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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Algumas perguntas a João Botas

João Francisco Oliveira Botas é jornalista na RTP e, há uma década, que se dedica a estudar a história de Macau, território onde viveu durante os anos 80. Desde 2008 que escreve periodicamente no blogue "Macau Antigo", projecto que fundou.

Em 2007 publicou o livro “Liceu de Macau: 1893-1999” e em 2012 “Macau 1937-1945, Os anos da Guerra”, onde aborda a temática relacionada com o complicado período da II Guerra Mundial e razão suficiente para fazermos algumas perguntas…

Aterrem em Portugal!: Porque resolveu escrever um livro sobre este tema?

João Botas: Sempre tive um enorme fascínio pela 2ª Guerra Mundial. Certamente por influência do cinema e da televisão. Por razões bem mais terrenas Macau ficou-me entranhada desde que ali vivi na década de 80 do século XX ainda um adolescente.

O interesse pela sua história surgiria anos mais tarde. Em 2005 durante as pesquisas para o livro “Liceu de Macau 1893-1999” deparei-me com uma manancial de informação tão vasto que mal terminei de escrever o livro, avancei com um outro projecto. Um blogue sobre a história de Macau, "Macau Antigo".

Porquê este período? Porque foi o tempo do domínio português? Não só, mas também. A verdade é que tinha de delimitar o raio de acção, caso contrário, perder-me-ia! Depois, queria tratar de temas com algum distanciamento temporal. Assim, a chegada e a partida dos portugueses de Macau pareceu-me a escolha mais acertada, mesmo correndo o risco de ser considerado um nacionalismo/ saudosismo bacoco. Com tanta documentação resolvi partilhá-la virtualmente com toda a gente na Internet e aos poucos fui percebendo que centenas de pessoas estavam interessadas. Dedução óbvia: se quase mil pessoas tinham adquirido o livro sobre a história do liceu, por certo pelo menos outras tantas, senão mesmo mais, gostariam de saber mais sobre este ou aquele período da história de Macau menos conhecido.

A primeira metade do século XX pareceu-me o período mais fascinante e ‘lá dentro’ estava a Guerra do Pacífico. Uma guerra que fui ‘acompanhando’ através do cinema – quase sempre filmes passados ora na Europa ou nalguma ilha do Pacífico.

Apesar de ser um dos períodos mais conturbados e marcantes da história de Macau não havia uma obra que sistematizasse este período. Este livro foi feito com o objecto de colmatar essa falha.


AP: Como viveu Macau o período da II Guerra Mundial?

JB: Ponto minúsculo de exclamação ocidental no Extremo Oriente, Macau foi desde a chegada dos portugueses um milagre de sobrevivência. Nos “anos da guerra” o milagre voltou a acontecer.

No Natal de 1941 quando a 2ª Grande Guerra ganhou dimensão mundial e se estendeu à região da Ásia-Pacífico já a então colónia portuguesa – a primeira e a última possessão europeia na Ásia – vivia a braços com a guerra sino-japonesa iniciada anos antes e consumada face aos aliados com a invasão de Hong Kong.

“Maus dias se vislumbravam para Macau, dias de luto e miséria, dias de amargura e cativeiro...” O território escapou às agruras dos combates mas não aos efeitos nefastos do conflito graças a uma neutralidade “colaborante” (im)possível e esteve muitas vezes na eminência de ser invadida pelas tropas nipónicas que do outro lado da Porta do Cerco combatiam os chineses.

No entanto, a invasão surgiria de onde menos se esperava com o ataque de aviões norte-americanos no início de 1945. De Lisboa vão instruções para não hostilizar as forças beligerantes, assegurar a neutralidade e sobreviver.

Encurralada e isolada do mundo durante quase 10 anos, Macau viveu um dos períodos mais conturbados da sua história e então, como nos primórdios da sua fundação no século XVI, tornou-se porto de abrigo para milhares de refugiados que ali encontraram “um fugaz mas sublime parêntesis de paz num mundo em guerra”.

A população de pouco mais de 200 mil almas passou, de repente, para mais de meio milhão. Quase triplicou. Num ínfimo espaço habitado por um mosaico de povos os contrários foram sendo conciliados numa diplomacia quotidiana marcada pela fome e pela morte mas também pela solidariedade e esperança de melhores dias.

Diversos relatos falam de pessoas que entre as fezes procuravam os alimentos que não tivessem sido digeridos para lhes saciar a fome. Na luta pela sobrevivência nem todos foram bem-sucedidos mas o ‘milagre’ de Macau salvou a vida a milhares de pessoas e encerra em si o ‘segredo’ de uma história secular onde a cidade foi não só “um oásis de paz” mas também um “teatro de guerra”.


AP: Que influência tiveram os japoneses na vida da cidade?

JB: Continua a ser um mistério a razão pela qual os japoneses de alguma forma respeitaram a neutralidade de Portugal face ao conflito. Isso dava um trabalho de investigação interessante mas implicaria a consulta, entre outras, de fontes japonesas. Só com uma bolsa de investigação... No livro, mais do que uma resposta cabal, que não sei se algum dia existirá, apontam-se várias hipóteses: a comunidade japonesa no Brasil, a questão de Timor, etc.


Para adquirir o livro contacte o autor
em macauantigo@gmail.com

AP: Apesar da neutralidade registaram-se ataques no território. Pode descrever o que aconteceu?

JB: O ataque dos caças norte-americanos ao Porto Exterior foi apenas um entre vários mas talvez o mais emblemático e numa fase em que a guerra estava quase a acabar. Durante anos temeu-se um ataque dos japoneses mas acabou por vir de onde menos se esperava.

As autoridades de Macau actuavam 'no fio da navalha' tentando sempre não ferir demasiado as susceptibilidades nipónicas por forma a garantir pão e água para a população que passou de 200 para cerca de 700 mil almas no espaço de dois ou três anos.

Naquele contexto a arte de governar era um equilíbrio precário e muitos episódios contados no livro revelam isso mesmo. Foram anos em que se vivia com senhas de racionamento e um cate de arroz podia valer uma jóia de família.

Pedro Lobo, funcionário público na época, era o interlocutor privilegiado nas negociações com os japoneses. Foi nesta época que Stanley Ho deu os primeiros passos no mundo dos negócios.


AP: Qual foi a atitude de Lisboa perante a situação vivida naquele território?

JB: Não foi a primeira vez, nem seria a última, que Macau se tornou porto de abrigo para milhares de refugiados, a maioria oriundos da China.

O governo de Gabriel Maurício Teixeira apercebeu-se desde muito cedo do que se iria passar e preparou-se o melhor que pôde para acolher todos quantos fizeram de Macau a sua casa durante o conflito.

Macau era de facto um porto seguro, não obstante todas as contingências, nomeadamente a escassez de alimentos. Experimentem pegar no mapa-mundo da época e verifiquem a imensidão de território ocupado pelas forças japonesas em especial a partir de 1940-41.

A seguir comparem, à mesma escala, o ponto minúsculo que Macau representa nesse mapa. Pois bem, esses pouco mais de 12 km quadrados - onde a bandeira portuguesa nunca foi substituída pela do império do sol nascente - representaram para milhares de pessoas a diferença entre a vida e a morte. Com muitas dificuldades é certo, mas passada a tormenta puderam perseguir as suas vidas.

Foi muito importante o papel dos macaenses que viviam em Hong Kong e que depois da ocupação japonesa procuraram refúgio em Macau. Os representantes das diversas comunidades de estrangeiros que viviam no território deixaram nota pública do seu profundo agradecimento ao governo de Macau.


Carlos Guerreiro

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