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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Lisboa, arte e guerra...
Inconfidências fatais e negócios de ocasião

Quando Hugo Andriesse encontrou Georg Hoffmann nas ruas de Lisboa, em finais de 1940, deve ter pensado que encontrara a solução para recuperar a colecção de quadros que deixara escondida à guarda do Museu Nacional da Bélgica. Não podia adivinhar como estava errado...

Andriesse era um importante industrial e colecionador de obras de arte. Nascido na Holanda e radicado na Bélgica, seria um dos muitos judeus a engrossar as colunas de refugiados que chegaram a Lisboa depois do avanço alemão sobre a Bélgica e sobre a França em 1940.

"A rapariga com o Papagaio", de Caspar Netscher, é um dos quadros da colecção de Hugo Andriess que nunca foi recuperado. No Von der Heydt Museum, na cidade de Wupertal, na Alemanha, está exposta uma pintura muito semelhante, mas o facto de existirem diversas cópias tem impedido as autoridades de o reclamar.

Com mais de setenta anos a sua posição social garantiu-lhe um bilhete para a América, mas para trás deixou, protegida nos abrigos antiaéreos do Museu Nacional da Bélgica - o “Musee Cinquantenaire” -, toda a sua colecção de pinturas e outras peças artísticas.

Durante anos prometera aos responsáveis da instituição deixar-lhes alguns quadros em testamento. O museu não colocou, por isso, quaisquer dificuldades para “abrigar” as obras de arte.

Em Lisboa os seus passos cruzaram-se com os do alemão Georg Hoffmann em Outubro de 1940. Conheciam-se. Hoffmann era um dos representantes comerciais da Galeria Katz, de Paris, onde o industrial tinha adquirido parte importante das obras da sua colecção.

Andriesse terá acreditado que Hoffmann - um alemão - conseguiria recuperar o seu tesouro. Confiou-lhe um pedido de ajuda. Queria que ele resgatasse da Bélgica os quadros, as tapeçarias e os tapetes.

O alemão mostrou-se interessado em ajudar e extorquiu todas as informações que pode. Depois dirigiu-se ao Cônsul Alemão em Lisboa e fez a denúncia: o museu nacional belga guardava a colecção particular de um judeu.

Estranhamente nada aconteceu…

Mas em Agosto de 1941 Hoffmann foi preso em Berlim e, durante o interrogatório, voltou a denunciar a existência dos quadros. Garantiu que eram mais de 60, entre eles “A Jovem” De Rembrant, para além de telas de Ticiano, Salomon e Ruysdael.

Mostrou-se também disponível para ajudar na sua identificação, pois conhecia-as do tempo em que negociara com Andriesse na Katz, em Paris. Assegurava também que o chauffeur do empresário - que conhecia apenas como Jean – ajudara a esconder a colecção e, com “um incentivo financeiro”, não teria problemas em dar uma ajuda na sua recuperação.

Em Outubro os alemães começaram a interrogar e a pressionar os responsáveis do Musee Cinquantenaire. Estes agarravam-se às promessas Andriesse. Se após a morte do empresário iriam herdar as pinturas eram legítimos proprietários do estava encerrado nos seus abrigos antiaéreos.

De pouco serviram as questões levantadas. O chauffeur ajudou a identificar as caixas que pertenciam ao ex-patrão e a meio de Dezembro foi tudo confiscado pela Unidade Especial Rosenberg (Einsatzstab Reichsleiter Rosenberg ou ERR) encarregada por Hitler de cuidar das questões culturais da Alemanha.

Esta unidade especial seria responsável pelas maiores pilhagens da guerra, devidamente registadas e catalogadas. Num documento de 1944, encontrado mais tarde pelos americanos, a ERR assegurava orgulhosamente, ter “salvo para a Europa” quase 30 mil peças de arte entre quadros, esculturas, tapeçarias, pratas, ouros, loiças, livros e muito mais. Parte deste saque nunca seria recuperado…

A colecção de Andriesse era constituída por cinco tapeçarias e 17 tapetes orientais antigos, para além de 28 quadros encerrados em caixas especiais. Entre estes encontravam-se, para além dos autores já referidos, também um Netscher, um Goyen e um Cuyp.

Andriesse viria a morrer em Nova Iorque, em 1942 e não voltaria a ver os seus quadros. Depois da guerra o Museu Cinquantenaire e familiares deram início ao processo de recuperação das obras de artes. Setenta anos passados, algumas nunca reapareceram.


Na arte do negócio

Há poucas certezas sobre a quantidade e a qualidade das obras de arte que circularam pelo país durante a guerra, até porque, como se viu, era importante manter a discrição para evitar o apetite dos nazis e dos seus protegidos.

Pela capital portuguesa circularam centenas, senão milhares, de pinturas, esculturas e outras peças artísticas. Para muitos refugiados, equivaliam a um seguro, uma garantia de dinheiro rápido em caso de emergência, razão porque encontravam facilmente lugar na bagagem, mesmo quando esta era de magro porte.

Talvez por isso podiam-se encontrar, em Março de 1942, diversos quadros de Hooch, Brueghel, Van Goyen, Tiepolo Diaz, Troyon, Whistler, Potter e Liebermann nas mãos da empresa Eco Trading, sedeada em Lisboa.

A informação - contida num relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros Britânico, elaborado em Abril de 1945 - adianta que a companhia justificou a propriedade com a aquisição de algumas pinturas em “leilões e lojas de antiguidades de Lisboa”, enquanto outras pertenciam ao refugiado judeu alemão, Wilhelm Artmann, um dos milhares que tinham chegado a Portugal após a invasão da França.

Negociante de arte comprara os Liebermann em Berlim quando Hitler mandara retirar de todas as galerias públicas os trabalhos de artistas judeus. Outros sete quadros tinham sido comprados no Luxemburgo e mais quatro ou cinco já em Lisboa.

Ainda em Portugal, um outro refugiado chamado Adolph Weiss tinha à venda um conjunto de tapeçarias e um tríptico. Fora cônsul de Portugal em Viena, na Áustria, durante 25 anos, mas por ser judeu tivera de fugir depois da anexação do seu país, estabelecendo-se no Estoril.

Assegurava que as obras lhe tinham sido entregues pelo Arquiduque Frederico da Áustria em pagamento de uma dívida. As autoridades britânicas e americanas suspeitavam, no entanto, que estas eram pilhadas, facto que “talvez” Weiss desconhecesse.

Em 1944, o ex-cônsul propôs ao Governo de Salazar a compra das sete tapeçarias. Retratavam a “história de Esther” e teriam sido oferta de casamento da rainha francesa Maria Antonieta à Irmã, Maria Cristina, no século XVIII.

O Governo português não se terá interessado pela proposta e o mesmo aconteceu, mais tarde, com o Governo britânico. O tríptico foi oferecido a uma galeria britânica, mas também aqui se gorou o negócio.

A única proposta concreta para a aquisição das tapeçarias terá vindo do Governo de Vichy, que terá adiantado 55 milhões de Francos pelas tapeçarias, mas estas nunca lhe chegaram às mãos.

O intermediário neste negócio era Antonio Pacetti, uma das muitas figuras intrigantes que passaram por Lisboa. Era suspeito de ser um agente do eixo envolvido no tráfico de obras de arte, e, em 1945, vivia na Suíça, enquanto estava sob investigações dos vencedores da guerra.

Curiosamente Pacetti apresentava-se, no pós-guerra, como vendedor das tapecçarias, não sendo claro se o fazia em nome pessoal ou em representação de Weiss, pois ambos – aparentemente - se diziam donos das peças e, tanto um como outro, procuravam clientes americanos para vender as vender por muitos “milhões de dólares”.

Carlos Guerreiro

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