra, através de um voo civil da BOAC, que partia periodicamente da Portela em direcção a Witchurch, em Bristol.

Carlos Guerreiro

4 comentários:

  1. Não sabia que se dedicava a este tipo de trabalhos. Quando se investigam pormenores e episódios da II Guerra, e sobretudo da espionagem, temos de ter o máximo cuidado, especialmente quando as fontes primárias são os jornais da época, sempre muito controlados pela Censura e geralmente caixa de ressonância dos interesses instalados. Por isso, ficamos quase sempre com mais dúvidas do que certezas.
    De qualquer modo louvo-lhe o timorato esforço de se dedicar a estes temas, e de neles tentar deslindar mistérios supostamente insondáveis.
    Parabéns, gostei muito do que li neste seu interessante blogue.

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  2. Brilhante artigo, simplesmente fantástico.
    Devo dizer que fiquei espantado comigo mesmo, por apenas ter encontrado a sua página só hoje.
    Excelente trabalho.

    Aproveito para lhe comunicar que sou coleccionador de militaria deste período e se estiver interessado, aqui lhe deixo o link para a minha página.
    WWW.myww2museum.blogspot.com


    Melhores Cumprimentos
    António Fragoeiro

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  3. Estou certamente interessado e ainda iremos falar sobre a sua colecção. Até lá recomendo uma visita ao site que é muito interessante...

    Um abraço
    Carlos Guerreiro

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