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segunda-feira, 19 de abril de 2010

O que aconteceu em Katyn


Nos últimos dias, e devido à morte do presidente da Polónia, falou-se muito em Katyn. Para os menos informados tratou-se de um massacre que eliminou milhares de polacos da elite militar logo a seguir à divisão do país entre alemães e russos. Quem revelou o massacre seriam os alemães ainda no decorrer da II Guerra Mundial. Os Russos negaram durante décadas a autoria do massacre mas mais recentemente acabaram por reconhecer que as seus comissários políticos eram os autores da atrocidade. Fica aqui um texto sobre o Museu da Katyn, publicado no site da RTP. Trata-se de uma exposição um pouco longa... mas traz tudo perfeitamente claro. (O link encontra-se no final do texto)


Museu de Katyn
Mais de 20 mil oficiais e polícias polacos eliminados por Estaline

por Paulo Alexandre Amaral, RTP

O Museu de Katyn, na capital polaca de Varsóvia, contém documentos e objectos pessoais que permitem de forma particular perceber a dimensão da tragédia que foram os massacres dos polacos em território soviético durante a II Grande Guerra.

Acima de tudo, o Museu de Katyn é uma luta pela memória, um esforço das famílias dos 20 mil polacos assassinados pela polícia secreta de Joseph Estaline para recuperar uma verdade que permaneceu obliterada por décadas de simulações: a detenção, expatriação, encarceramento e execuções sumárias dos oficiais do exército e da polícia polacos levados a cabo pelos estalinistas durante a II GG, precisamente entre Setembro de 1939 e a Primavera de 1940.

Os meses de Abril e Maio de 1940 ficarão para a história como o período em que, na sequência de uma proposta de Lavrentyi Beria, o chefe da secreta de Estaline (NKVD - Narodniy Komissariat Vnutrennikh Diel, o Comissariado do Povo para os Assuntos Internos), é levado a cabo um dos maiores massacres da guerra 1939-1945, sendo totalmente ignoradas as determinações da Convenção de Genebra: são executados, por norma com uma bala na nuca, 21 768 oficiais do exército, polícias e outros cidadão proeminentes da sociedade polaca.

Depois de décadas a apadrinhar versões que atribuíam aos nazis o papel de verdugos, apenas em 1990, meio século após a II GG, a Rússia, então em mudança de regime, assumiria as responsabilidades pelo homicídio em massa. Por isso, mais do que a homenagem, foi pela reposição e preservação da verdade que lutou a Federação das Famílias de Katyn. A 25 de Março de 1992 pedem ao Presidente Lech Walesa para que, também enquanto chefe máximo das Forças Armadas, apadrinhe o projecto.

A 27 de Março de 1992, o exército declara-se preparado para criar o Museu de Katyn, que ficará instalado no Forte Militar N.º XI "JH Dabrowski, em Varsóvia. O museu abre portas cerca de um ano depois, a 29 de Junho de 1993 como "o símbolo da política de extermínio do governo soviético sobre a nação polaca". São abertas na altura duas salas com os objectos recuperados nas primeiras exumações (1991). O museu virá a ter cinco secções (400 m2 são acrescentados aos 200 m2 iniciais) que aglomeram o espólio desenterrado nas valas comuns soviéticas em trabalhos de exumação posteriores. É a procura de conservar a história e as histórias dos acontecimentos da Primavera de 1940 num arquivo que ficará aberto ao Mundo e que disponibiliza objectos e documentos recuperados das valas da morte na floresta de Katyn (pequena localidade próxima da cidade russa de Smolensk), Kharkov (actualmente a segunda cidade da Ucrânia, na altura parte da União Soviética) e Miednoje (Rússia).

Em Katyn foram executados cerca de 4500 oficiais que estavam encarcerados no campo de Kozielsk; em Kalinin (depois enterrados em Miednoje) 6300 oficiais da polícia que eram mantidos no campo de Ostachkov; e em Kharkov 3800 oficiais do campo de Starobielsk (enterrados em Piatykhatky). Escapam ao massacre 395 prisioneiros: 205 de Kozielsk, 112 de Ostachkov e 78 de Starobielsk.

A ordem de execução foi assinada a 5 de Março por quatro membros do Politburo: Estaline, Vyacheslav Molotov, Kliment Voroshilov e Anastas Mikoyan. O documento determinava a morte de 25 700 polacos "nacionalistas e contra-revolucionários", deportados em finais de 1939 para os campos russos e prisões na Ucrânia e Bielorrússia (os restantes campos eram os de Jukhnov, Kozielchtchan, Oran, Putyvl, Wologod e Griazov).

O museu guarda objectos, documentos, arquivos, testemunhos, imagens, filmes, fotografias relacionadas com as vítimas, que estão enumeradas num ficheiro central.

Museu dividido em cinco secções

Na primeira secção é traçado o cenário preparado entre a Alemanha de Hitler e a URSS de Estaline e que permitiria os terríveis acontecimentos de 1940. Após fortes ataques à Polónia concertados entre os dois países durante o mês de Setembro, a 23 de Outubro de 1939 os ministros dos Negócios Estrangeiros alemão e soviético, Joachim Ribbentrop e Vyacheslav Molotov, assinam em Moscovo um pacto de não-agressão. Era na verdade um pacto de cooperação para a partilha do território polaco mediante a fronteira constituída pelos rios Narvia, Vístula e San.

A França e a Inglaterra, que tinham com a Polónia um pacto de defesa comum no caso de uma invasão, nada fizeram. Esta passividade passou a ser referida como um acto de traição e a Polónia passava então a ser partilhada entre Alemanha e URSS, que a 28 de Setembro voltavam a dividir o país através da linha Ribbentrop-Molotov. Os soviéticos garantem 202 000 km2 a Leste e os alemães 188 000 km2 a Oeste.

O cenário era perfeito para a intervenção da NKVD. O controle de vários sectores e estruturas da sociedade era uma das funções da secreta de Estaline. Outra era a repressão de qualquer actividade considerada contra-revolucionária, dentro e fora da URSS. Imbuída de um espírito estalinista - que a todo o custo deveria ser implementado nos movimentos de esquerda por todo o Mundo - as actividades da NKVD, que apenas responde perante Joseph Estaline, visam os inimigos do Estado soviético (os inimigos do povo).

Esta é a sorte que está reservada aos militares polacos que, seguindo ordens superiores, tentavam reorganizar-se fora do país (na Hungria e na Roménia). No entanto, surpreendidos pela força invasora, mais de 240 000 seriam feitos prisioneiros e em breve enfrentariam a arbitrariedade da secreta soviética.

Os documentos mostram que nos campos de prisioneiros se encontravam vários generais, oficiais de carreira, mais de oito mil, e oficiais de reserva (académicos, professores de Liceu, universitários, médicos, veterinários, farmacêuticos, advogados, engenheiros, padres de todos os credos, deputados, senadores, funcionários dos ministérios, diplomatas, banqueiros, industriais, investidores do imobiliário, escritores, artistas, músicos, políticos, desportistas e campeões olímpicos). Os generais, oficiais, altos funcionários do exército e do Estado foram conduzidos a Kozielsk e Starobielsk. Os agentes de informações e contra-espionagem, funcionários do corpo de segurança e fronteiras, guardas prisionais, elementos da polícia são colocados em Ostachkov.

Décadas depois é ainda discutida a verdadeira motivação de Estaline para levar por diante o massacre de Katyn. Os cenários do pós-guerra, a manutenção do domínio sobre os territórios Leste da Polónia e, por conseguinte, a decapitação e enfraquecimento do Estado polaco, são algumas das razões apontadas.

A partir deste momento e até à execução, os processos sumários repetem-se aos milhares. O Museu de Katyn revela o documento assinado por Beria no qual fica explícita a única intenção dos soviéticos: a eliminação da totalidade dos prisioneiros polacos. Dirigindo-se a Estaline, o chefe da secreta remete um comunicado em que propõe a morte por fuzilamento (na verdade, a prática será o tiro na nuca - com pistolas Walter alemãs porque as russas dão um coice que torna as execuções penosas para os carrascos), explicando os procedimentos, desde o teor da acusação (na realidade, ausência de acusação) até às conclusões dos inquéritos. Nesse documento ultra-secreto Beria discrimina a condição dos prisioneiros, militar e profissionalmente.

Prisioneiros do campo de Kozielsk
A segunda secção do Museu de Katyn é dedicada aos prisioneiros do campo de Kozielsk, situado 250 km a Leste de Smolensk, onde serão levadas a cabo as execuções. Os 4750 polacos são colocados nas instalações abandonadas de um antigo convento: Optina Pustin.

Do convento, os prisioneiros eram levados primeiro de comboio e depois de autocarro até à floresta de Katyn, onde eram colocados à beira das valas comuns e assassinados com uma bala na nuca. As viagens começaram a ser feitas a 3 de Abril e o processo só estaria concluído a meio de Maio.

Katyn é o primeiro local a levantar o véu do plano Beria-Estaline. Em 1942, trabalhadores polacos ao serviço dos alemães, que entretanto haviam avançado sobre o território soviético e dominavam a região de Smolensk, ouviram dos habitantes locais sobre a existência de valas comuns contendo os corpos de oficiais polacos.

Na verdade, a Alemanha apenas mostraria interesse em 1943. No entanto, rompidos os acordos Ribbentrop-Molotov, rapidamente o regime nazi procura capitalizar com o massacre. Uma comissão exuma 4143 cadáveres, apenas interrompendo os trabalhos em Junho devido às temperaturas elevadas. Foi possível recuperar vários objectos cujo destino seria Cracóvia, para um estudo mais detalhado. Na mesma altura, foram identificados os corpos de dois generais, a quem foi dada sepultura individual.

No que se tornaria um esgrimir de culpas arrastado por décadas, e apesar de logo em 1943 se terem imprimido títulos nos jornais polacos a imputar responsabilidades aos soviéticos (jornais expostos pelo museu), o exército vermelho reconquista aquele território e recorre desde logo a expedientes para que os nazis venham a lidar com o crime: desenterram os corpos e voltam a enterrá-los com cartas e jornais datados de 1941, aquando da invasão pelas tropas do eixo, para provar que os polacos estavam vivos à data e que, portanto, teriam sido os nazis os responsáveis pela sua eliminação.

Durante o julgamento de Nuremberga, os soviéticos tentaram ainda apontar os nazis como responsáveis, mas a ausência de provas fez cair esta tese pela base. Em 1990, meio século após o massacre de Katyn, a TASS (Agência Telegráfica da União Soviética) emite uma declaração na qual a responsabilidade por Katyn é atribuída ao regime estalinista, nomeadamente Beria e Merkoulov, um dos membros do partido que deveria assinar as ordens de execução.

Campo de Starobielsk

A terceira secção do museu é dedicada aos cerca de 4000 prisioneiros de Starobielsk, cujo campo é mantido num velho convento na Ucrânia. O extermínio decorreu aqui entre 5 de Abril e 12 de Maio. Levados para a sede do NKVD em Dzierjinski, o método repetia-se: uma bala na nuca.

No total, foram executados 3809 oficiais, entre os quais oito generais.

Uma das particularidades deste campo tem a ver com o facto de ali terem sido recuperados os corpos de duas mulheres, as únicas vítimas do sexo feminino neste massacre. Um dos corpos pertencia à filha de um general que tinha uma patente militar equivalente a tenente.

Outras das particularidades de Starobielsk tem a ver com os objectos que foram recuperados durante as exumações. Estes permitiram datar de forma precisa a data dos eventos e a identidade das vítimas.

O campo reservado aos oficiais da polícia polaca

O campo de Ostachkov era ocupado por 6300 elementos da polícia polaca (também guardas-fronteiriços, funcionários do Estado-Maior do Exército e do Ministério da Justiça), que seriam assassinados em Kalinin. Mais uma vez, solo religioso foi o local escolhido para instalar a prisão: serviu a função o mosteiro ortodoxo Nilova Pustyn.

A recomendação de Beria seria ali tomada entre 4 de Abril e 19 de Maio e os corpos enterrados em Miednoje. Após as exumações dos corpos dos prisioneiros de Ostachkov, que tiveram lugar em 1991 e estão documentadas na quarta secção do Museu de Katyn, foi também possível determinar três elementos fundamentais neste episódio da história: a identidade das vítimas, a data da execução e a autoria do crime.

Sala da homenagem

Na última secção, a sala da homenagem, estão expostos objectos pessoais das vítimas, fotografias e, por fim, o texto que assinalou a inauguração do monumento dedicado "aos mortos e aos assassinados no Leste, vítimas da agressão soviética", que se encontra em Varsóvia.

Nesta quinta secção acrescenta o Museu de Katyn documentos que comprovam que a guerra colheu, para além dos polacos de uniforme, vítimas civis, homens e mulheres de todas as idades. É dado testemunho de quatro deportações de polacos durante esse ano de 1940, entre Fevereiro e Junho, em particular de todos aqueles que fossem familiares de membros do exército e da polícia. Foram 330 000 os deportados que seguiram rumo à União Soviética. Mais de 200 000 jovens seriam forçados a alistar-se no Exército Vermelho.


Link: http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Mais-de-20-mil-oficiais-e-policias-polacos-eliminados-por-Estaline.rtp&article=337087&visual=3&layout=10&tm=

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