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sábado, 16 de abril de 2011

Troca de prisioneiros em Lisboa


Um sargento da Real Força Aérea a desembarcar do comboio.  
(Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)

Os transportes traziam mais de 800 prisioneiros de guerra italianos e britânicos obrigando a grande actividade logo às 9 da manhã, na Estação de Marítima de Alcântara, no Tejo,quando acostou o navio hospital “Newfoundland”. Tinha partido do Reino Unido e há dois dias que se encontrava ao largo esperando notícias de dois comboios, vindos de Itália, que ali também deveriam chegar.

No navio esperavam 409 prisioneiros italianos enquanto nos comboios viajavam 448 britânicos. Lisboa, sob tutela da Cruz Vermelha, era, naquele dia de 18 de Abril de 1943, palco da troca de 857 prisioneiros, a maioria doentes ou vítimas de ferimentos incapacitantes.


O navio hospital “Newfoundland” que trouxe os prisioneiros italianos atrás de um dos comboios com prisioneiros britânicos. 
(Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)

As descrições dos jornais não escondem, aliás, o estado em muitos destes homens chegaram a terras lusas. Entre os italianos - 33 oficiais (dois deles capelões) e 376 sargentos e soldados - havia, segundo o Diário de Lisboa, “11 loucos, 84 doentes mentais e nervosos, alguns tuberculosos e numerosos mutilados”. Razão mais que suficiente para a comitiva ser acompanhada por uma equipa de 135 médicos, enfermeiros e maqueiros.

Em Alcântara encontrava-se também pessoal médico português pronto para qualquer eventualidade.

Nos comboios, entre os prisioneiros britânicos, encontravam-se “289 impossibilitados de marchar, 3 cegos, 2 loucos e dois feridos em estado grave”, esclarece por sua vez o Século Ilustrado. Entre os oficiais aprisionados encontrava-se o general Willis, capturado pelos italianos no Norte de África.

O Newfoundland foi recebido por uma vasta comitiva constituída por autoridades portuguesas, elementos da Cruz Vermelha e representantes italianos e alemães. O Embaixador de Mussolini em Lisboa fez um discurso de boas vindas e o mesmo fez um representante alemão, durante um almoço no Edifício da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau.

O Século Ilustrado chamou ao artigo, publicado a 24 de Abril de 1943, “Portugal, oásis da Europa”. 
(Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)


O primeiro comboio com britânicos chegou pouco antes do meio-dia e o outro uma hora depois. Os casos mais graves foram embarcados de imediato no navio britânico e “os que tinham relativa saúde e podiam andar estiveram em diversos organismos britânicos”, explica o Século Ilustrado. O Diário de Lisboa especifica que “seguiram em autocarros da Carris para o Club Inglês, o Seamen’s Institute e o British Repatriation Office, onde almoçaram”.

Ao fim da tarde os italianos foram metidos nos comboios levando um pacote com “conhaque, vermute, chocolate, tabaco, sabonetes” entre outros produtos, oferecidos pela colónia italiana em Portugal.



Italianos a desembarcar do Newfoundland
(Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)




Um militar britânico a abandonar o comboio numa maca.
(Foto Século Ilustrado/ Arquivo Histórico de Portimão)




Os ex-prisioneiros britânicos, agraciados com “doces e tabaco”, levantaram ferro no “Newfoundland” às 22 horas, encerrando – segundo o Diário de Lisboa – “mais um admirável capítulo da acção Humanitária de Portugal e da Cruz Vermelha nesta guerra”.

Carlos Guerreiro

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Lisboa… posto de correio internacional

Há muito que se diz que Portugal foi, durante a II Guerra Mundial, a porta de entrada e de saída para a Europa. Apontam-se normalmente os casos relacionados com os refugiados ou os espiões, mas a verdade é que Lisboa foi uma porta ou uma placa giratória utilizada pelos dois blocos em conflito para as mais diversas coisas.


O Dornier DO 18, utilizado pela Luftwaffe. Foram construídas cerca de 170 unidades deste aparelho.

É sabido que, por exemplo, muitas das chamadas “parcelas” da cruz vermelha que eram entregues aos prisioneiros de guerra aliados passaram por Lisboa. Vinham embarcadas de Londres ou dos EUA e eram aqui entregues à Cruz Vermelha Internacional (CVI), que depois as encaminhava, de comboio, para os respectivos destinos. Estas “parcelas” eram normalmente caixas que continham comida, doces e cigarros entre outras coisas. Também a correspondência dos prisioneiros com os familiares utilizava canais que passavam por Portugal entre outros países neutros.
Não é por isso novidade o facto de Lisboa ter servido como uma enorme caixa de correio para o aliados…
A revista sobre aviação em língua alemã “Flieger Revue”, de Março deste ano, acrescenta agora mais uns detalhes à história de Lisboa e de Portugal desse período: afinal os alemães quiseram também instalar por aqui o seu “posto de correio” para ligar os seus prisioneiros e internados – muitos deslocados para o EUA - ao país natal.
Segundo o artigo, assinado por Hans-Heiri Stapfer, já existiam indícios de que a CVI, com sede em Genebra, explorara essa possibilidade. Novidade é o facto de a recente consulta de documentação nos arquivos Suíços revelar uma história um pouco diferente.
Afinal foram os alemães que fizeram a aproximação à CVI e não o contrário. E foi uma aproximação muito concreta, já que as autoridades germânicas se colocaram à disposição, para ceder de forma gratuita, dois hidroaviões DO 18 para garantir a travessia do Atlântico.
O contacto foi feito na Primavera de 1943 e tinha como objectivo fazer chegar aos EUA correspondência e víveres a cerca de 250 mil soldados alemães prisioneiros e também a vários milhares de civis internados.
Nos finais de 1942 os alemães tinham sofrido as primeiras derrotas às mãos das potências ocidentais. Primeiro o General Montegomery tinha sustido e repelido os Africa Corps do general Rommel, em El Alemein. Pouco depois, em Novembro, britânicos e americanos desembarcaram nas costas da Argélia e de Marrocos.



Prisioneiros de Guerra alemães em 1944
(Foto NARA)

Em princípios de 1943 cerca de 130 mil alemães eram prisioneiros dos aliados ocidentais. Na primavera, e com a derrota total dos exércitos do Eixo naquele teatro de operações, esse número subiu para um quarto de milhão de homens.
Os aliados já tinham decidido que os prisioneiros teriam de ser levados para um local onde fosse fácil mantê-los e tivessem poucas condições para causar problemas. Razões que levaram à decisão de os transportar para os EUA. Segundo o artigo da “Flieger Revue” existiram durante a guerra naquele país 155 campos principais e 511 campos satélite para prisioneiros, distribuídos por 44 estados americanos.
Sem condições para fazer chegar correspondência e outros materiais a estes homens pelos seus próprios meios – os aliados nunca aceitariam negociar directamente com os alemães – o regime nazi procurou outra solução. Foi nesse sentido que a Luftwaffe colocou a disposição da CVI os dois hidroaviões DO18.
Tratavam-se dos aparelhos com os números de série (Werknummer) 866 e 869. Seriam pintados com as cores da CVI e ficariam baseados no Tejo, em Lisboa. Prevista estava uma escala nos Açores para reabastecimento, como faziam aliás os Clippers que ligavam Lisboa a Nova Iorque.
Hans Stapfer revela, no entanto, alguns aspectos curiosos. Mesmo com a escala a meio do Atlântico seria difícil completar a viagem, caso surgisse o mais pequeno contratempo, pois o combustível que transportava chegava mesmo à justa para ligar as duas costas. Bastaria um vento contra um pouco mais forte para colocar em risco os três tripulantes que guarneciam a aeronave.
A colocação de um tanque suplementar iria reduzir drasticamente a capacidade de transporte do aparelho. Além da dimensão dos depósitos, que seriam montados no interior da fuselagem, tinha também de se contar com o peso desse combustível extra. Calcula-se que cerca de 50 mil cartas teriam de ser retiradas para poder acomodar estes extras.
Eram muitas dificuldades que nunca chegaram, no entanto, a ser equacionadas. Por razões que o autor do artigo desconhece o processo para a cedência das aeronaves nunca avançou e o mesmo aconteceu com a possibilidade de criar uma base de correio em Lisboa.
Os Dornier DO18 foram reintegrados na Luftwaffe e não se sabe qual o seu destino no final da Guerra.
Certo é que em Maio de 1945, quando foi assinado o armistício existiam no EUA cerca de meio milhão de alemães prisioneiros de guerra…