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sexta-feira, 28 de abril de 2017

Morte nas águas do Oriente

A explosão aconteceu a estibordo e foi tão violenta que os homens do Sado, que se encontravam na ponte de comando, bateram com as cabeças no tecto e quando voltaram a pôr-se de pé só conseguiam ver o pó negro do carvão que transportavam a chover sobre a frente do navio.

Afundamento de um navio fotografado 
pelo periscópio do USS Tresher.
(Foto: http://www.submarinewarfare.uk/silent6.html)

O impacto partiu o navio em dois, com a ré e a cabine de comando – que ficava a meio – a derivarem para um lado e a proa para outro. Mal se conseguiram pôr de pé na ponte, o comandante José de Matos, o telegrafista Vitor Miguel Pereira, o contramestre de serviço e segundo piloto Fernando Augusto Ferreira Miguel correram em direcções diferentes para tentar organizar o abandono do cargueiro.

José de Matos correu para a sua cabine com a intenção de vestir o colete salva-vidas e dar ordens para parar as máquinas. Vitor Pereira correu ao posto de comunicações para enviar um SOS, mas não o conseguiu porque a explosão tinha danificado o rádio. Fernando Miguel saltou até ao convés, onde estava o armário dos coletes de salvação, para se equipar e coordenar o abandono do Sado.

Noutros pontos do navio os tripulantes não precisaram de receber ordens para perceber que o navio estava condenado. Enquanto vestiam os coletes de salvação, tentavam soltar os salva-vidas das talhas, uma operação dificultada pelo facto das embarcações não estarem prontas para serem lançadas à água numa emergência.

O comandante ainda voltou à ponte e, antes de se lançar à água, gritou qualquer coisa que ninguém compreendeu. O telegrafista saltou atrás dele com o colete debaixo do braço porque não tinha conseguido vesti-lo.

Fernando Miguel foi arrastado para o fundo com o cargueiro e ficou entalado na porta que dava acesso à cozinha. Enquanto se tentava soltar sentiu alguém agarrar-se “fortemente” a si. Afastou-o do corpo, mas puxou-o com uma das mãos enquanto com a outra tentava chegar à superfície o que conseguiu com dificuldade.

Quando conseguiu respirar apercebeu-se de que o marinheiro que arrastara consigo pedia chorando que não o largasse pois não sabia nadar. Por pouco não matava os dois pois “agarrou-se (…) com pernas e braços” e a sorte foi estar a flutuar perto um bocado da ponte que se tinha soltado do navio, ao qual o segundo piloto se agarrou “sempre com o homenzinho encavalitado”.

O Sado, um cargueiro a vapor de três mil toneladas brutas, registado no porto de Macau, tinha partido de Tsingtao, na China, no dia 3 de Abril de 1942 e deveria entregar em Kawasaki, no Japão, quatro toneladas de carvão. A viagem estava próxima do fim quando, no dia 10, pouco depois das 11 horas o navio foi atingido por um torpedo disparado pelo USS Thresher, um submarino americano que desde as primeiras horas da manhã caçava à entrada do Golfo de Tóquio.

Os americanos já tinham disparado dois torpedos horas antes, tentando atingir um grande cargueiro, mas tinham falhado o alvo. A chuva e o mau estado do mar tinham-no impedido de descobrir novos alvos, apesar do sonar detectar a presença de objectos grandes nas proximidades. O Sado foi avistado, através do periscópio, cerca de 10.30 horas, rumando em direcção ao submersível. O torpedo foi disparado às 10.56 e a explosão aconteceu pouco depois.

O USS Tresher

O sonar do Tresher continuou a detectar a presença de uma unidade de grandes dimensões, mas, devido ao mau tempo, a tripulação só conseguia ver um pequeno veleiro de pesca. Sem o saberem encontrava-se nas imediações um torpedeiro japonês que poucos minutos após o afundamento do Sado lançava cargas de profundidade na tentativa de afundar o submersível. Este escaparia ao primeiro ataque e a dois outros que sucederam durante do dia, mas não conseguiu evitar um sem número de danos que o obrigaram a abandonar a missão e regressar à base.

Ferido, exausto e com um marinheiro em pânico que não o largava, Fernando Miguel esteve agarrado ao destroço da ponte de comando durante cerca de 40 minutos até que a baleeira do destroyer japonês o recolheu.

Após tratamento médico foi informado por um oficial japonês que tinham sido afundados por um submarino americano. Dos 54 homens que seguiam a bordo apenas o segundo piloto, o telegrafista Vitor Pereira e nove tripulantes chineses escaparam com vida. Do comandante também não havia sinal.

Já a recuperar em Yokohama Fernando Miguel recebeu os restos de alguns coletes e bóias de salvação, tendo percebido porque tinham sido os tripulantes que não os tinham usado a salvar-se: “verificámos serem feios de bocadinhos de cortiça muito velha e já podre pregados uns aos outros com pregos de madeira, embora tivessem por fora a aparência de novos”.

No inquérito o segundo piloto declarou ainda que o comandante tinha pedido ao proprietário, no início da guerra do Pacífico, que colocasse paus de atracação no costado para os salva vidas, mas que este tinha recusado alegando que se tratava de um navio português, neutral, que “não corria perigo nenhum”, e por isso não precisava de trazer as embarcações atracadas ao costado.

Para além do pouco cuidado colocado nos meios de salvamento o Sado também não cumpria as normas impostas pelo Estado Maior Naval desde o início do conflito para facilitar a identificação, uma situação denunciada no relatório do capitão do porto de Macau, o tenente Andrade e Silva: “Verifica-se que, a pedido dos fretadores japoneses, e com o consentimento do proprietário e do Exmº Cônsul de Portugal em Shangai, o navio se encontrava inteiramente pintado de cinzento, como um navio beligerante, sem o nome pintado no costado, nem a bandeira nacional, que apenas era hasteada à popa durante o dia; durante a noite, o navio mantinha-se na maior escuridão, sem trazer acesos os faróis regulamentares”.

Esta chamada de atenção para o incumprimento das normas de identificação e iluminação parecem ter caído parcialmente em saco roto pois passado pouco mais de um ano o Wing Wah, da companhia Tai Lee, também sediada em Macau, era afundado em condições muito semelhantes. Apesar de ter as cores portuguesas pintadas no casco e ostentar a bandeira nacional, viajava – por ordens da empresa – com as luzes completamente apagadas. O ataque aconteceu na noite de 2 de Junho de 1943 e a chacina foi superior a qualquer outra registada entre navios portugueses afundados durante o conflito.

O Wing Wah era um vapor misto de 650 toneladas que realizava carreiras regulares entre Macau e os portos da Indochina. Nesta viagem seguiam a bordo 76 tripulantes, 53 passageiros, 46 toneladas de carga e 37 sacos de correspondência. O navio partiu de Fort-Bayard (actualmente Zhanjiang, na China) a 31 de Maio e tinha como destino Haipong, no Vietnam.

Os comandante Isaac de Lemos tinha acabado de se deitar, às primeiras horas da madrugada, quando ouviu a forte explosão e sentiu um abalo que o atirou para fora da cama: “Meio atordoado com a queda, (…) precipitei-me sobre a ponte a vi tudo despedaçado, o suporte da bússola totalmente deslocado e a cúpula fendida.”

O barco fora atingido na frente, a bombordo, e depressa o castelo da proa ficou submerso. Ainda mal estavam refeitos do primeiro susto quando o Wing Wah voltou a ser atingido por novo torpedo, que causou uma explosão “ tão estrondosa como a primeira”. “Foi tal o efeito da deslocação do ar que a cobertura da ponte de comando, (…) foi bruscamente arrancada e expelida para o mar”, relatou Isaac de Lemos que subitamente se encontrou na água, tentando chegar à superfície rodeado de destroço de metal e madeira. Sufocado pela água e pelos gazes da detonação conseguiu agarrar-se a uma bóia que lhe salvou a vida.

Com o segundo impacto as luzes interiores apagaram-se e o navio inclinou-se “pesadamente para a frente apressando a submersão que durou cerca de dois minutos”.

Na água o comandante ouviu as vozes do radio-telegrafista e do primeiro-oficial e depois de os chamar, ficaram os três agarrados à mesma bóia. Um marinheiro tinha conseguido soltar uma das baleeiras utilizando uma machadinha e foi essa única embarcação de emergência que reuniu os poucos sobreviventes do Wing Wah. Dos 76 tripulantes o salva vidas conseguiu recolher 15 e dos 53 passageiros apenas 1 foi metido a bordo. Quatro outros passageiros seriam recolhidos mais tarde por outro navio.

A eficácia do ataque e rapidez com que o navio se afundou impediu qualquer ajuda concertada aos passageiros e tripulantes que dormiam no interior do casco. O segundo torpedo atingiu a casa das máquinas, facilitando a entrada de água que terá bloqueado todas as saídas. A falta de luz e a confusão que se seguiu condenou 114 pessoas à morte.

A recolha dos poucos sobreviventes pela baleeira foi feita a medo pois dois projectores – afastados um do outro cerca de 200 metros – iluminavam continuamente o local do sinistro. Isaac de Lemos acreditava que eram luzes dos dois submarinos que tinham realizado o ataque e, temendo que os metralhassem, deu ordem para escapar do local.

Os náufragos encontravam-se a cerca de 38 milhas a Sudoeste do Farol Norway, perto de Haipong, e manhã do mesmo dia avistaram as ilhas da costa de Tonkin. Não puderam, no entanto aportar a nenhuma delas porque com a chegada de uma nova noite temiam encalhar o salva-vidas. Dormiram encostados uns aos outros e na manhã seguinte encontraram-se perdidos num labirinto de ilhéus na baía d’ Allong. Já temiam não conseguir sair daquele emaranhado quando foram recolhidos por uma pequena embarcação de pesca tripulada por “quatro homens, três mulheres e duas crianças”. 36 horas depois do desastre desembarcavam finalmente na cidade Hongai, no Vietname.

O USS Tambor

As luzes de que Isaac Lemos quis escapar logo após o ataque não eram dos submarinos que o tinham atacado, mas de navios japoneses que tentavam localizar o USS Tambor, um submarino americano, comandando pelo comandante Kofauver, que tinha disparado não dois, mas três torpedos em Direcção ao Wing Wah. Pouco depois de ter realizado o ataque foi também alvejado por dois torpedos inimigos, dos quais conseguiu escapar sem sofrer danos.

Nos registos americanos estes dois navios são referidos como presas pertencendo ao Japão e não é anormal encontrá-los referenciados como "Sado Maru" e "Wing Wah Maru" (ou também Eika Maru), mas o facto é pertenciam a companhias registadas em Macau, tinham tripulação portuguesa e chinesa, e os relatórios dos afundamentos encontram-se no Arquivo Histórico da Marinha.

O mesmo não aconteceu num outro caso. Para além do Sado e do Wing Wah, também o navio motor Guia foi afundado em 30 de Novembro de 1942, mas não se encontrava já sob ordens de uma companhia portuguesa. Tinha sido “aprisionado” pelos japoneses em Junho de 1941 e estava ao serviço destes desde então.

Carlos Guerreiro

quarta-feira, 29 de março de 2017

Guerra em Timor e Macau são temas para filme e livro

O livro “O Diário de Tenente Pires”, que relata a ocupação japonesa de Timor, vai servir de inspiração ao realizador português Francisco Manso quer fazer uma longa-metragem de ficção sobre o tema.

Tenente Manuel Pires
À Agência Lusa o realizador disse que pretende relatar "aquela barbaridade terrível. Os japoneses mataram milhares de timorenses, criaram campos de concentração para os poucos portugueses que ali viviam na altura, sem defesa nenhuma, porque quando pediram armas ao Salazar, ele ficou caladinho, porque não queria ali levantar problemas".

A resistência foi garantida por cerca de 300 australianos que "conduziram uma luta de guerrilha contra milhares de japoneses". 

Os australianos contaram com o apoio de timorenses e também de portugueses, "que foram considerados lesa-pátria em Portugal e foram exilados em Timor, mas esses é que eram verdadeiros patriotas porque tentaram defender Timor contra uma ocupação estrangeira", explica Francisco Manso.

O tenente Pires, português, "morre lá", depois de aprisionado pelos japoneses e de ter estado num campo de concentração.

A obra, acrescentou, "mostra o que aquele pequeno território sofreu ao longo de tempo, com estas sucessivas ocupações de gente musculada e bruta e de potências regionais". 

Para Francisco Manso, é "um prodígio como é que conseguiram resistir a tudo isto".

O argumento está escrito e os custos elevados do projeto deverão levar ao envolvimento da Austrália na produção. No próximo ano deverão ser realizadas as primeiras abordagens e levantamentos.


Rodrigues dos Santos escreve sobre Macau

“A Porta do Cerco” é o nome do romance que o jornalista e escritor José Rodrigues dos Santos está a escrever que tem como cenário Macau durante o período da II Guerra Mundial.

A ideia surgiu quando participou na primeira edição do festival literário Rota das Letras, em Macau, onde este ano é novamente convidado: "Há cinco anos estive em Macau e tive a ideia de fazer um romance que tocasse em Macau durante a II Guerra Mundial", disse o autor à Lusa.

Tal como todos os seus romances, "A Porta do Cerco" -- inspirado no nome da principal fronteira terrestre entre Macau e a China, chamada Portas do Cerco -- será alicerçado em factos históricos e centrado num século que o jornalista considera "muito interessante" por ser "de conflitos de ideologias". 

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Algumas perguntas a João Botas

João Francisco Oliveira Botas é jornalista na RTP e, há uma década, que se dedica a estudar a história de Macau, território onde viveu durante os anos 80. Desde 2008 que escreve periodicamente no blogue "Macau Antigo", projecto que fundou.

Em 2007 publicou o livro “Liceu de Macau: 1893-1999” e em 2012 “Macau 1937-1945, Os anos da Guerra”, onde aborda a temática relacionada com o complicado período da II Guerra Mundial e razão suficiente para fazermos algumas perguntas…

Aterrem em Portugal!: Porque resolveu escrever um livro sobre este tema?

João Botas: Sempre tive um enorme fascínio pela 2ª Guerra Mundial. Certamente por influência do cinema e da televisão. Por razões bem mais terrenas Macau ficou-me entranhada desde que ali vivi na década de 80 do século XX ainda um adolescente.

O interesse pela sua história surgiria anos mais tarde. Em 2005 durante as pesquisas para o livro “Liceu de Macau 1893-1999” deparei-me com uma manancial de informação tão vasto que mal terminei de escrever o livro, avancei com um outro projecto. Um blogue sobre a história de Macau, "Macau Antigo".

Porquê este período? Porque foi o tempo do domínio português? Não só, mas também. A verdade é que tinha de delimitar o raio de acção, caso contrário, perder-me-ia! Depois, queria tratar de temas com algum distanciamento temporal. Assim, a chegada e a partida dos portugueses de Macau pareceu-me a escolha mais acertada, mesmo correndo o risco de ser considerado um nacionalismo/ saudosismo bacoco. Com tanta documentação resolvi partilhá-la virtualmente com toda a gente na Internet e aos poucos fui percebendo que centenas de pessoas estavam interessadas. Dedução óbvia: se quase mil pessoas tinham adquirido o livro sobre a história do liceu, por certo pelo menos outras tantas, senão mesmo mais, gostariam de saber mais sobre este ou aquele período da história de Macau menos conhecido.

A primeira metade do século XX pareceu-me o período mais fascinante e ‘lá dentro’ estava a Guerra do Pacífico. Uma guerra que fui ‘acompanhando’ através do cinema – quase sempre filmes passados ora na Europa ou nalguma ilha do Pacífico.

Apesar de ser um dos períodos mais conturbados e marcantes da história de Macau não havia uma obra que sistematizasse este período. Este livro foi feito com o objecto de colmatar essa falha.


AP: Como viveu Macau o período da II Guerra Mundial?

JB: Ponto minúsculo de exclamação ocidental no Extremo Oriente, Macau foi desde a chegada dos portugueses um milagre de sobrevivência. Nos “anos da guerra” o milagre voltou a acontecer.

No Natal de 1941 quando a 2ª Grande Guerra ganhou dimensão mundial e se estendeu à região da Ásia-Pacífico já a então colónia portuguesa – a primeira e a última possessão europeia na Ásia – vivia a braços com a guerra sino-japonesa iniciada anos antes e consumada face aos aliados com a invasão de Hong Kong.

“Maus dias se vislumbravam para Macau, dias de luto e miséria, dias de amargura e cativeiro...” O território escapou às agruras dos combates mas não aos efeitos nefastos do conflito graças a uma neutralidade “colaborante” (im)possível e esteve muitas vezes na eminência de ser invadida pelas tropas nipónicas que do outro lado da Porta do Cerco combatiam os chineses.

No entanto, a invasão surgiria de onde menos se esperava com o ataque de aviões norte-americanos no início de 1945. De Lisboa vão instruções para não hostilizar as forças beligerantes, assegurar a neutralidade e sobreviver.

Encurralada e isolada do mundo durante quase 10 anos, Macau viveu um dos períodos mais conturbados da sua história e então, como nos primórdios da sua fundação no século XVI, tornou-se porto de abrigo para milhares de refugiados que ali encontraram “um fugaz mas sublime parêntesis de paz num mundo em guerra”.

A população de pouco mais de 200 mil almas passou, de repente, para mais de meio milhão. Quase triplicou. Num ínfimo espaço habitado por um mosaico de povos os contrários foram sendo conciliados numa diplomacia quotidiana marcada pela fome e pela morte mas também pela solidariedade e esperança de melhores dias.

Diversos relatos falam de pessoas que entre as fezes procuravam os alimentos que não tivessem sido digeridos para lhes saciar a fome. Na luta pela sobrevivência nem todos foram bem-sucedidos mas o ‘milagre’ de Macau salvou a vida a milhares de pessoas e encerra em si o ‘segredo’ de uma história secular onde a cidade foi não só “um oásis de paz” mas também um “teatro de guerra”.


AP: Que influência tiveram os japoneses na vida da cidade?

JB: Continua a ser um mistério a razão pela qual os japoneses de alguma forma respeitaram a neutralidade de Portugal face ao conflito. Isso dava um trabalho de investigação interessante mas implicaria a consulta, entre outras, de fontes japonesas. Só com uma bolsa de investigação... No livro, mais do que uma resposta cabal, que não sei se algum dia existirá, apontam-se várias hipóteses: a comunidade japonesa no Brasil, a questão de Timor, etc.


Para adquirir o livro contacte o autor
em macauantigo@gmail.com

AP: Apesar da neutralidade registaram-se ataques no território. Pode descrever o que aconteceu?

JB: O ataque dos caças norte-americanos ao Porto Exterior foi apenas um entre vários mas talvez o mais emblemático e numa fase em que a guerra estava quase a acabar. Durante anos temeu-se um ataque dos japoneses mas acabou por vir de onde menos se esperava.

As autoridades de Macau actuavam 'no fio da navalha' tentando sempre não ferir demasiado as susceptibilidades nipónicas por forma a garantir pão e água para a população que passou de 200 para cerca de 700 mil almas no espaço de dois ou três anos.

Naquele contexto a arte de governar era um equilíbrio precário e muitos episódios contados no livro revelam isso mesmo. Foram anos em que se vivia com senhas de racionamento e um cate de arroz podia valer uma jóia de família.

Pedro Lobo, funcionário público na época, era o interlocutor privilegiado nas negociações com os japoneses. Foi nesta época que Stanley Ho deu os primeiros passos no mundo dos negócios.


AP: Qual foi a atitude de Lisboa perante a situação vivida naquele território?

JB: Não foi a primeira vez, nem seria a última, que Macau se tornou porto de abrigo para milhares de refugiados, a maioria oriundos da China.

O governo de Gabriel Maurício Teixeira apercebeu-se desde muito cedo do que se iria passar e preparou-se o melhor que pôde para acolher todos quantos fizeram de Macau a sua casa durante o conflito.

Macau era de facto um porto seguro, não obstante todas as contingências, nomeadamente a escassez de alimentos. Experimentem pegar no mapa-mundo da época e verifiquem a imensidão de território ocupado pelas forças japonesas em especial a partir de 1940-41.

A seguir comparem, à mesma escala, o ponto minúsculo que Macau representa nesse mapa. Pois bem, esses pouco mais de 12 km quadrados - onde a bandeira portuguesa nunca foi substituída pela do império do sol nascente - representaram para milhares de pessoas a diferença entre a vida e a morte. Com muitas dificuldades é certo, mas passada a tormenta puderam perseguir as suas vidas.

Foi muito importante o papel dos macaenses que viviam em Hong Kong e que depois da ocupação japonesa procuraram refúgio em Macau. Os representantes das diversas comunidades de estrangeiros que viviam no território deixaram nota pública do seu profundo agradecimento ao governo de Macau.


Carlos Guerreiro

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Ataque" português a aviões japoneses

O hidroavião Osprey 71, com a cruz de cristo, começou a descrever um arco largo sobre Macau, quando surgiram seis outros hidroaviões japoneses, em dois grupos de três. Voavam mais alto que o aparelho luso e em direcção contrária, mas rapidamente tomaram rumo para o avião português.

No porto de Macau, a bordo do aviso Bartolomeu Dias, o oficial de dia, tenente Manuel Antunes Cardoso Barata, apercebeu-se do que se estava a passar no céu e seguiu a acção com toda a atenção. Viu um primeiro grupo de três aviões a virar seguido logo depois dos outros três.

O Osprey do Bartolomeu Dias acusado de hostilizar seis aviões japoneses.

Os primeiros aparelhos aproximaram-se do Osprey, enquanto desciam, e pouco depois retomavam o rumo anterior. O segundo grupo comportou-se de forma diferente.

Segundo o relatório, deixado pelo tenente Barata no diário de bordo do Bartolomeu Dias, o grupo japonês “desceu até à altitude de voo do Osprey 71 envolvendo-o, quasi sempre recuado, fazendo picadas, cabrando, virando rápidos ou fazendo reversements”.

O avião português continuava o seu rumo imperturbado.

Os japoneses estiveram pouco tempo nestas manobras e no momento que regressavam ao seu rumo inicial “chegou até ao navio, ouvindo-se distintamente no castelo, o ruido de uma rajada de metralhadora que não é fácil calcular quando e em que circunstância teria sido dada”, continua o relatório.

O avião português, que pertencia ao aviso, amarou pouco depois junto do navio, mas nem o piloto - 2º tenente Rodrigo Henriques Silveirinha – nem o 2º tenente Cardoso Dias que tinha subido para testar o rádio, se tinha apercebido da presença de outros aparelhos e ainda menos de uma rajada de metralhadora.

Num relatório o 2º tenente Silveirinha explicaria porque não se teria apercebido de qualquer facto: “Dada a natureza do voo (…) fiz quase sempre navegação pelos instrumentos de pilotagem sem visibilidade exterior, levando portanto a minha atenção presa para dentro do aparelho; o observador andou sempre no fundo do avião junto ao posto de TSF – desta maneira se pode explicar que nenhum de nós tivesse notado a aproximação de outros aviões”.

Informado das duas versões o comandante do Bartolomeu Dias, Francisco Luiz Rebello, considerou que os factos se resumiam “a uma simples presunção do oficial de dia, não quanto às manobras dos aviões, mas quanto à distância a que eles estavam do nosso”. Viria a arrepender-se destas conclusões.

Estávamos a 12 de Janeiro de 1938. Os japoneses disputavam os territórios Chineses e encontravam-se às portas de Macau. A guerra no Pacífico estava longe de se ter generalizado. Só em 1940 os ingleses e a Commonwealth entrariam na contenda enquanto os americanos fariam o mesmo em 1941.

Macau permaneceu sempre com bandeira portuguesa durante ao conflito, mas registaram-se claros avanços e ataques japoneses (ou com apoio japonês) no território e nas ilhas circundantes – algumas reclamadas pelos portugueses. E já neste caso os japoneses mostraram algum músculo frente ao governo de Salazar.

Dias depois do incidente o comandante Francisco Luiz Rebello era chamado pelo governador do território, Artur Tamagnini Barbosa, para dar satisfações sobre um telegrama que chegara do Ministério das Colónias e onde se dava nota de que o Ministro Japonês em Lisboa tinha apresentado “um protesto contra o facto de o nosso avião ter cometido um acto de hostilidade contra uma esquadrilha de aviões japoneses“.

 
 Os Avisos como o Bartolomeu Dias, transportavam um hidroavião.
(Foto: Blogue Nenotavaiconta)

O comandante do Bartolomeu Dias teve de explicar-se por não ter referido antes o incidente, enquanto se mostrava surpreendido pela forma como os japoneses “interpretavam” os acontecimentos.

“Respondi ao senhor Governador que isso não era verdade porque em primeiro lugar o nosso avião sobrevoa apenas os nossos territórios quer marítimos quer terrestres e em segundo lugar porque não se compreendia que o nosso avião não tendo meios de defesa ou de ataque, visto que a metralhadora não anda montada, fosse hostilizar qualquer avião”, esclarece num relatório extraordinário enviado ao “Excelentíssimo Senhor Major General da Armada”.

Estranhamente os japoneses entram em contradição no decorrer do processo. De Lisboa protesta-se contra um suposto acto de hostilidade, enquanto em Macau, e sem que o comandante do Bartolomeu Dias fosse informado, as autoridades japonesas tinham pedido desculpa ao chefe dos serviços de marinha que “lamentavam” o ocorrido. Pediam mesmo, para evitar que se repetissem incidentes que os aviões portugueses evitassem a proximidade das áreas ocupadas pelas tropas nipónicas.

Por todas estas razões o comandante Francisco Luiz Rebello não tem duvidas em afirmar, de forma oficial, que “o nosso avião foi alvo de fogo dos aviões japoneses sobrevoando as nossas águas e não nas proximidades de posições japonesas”.

Carlos Guerreiro

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