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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Quando todos cumprem o seu papel

Pouco depois das duas da tarde o avião da RAF ficou sem combustível e foi obrigado a amarar, a cerca de sete milhas a su-sudeste do Cabo da Roca, perto de Lisboa. Os quatro tripulantes, três canadianos e um australiano, abandonaram o aparelho e subiram para um bote borracha, não salvando nenhum dos seus haveres porque o bimotor Hudson se afundou em cerca de minuto e meio.

Recorte do jornal canadiano
 "The Winnipeg Evening Tribune,
de 31 de Agosto de 1943
Os aviadores Gustafson, Allen, Crozier e Henry tinham levantado da base de Portreath, no Reino Unido, pouco antes das sete da manhã com destino a Ras-Elma, perto de Fez, em Marrocos.

Uma hora depois da aterragem forçada os aviadores viram um pequeno veleiro a aproximar-se. Trazia um casal que falava com eles através de gestos. Passaram-lhes umas garrafas de cerveja, umas sandes e um cabo com prenderam o bote a popa. Depois, ao sabor do vento, as duas embarcações iniciaram uma lenta viagem em direcção a terra.

Poucas milhas depois surgiu uma embarcação de pesca, a motor, que concluiu o reboque do bote até ao porto de Cascais, onde alguém informou os aviadores de que tinham sido salvos pelo adido aéreo da Legação Alemã em Lisboa. O caso foi notícia internacional e até saiu na imprensa estrangeira, através de despachos enviados pelo correspondente da Agência Reuters.

De regresso ao porto de Cascais, e longe de saber que o seu salvamento iria entrar – mesmo que de forma deturpada - para as colunas dos jornais, estava Gunther Habedanck e a mulher, Nelly.

Tinham saído durante a manhã de 29 de Agosto de 1943 de Cascais, no seu pequeno veleiro, o “Danúbio Azul”. Durante o passeio avistaram o avião a despenhar-se. Estava a uma grande distância e só quando se aproximaram perceberam que se tratavam de aviadores que falavam inglês.

O meu pai tinha medo que eles descobrissem que ele era alemão e por isso e disse à minha mãe para não conversarem e comunicarem apenas através de gestos”, recorda Gert Habedanck, filho do casal, que ainda hoje vive em Portugal.

Gunther, era de nacionalidade alemã, mas o filho assegura que não tinha qualquer cargo na Legação da Alemanha. Chegara a Portugal em 1927, para trabalhar na empresa de um familiar ligada ao comércio de ferro, aço e outros metais. Foi também em Portugal que conheceu e casou com a suíça Nelly Adelheit.

Casal Gunter e Nelly Habedanck, numa fotografia tirada nos anos 30 ou 40.
(Foto Gert Habedanck)

Era costume velejarem, especialmente ao fim de semana, mas aquele passeio domingueiro ficaria para sempre na memória da família, tanto pelo salvamento, como pelo que se seguiu.

O "Danúbio Azul"
(Foto Gert Habedanck)
“Nessa tarde bateram-lhe à porta de casa. Era alguém da Embaixada Inglesa a agradecer o salvamento dos homens. Mais tarde, apareceu também um enviado da Legação Alemã. Foi muito crítico, dizia que eles eram inimigos, e que o meu pai os deveria ter deixado no mar e coisas piores”, recorda Gert a quem a história foi contada repetidas vezes.

E o salvamento dos aviadores iria conhecer ainda mais um episódio.

Conta o filho que, no dia seguinte, ele foi informado de que deveria dirigir-se à capitânia.

“Disseram-lhe que o Danúbio Azul era um barco pequeno e que não podia ir tão longe, mesmo que fosse para um salvamento. Por essa razão era multado em 7 escudos e 50 centavos. O meu pai, na brincadeira, costumava dizer que todos tinham cumprido o seu papel: ele tinha salvo os náufragos; os ingleses tinham agradecido; os alemães ficado zangados e os portugueses cumprido a lei…”

Carlos Guerreiro

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