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quarta-feira, 23 de março de 2022

«Memórias e palavras»
"Porque não me escreve o meu pai?"

A ausência de notícias do pai é a preocupação central neste postal enviado de Lisboa para Beneveneto, em Itália, em março de 1943. 

A autoria parece ser de uma mulher - identifica-se apenas por Vall - e nas linhas que envia à amiga - Anna Salossolo - apela para que esta tente saber informações do pai sobre o qual não tem notícias há mais de um ano. 


O facto do postal estar escrito em francês poderá significar que Vall era dessa nacionalidade ou originária de uma zona francófona. Por outro lado não se pode esquecer que o francês era então a língua franca na Europa, uma língua universal, entendida pelas elites europeias fossem de que país fossem. 

Parece certo que nem Vall nem o pai eram de Itália. Ela diz claramente que teme que o progenitor possa estar no seu país, e que algo lhe pode ter acontecido. 

Vall foi certamente uma das muitas refugiadas que chegaram a Portugal à espera de deixar para trás a ameaça do nazismo. As Caldas da Rainha, onde residia quando escreveu estas linhas, foi local de abrigo, esperança e espera para muitos dos que rumaram a este extremo da Europa na esperança de encontrar transporte para uma nova vida. 

É um pedido de ajuda de alguém em fuga que se terá repetido - de quantas formas diferentes - durante aqueles anos? 

E quantas vezes se terá multiplicado nos últimos anos e dias, talvez já não em papel, mas em redes sociais e mensagens electrónicas? 

Quantas? 

Numa tradução livre e - acredito - fiel ao conteúdo fica a tradução do postal. Os anos de francês vão longe e também reconheço que sem ajuda do tradutor do Google não teria sido possível chegar tão longe. 

Se alguém tiver leitura diferente daquela que fiz, agradeço o contacto… 



Para: 
Madame Anna Salossolo
Viale Atlantici Benevento
Italie 


Lisboa, 3-III-1943 

Minha muito querida, 

Agradeço muito a tua carta, mas não compreendo porque não me escreve o meu pai, se está com com M. Wieselthier. 

Acredito pelo contrário que ele está ainda no seu país e tenho de saber a sua morada. Peço-te que faças alguma coisa para ajudar, pois não te arrependerás, asseguro-te. 

Sei que tens um bom coração, que também tu amas os teus pais e compreendes o meu pesar pelo facto de não ter qualquer sinal de vida do meu pobre velho durante este ano e meio.

Estou fora de mim e és a única que me podes ajudar. Mudei de morada que neste momento é: Caldas da Rainha, 62 Cândido dos Reis, Portugal. 

Estou durante alguns dias em Lisboa para acompanhar amigos que partem amanhã. Dentro de três dias regresso às Caldas. Ficarei depois algumas semanas em Portugal e ignoro ainda a data da minha partida. 

Estou bem graças a Deus e penso muito nele. Haveremos de nos reencontrar com a ajuda do bom Deus, tenho a certeza. 

Se eu soubesse a morada do meu pai e tivesse a certeza de que ele ainda está vivo e de boa saúde estaria feliz e suportaria isto com mais paciência. 

Escreve-me o mais depressa possível e recebe a minha ternura… 

A tua Vall

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