Bernard Wasserstein é o autor de “Do Holocausto à Salvação”, um livro lançado em Portugal no primeiro semestre deste ano, e que conta a história de Gertrude van Tijn, uma personalidade envolvida em alguma polémica e com participação activa nas negociações com os nazis para permitir a saída de judeus da Europa.
Van Tijn, uma alemã judaica a viver na Holanda, também passou por Lisboa, cidade que esteve no centro das rotas de saída de refugiados da Europa.
Bernard Wasserstein é Professor Emérito de História Judaica Moderna, na Universidade de Chicago, e autor de uma dúzia de livros relacionados com a história do judaísmo.
“The Ambiguity of Virtue: Gertrude van Tijn and the Fate of the Dutch Jews”, é o título original do último livro deste autor que respondeu a algumas questões enviadas pelo “Aterrem em Portugal!”.
Aterrem em Portugal: Quem era Gertrude Van Tijn?
Bernard Wasserstein: Oficialmente foi, entre 1933 e 1941, secretária do Comité de Refugiados Judeus de Amesterdão. Foi responsável por organizar o êxodo de milhares de refugiados judeus da Alemanha, e por encontrar locais de acolhimento para eles tanto no Novo Mundo, como na Palestina, na Austrália, ou noutros locais.
Entre 1941 e 1943 desempenhou um papel semelhante como responsável pelo departamento de emigração do Conselho Judeu de Amesterdão, criado pelos nazis.
Aterrem em Portugal: Qual era a importância do trabalho que ele desempenhava e o papel dos organismos que ela integrava?
Bernard Wasserstein:Ela teve um papel crucial no trabalho desenvolvido por aqueles organismos. Negociou com a Liga das Nações, o governo holandês, governos diversos, e organizações de ajuda internacional com o objectivo de encontrar soluções para a crise dos refugiados.
Aterrem em Portugal: Qual a importância de Lisboa no trabalho dela?
Bernard Wasserstein: Lisboa teve uma importância especial entre 1941 e 1943 porque era um dos poucos pontos de saída viáveis para os refugiados da Europa nazi. Foi-lhe mesmo permitido, pelas autoridades nazis de Amesterdão, que viajasse até Lisboa para uma curta visita, em Maio de 1941, com o objectivo de coordenar localmente uma importante operação de emigração de judeus da Holanda ocupada e da Alemanha.
Aterrem em Portugal: Há alguma ideia de quantas pessoas foram retiradas da Alemanha e do resto da Europa por estas organizações?
Bernard Wasserstein: No meu livro calculo que o número de salvamentos em que ela esteve envolvida, será aproximadamente de 22 mil. Dou todos os detalhes e demonstro como cheguei a estes números no meu livro.
Aterrem em Portugal: No final da guerra surgiram diversas acusações contra ela. O que aconteceu?
Bernard Wasserstein: Devido ao seu papel e ao seu trabalho no Conselho Judeu de Amesterdão, entre 1941 e 1943, houve quem lançasse suspeitas de que ela tivesse sido uma colaboracionista.
Ela tinha, de facto, negociado com os chefes das SS de Amesterdão, incluindo o tristemente célebre Klaus Barbie, com o objectivo de conseguir a libertação de judeus de territórios controlados pelos Nazis. Conseguiu assim salvar muitas vidas durante a ocupação.
Em alguns casos utilizou subornos. Noutros ajudou a organizar a troca de judeus na Holanda por civis alemães retidos pelos aliados.
O livro conta todos os detalhes e tem a documentação relativa aos casos.
Robert Wilson é um escritor britânico que vive em Portugal há muitos anos. Neste momento reside no Redondo, no Alentejo, onde escreveu as suas últimas obras. Dos dez livros que publicou, dois estão relacionados com Portugal: “O ÚLTIMO ACTO EM LISBOA” (original de 1999) e “A COMPANHIA DE ESTRANHOS” (original de 2001). Ambos centram parte da sua acção no Portugal da II Guerra Mundial, razão para uma conversa com o autor.
No centro desta conversa está especialmente o primeiro destes livros que se concentra na mal conhecida “guerra do volfrâmio”, uma tema que só recentemente começou a ser conhecido, mesmo entre nós. Este é também um dos mais importantes livros da carreira de Wilson pois recebeu o “1999 Crime Writers Association Gold Dagger” (Prémio Adaga de Ouro da CWA de 1999) e o “2003 International Deutsche Krimi Prize” (Prémio Internacional Alemão de Crime de 2003).
Aterrem em Portugal: Parte da acção dos livros que escreveu, relacionados com Portugal, têm como pano de fundo o período da II Guerra Mundial. Porquê a escolha deste tema?
Robert Wilson: Escrevi quatro livros que tinham como cenário África, e nessa altura África não era um tema de leitura muito popular.
Quando terminei esses livros vivia em Portugal há cerca de 10 anos. Nessa altura pensei: as pessoas conhecem melhor Portugal, estão mais identificadas com o país e talvez seja um bom tema sobre o qual devo escrever.
Como já cá vivia há alguns anos, sentia-me mais confortável a escrever sobre o país. Conhecia alguma coisa sobre as pessoas e sobre a linguagem.
Faltava apenas encontrar o tema. Estávamos nos anos 90 e nos jornais lia muito sobre o ouro nazi. Julguei que talvez encontrasse a minha história: a forma como o ouro vinha da Alemanha, através de Espanha, até Portugal para depois desaparecer misteriosamente na América do Sul.
Estranhamente, e quanto mais pensava no assunto, menos excitante a história me parecia. Realizava pesquisas com a minha mulher em Londres, para um outro livro, e pedi-lhe para cruzar as palavras ouro com Portugal e ver o que acontecia.
Ela voltou muito depressa e disse-me que grandes quantidades de ouro entraram em Portugal durante a governação de Salazar, durante a II Guerra Mundial, por causa do volfrâmio.
O que é volfrâmio?, perguntei-lhe.
“Não faço ideia”, respondeu-me.
Descobrimos depois que volfrâmio era tungsténio e que, quando Hitler invadiu a Rússia, cortou a rota do principal do seu abastecedor que era a China. Isto queria dizer – por causa do tipo de conflito em que estava envolvido, um conflito de blindados – que era preciso muito aço e um dos componentes da liga é o tungsténio. Por isso ele tinha de encontrar um fornecedor alternativo.
Havia um pouco na Suécia – apenas cerca de 300 toneladas – e a maior parte estava em Portugal. Nessa altura existiam talvez cerca de 3000 toneladas no país. Pareceu-me que esta era um possibilidade de história muito mais interessante…
"Último acto em Lisboa", na edição da Dom Quixote de 2009 (ISBN: 9789722037297).
Aterrem em Portugal: Pesquisou o tema e falou com portugueses para compreender o que estava a acontecer no país nesse período. Que imagem tem de Portugal dos anos quarenta?
Robert Wilson: Em Inglaterra as pessoas escrevem diários e mantêm registos diversos sobre os acontecimentos. Há relatos pessoais e esse tipo de coisas. Em Portugal estamos a falar do período de Salazar e a população tinha medo, por isso não fazia, nem guardava, esse tipo de relatos. Isso foi o mais difícil, encontrar informação sobre o que se passava no país.
No Fundão, por exemplo, pedi a um jornalista os jornais dos anos 40 para a minha pesquisa. Disse que mos dava, mas que não iria servir-me de nada, por causa da censura.
Foi necessário encontrar pessoas que tivessem vivido essa história. Conhecer uma ou duas foi suficiente para ficar com uma imagem sobre o que se passava: aldeias inteiras do Alentejo deixavam os campos agrícolas e seguiam para a Beira, porque uma rocha de volfrâmio podia valer um mês de ordenado. Criou-se uma febre que atravessou Portugal.
De repente surgiu a oportunidade de todos poderem fazer uma fortuna.
Aterrem em Portugal: Quando se começa a pesquisar este período encontramos informação contraditória. Este era um país fascista e existia um forte controlo sobre a população. Mas parece, em vários momentos, que houve um afrouxamento nesse controlo. É pelo menos um período estranho.
Robert Wilson: Essa foi certamente a impressão com que fiquei.
Existiam centros de controlo, como Lisboa. Sentimos que a cidade estava controlada. Lembro-me de encontrar relatos de estrangeiros que comentavam o barulho que se ouvia todas as noites, por volta das nove horas. Soava como se fossem tiros. Depois ficavam a saber que a população só estava autorizada a bater os tapetes durante a noite, e era esse o barulho que se ouvia.
Nestas pequenas coisas percebemos que se tratava de uma sociedade muito controlada.
Na Beira esse controlo não existia, e existiam ainda muitas influências no terreno. Estavam lá os britânicos. Estavam lá os alemães. Estavam lá homens de negócios - portugueses e espanhóis.
Havia também muito contrabando.
Nesta zona não existia um controlo muito apertado e havia dinheiro. Por dinheiro as pessoas fazem coisas que normalmente nunca fariam.
Lembro-me de estudar num mapa as possíveis rotas que o contrabando poderia utilizar. Para mim a zona da Serra da Malcata seria um bom local para isso acontecer. Desloquei-me àquela zona e percebi que ainda hoje ali existe contrabando, não de volfrâmio, mas de tabaco.
Desembarcam os cigarros na costa perto de Aveiro e depois transportam-nos por ali.
"Na companhia de estranhos" também foi reeditado pela Dom Quixote em 2009 (ISBN: 9789722037303).
Aterrem em Portugal: O que mais o surpreendeu nesta pesquisa? Robert Wilson: Fui surpreendido e fiquei impressionado com Salazar. Ele tinha um jogo muito difícil para fazer.
Estava entre os Aliados e o Eixo. Faziam ambos uma grande pressão sobre ele.
O Eixo ameaçava-o. Basicamente diziam que teria de fazer o que lhe pediam ou haveria problemas, como o ataque a embarcações portuguesas, por exemplo.
Os Aliados lembravam-lhe que tinham o tratado de aliança mais antigo do mundo – desde 1386 – e que por isso tinham de ser amigos.
Salazar fez um jogo muito cuidadoso. Tentou satisfazer ambos os lados e, ao fazê-lo, ainda conseguiu juntar uma fortuna com o volfrâmio.
Esta foi uma das maiores surpresas que tive. Salazar saiu da II Guerra Mundial como uma história de sucesso, e eu não esperava isso. Era um fascista, um grande admirador de Mussolini. Pensava que ele sairia queimado devido a essa associação, mas não foi isso que aconteceu. Ele saiu muito bem da II Guerra mundial…
Sinopse oficial de "Último acto em Lisboa"
1941 Klaus Felsen, o proprietário de uma fábrica em Berlim, é forçado a alistar-se nas SS e a dirigir-se a Lisboa, cidade de luz, onde ao ritmo dos dias convergem nazis e aliados, refugiados e especuladores, todos dançando ao compasso do oportunismo e do desespero. A sua missão é infiltrar-se nas geladas montanhas do Norte de Portugal, onde se trava uma luta traiçoeira pelo volfrâmio, elemento essencial à blitzkrieg de Hitler. Aí encontra Manuel Abrantes, o homem que põe em movimento a roda de ambição e vingança que irá girar até ao final do século. Final dos anos 1990. O inspector Zé Coelho, da Polícia Judiciária, investiga o crime sexual cometido contra uma jovem adolescente em Lisboa. Esta pesquisa conduzirá Coelho por terrenos lodosos da História a um crime mais antigo - enterrado com os ossos de um passado de fascismo - e a um pavoroso motivo enterrado ainda mais fundo. E, uma vez à superfície, o passado e o presente irão convergir com implicações arrepiantes e consequências insondáveis.
Sinopse oficial de "A companhia de estranhos"
Lisboa, 1944. No calor tórrido do Verão, as ruas da capital fervilham de espiões e informadores, enquanto os serviços secretos disputam em silêncio a última partida. Os alemães dominam a tecnologia dos foguetões e a pesquisa atómica. Os aliados estão decididos a impedir que a ameaça da «arma secreta» venha a concretizar-se.
Andrea Aspinall, matemática e espia, entra nesse mundo sofisticado pela mão de uma abastada família do Estoril. Karl Voss, adido militar da Legação Alemã, abalado pela implicação no assassinato de um Reichsminister e traumatizado pelo desastre de Estalinegrado, chega a Portugal com a missão de salvar a Alemanha do aniquilamento. Na tranquilidade mortal de um paraíso corrupto, Andrea e Voss encontram-se e tentam viver o seu amor num mundo em que não se pode acreditar em ninguém. Depois de uma noite de terrível violência, Andrea fica na posse de um segredo que vai ligá-la para sempre ao mundo clandestino, do repressivo regime fascista português à paranóia da Guerra Fria na Alemanha. E aí, numa Berlim gelada, descobre que os maiores segredos não estão nas mãos dos governos, mas em mãos muito próximas de si, e é forçada a fazer a derradeira e dilacerante opção.
Robert Stitt lançou recentemente o seu primeiro livro “Boeing B-17 Fortress in RAF Coastal Command Service” (Boeing B-17 Fortress no Comando Costeiro da RAF), que já foi apresentado neste blogue.
O “Aterrem em Portugal” contactou o autor e enviou-lhe algumas questões sobre esta obra que explora a história da Fortress ao serviço da RAF e a sua missão em terras portuguesas, mais especificamente, nos Açores.
As primeiras esquadrilhas utilizando este bombardeiro chegaram pouco depois da assinatura do acordo com a Inglaterra em 1943 envolvidas no esforço de combater a actividade dos submarinos no Atlântico Norte.
Aterrem em Portugal: Porque razão escreveu um livro sobre as “Fortress” no Comando Costeiro da RAF (RAF Coastal Command)?
Robert Stitt: Escrevi em tempos um artigo sobre um Boeing B-17 “Fortress”, da USAAF, que realizou uma aterragem de emergência na Papua Nova Guiné em Janeiro de 1943. Visitei o local em 1977. Este avião deveria ter seguido para a Grã-Bretanha para integrar a campanha contra os submarinos. Documentar o historial deste tipo de aparelho no Comando Costeiro da RAF surgiu como uma forma natural de dar seguimento a esse primeiro trabalho.
AP: Quanto tempo e onde pesquisou para realizar este trabalho?
RS: O projecto “Fortress no Comando Costeiro” levou seis anos a completar. Visitei os Arquivos Nacionais no Reino Unido (National Archives, Kew) por duas vezes para começar. Ao mesmo tempo cresceu de forma rápida uma grande rede de ajudantes e tive a felicidade de contactar muitos investigadores de todo mundo. Contactei também com veteranos que serviram neste tipo de avião e com as famílias de vários outros.
Fortress IIA FL459 - Este aparelho esteve envolvido no afundamento do U-707 em 9 de Novembro de 1943. Este é um dos 14 perfis a cores, feitos por Juanita Franzi, para este livro
AP: Que opinião tinham os tripulantes sobre o avião?
RS: Todos parecem amar e confiar na Fortress. Era estável, de confiança e confortável (bem, relativamente) e fiquei com a impressão que, apesar do Liberator (B-24 na RAF) ter um maior alcance e uma maior capacidade para carregar bombas, as tripulações preferiam as “Fortress”.
AP: Qual foi, para si, a importância dos Açores na fase final da guerra?
RS: Foram muito importantes por duas razões. Primeiro as perdas de navios aliados no Atlântico central estavam a ficar insustentáveis, até a base nos Açores ficar operacional. Depois transformou-se também num importante ponto de passagem para os aviões que eram entregues no Reino Unido, no Médio Oriente e no Oriente.
Uma página do livro onde se podem ver duas fotografias. A primeira pode ver como o moderno e o antigo conviviam e, na outra, uma imagem aérea onde se pode ver parte da pista e da base. Consegue perceber-se, pelo enorme número de tendas, as difíceis condições em que as tripulações viviam.
AP: Como é que as tripulações olhavam para os Açores e para os Açorianos?
RS: Julgo que eles tinham muito orgulho no papel que desempenharam na guerra e se deram muito bem com os locais, excepto quando se transformavam em alvos dos muito zelosos artilheiros anti-aéreos portugueses, que tinham sido recentemente equipados com armas inglesas, uma das contrapartidas pela utilização da base! Sei também que o comandante de uma das Fortress casou com a filha do Governador!
AP: Quais foram as maiores dificuldades que encontraram na ilha?
RS: Só existiam tendas para acomodar as tripulações que foram chegando, razão porque viveram praticamente na rua durante muito tempo. A água era escassa e existia uma colónia de ratos bastante grandes. A pista, construída com placas metálicas, estava coberta de pó vulcânico vermelho. O ambiente era poeirento e muito barulhento, sempre que os aviões aterravam ou levantavam, tanto de dia como de noite. O pó também contribuiu para um surto mortal de poliomielite.
A única pista encontrava-se muitas vezes desalinhada com os fortes ventos que varriam a ilha e a visibilidade era reduzida, obrigando os pilotos a escolher entre uma aproximação às cegas, entre dois cumes, ou a divergir para Santana (Aeródromo de Santana, em Rabo de Peixe, ilha de S. Miguel) onde a pista era mole e o mau tempo muito semelhante.
Do lado positivo havia muita fruta, vegetais, cigarros e bebidas alcoólicas, uma cidade para visitar que não estava em “Blackout” e onde não existiam aviões inimigos.
AP: O que mais o impressionou enquanto pesquisava para este livro?
RS: A ajuda recebida por outros pesquisadores e a confiança que recebi das famílias dos veteranos que me cederam preciosos documentos, fotografias e memórias.
AP: O que gostaria de dizer ao seu leitor?
RS: Os jovens que voaram as Fortress e outros aviões no Comando Costeiro da RAF – as tripulações tinham normalmente uma média de idades inferior aos 21 anos – fizeram coisas extraordinárias para assegurar a sobrevivência da Grã-Bretanha e dos aliados. Eles merecem ser recordados e tenho esperança que o meu livro possa ajudar, de alguma forma, a manter essa memória viva.