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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Lisboa, Arte e Guerra
O Excalibur e o senhor Fabiani

O comandante americano, Samuel Grove, opôs-se como pôde tentando evitar que violassem o cofre do seu navio. Perante os protestos, os ingleses abriram a porta de aço com um maçarico de acetileno e apreenderam os caixotes que continham quase seiscentos quadros de nomes grandes das artes francesas e não só. Foi também retirado um caixote com livros raros.

Esta aguarela de Cézanne ficou "esquecida" na Galeria Nacional do Canadá, em 1949, depois da entrega das obras apreendidas no "Excalibur" ordenada por um tribunal. Os responsáveis pelo Museu garantem que estão a procurar os herdeiros legítimos para a entregar.

Entre as pinturas e desenhos, que pertenciam à conhecidíssima colecção Vollard, encontravam-se cerca de 270 obras de Renoir, várias dezenas de Cézanne e de Ruoault, para além de trabalhos de Picasso, Degas, Gaugin, Domier, Vuillard, Utrillo, Morizot e vários outros.

Os britânicos conheciam bem a carga até porque tinham autorizado a sua exportação. Em 25 de Setembro de 1940, os caixotes contendo a carga preciosa, tinham embarcado em Lisboa, no navio americano e neutral da “American Export”, o S.S. Excalibur, que ligava regularmente Portugal à América.

A licença tinha sido pedida por Martin Fabiani, uma personalidade duvidosa envolvida no tráfico de obras de arte pilhadas, muitas delas roubadas pelo regime nazi.

Foram dúvidas sobre a posse das peças, a personalidade de Fabianni e as suas intenções que levaram os ingleses a dar a ordem de apreensão. O Excalibur foi forçado a aportar nas Bahamas, em 3 de Outubro, pelas autoridades aduaneiras britânicas. Os caixotes, que se destinavam à Galeria Bignou de Nova Iorque, ficariam retidos naquele porto durante cerca de um mês e depois – temendo que o clima húmido danificasse as obras – foram colocadas à guarda da Galeria Nacional do Canada, onde ficariam até depois da guerra.


A colecção Vollard

Ambrose Vollard foi uma daqueles galeristas com olho para a arte e para o negócio. Um mecenas à moda antiga, descobriu e lançou artistas que hoje são incontornáveis na história da arte. Apoiou-os e financiou-os quando eram desconhecidos e não tinham recursos. Lançou-os quando entendeu que estavam prontos.

Foi ele que descobriu Cézanne e durante toda a sua vida seria o único galerista autorizado a vender as suas obras. Muitos outros recorreram aos seus préstimos e conhecimentos. Entre os seus protegidos estiveram também Renoir, Picasso, Gaugin, Rouault e Van Gogh.

Quando morreu, no dia 21 de Junho de 1939 aos 73 anos, diz-se que a sua casa era um enorme armazém com peças empilhadas em todas as divisões. Seriam mais de dez mil quadros, desenhos e esculturas. É após a sua morte, na sequência de um acidente de automóvel, que parte da sua colecção entra no estranho circuito que as vai levar até ao Canada.

Por vontade de Vollard a colecção seria dividida entre a amante e um dos seus irmãos, Lucien. Este último, um toxicodependente, terá pedido a Fabiani para organizar um leilão para vender a sua parte da herança que terá aproveitado para comprar centenas de peças por uma ninharia.

Quando os nazis ocuparam a França terá tentado proteger o seu investimento e em Maio de 1940 transportou os quadros para a chamada zona livre da França. Em 17 Junho conseguiu colocá-los em Espanha onde espera pela licença de exportação inglesa - navicert – para os levar até Lisboa e embarcar no Excalibur.


O sinistro senhor Fabiani

Martin Fabianni era um corso radicado em Paris. Antes da guerra era um galerista de segunda ou terceira linha, mas a chegada dos Nazis vai transformar tudo isso e no final da guerra os americanos consideram-no um dos principais negociantes colaboracionistas dos Nazis.

É logo após a chegada dos alemães que sai da sombra. Ocupa uma loja que pertencera a um negociante e galerista de renome, Andre Weill, um judeu obrigado a escapar para a América. Na sua posse serão assinalados quadros pilhados da colecção Rosenberg e outros pertencentes a vários pequenos comerciantes e coleccionadores de origem judaica. (parte da colecção de Andre Weill também passou por Portugal. Ver "Turtuosos caminhos para as Américas").

Sabe-se que teve relações privilegiadas com o “doutor” Bruno Lohse, o homem de mão de Goering que foi só um dos mais ávidos colecionadores do Reich. Várias “trocas” entre ambos são registados ao longo do conflito.

Lohse era também um dos líderes da unidade especial Rosenberg encarregada de reunir peças para colocar no grande museu de arte que Hitler queria construir em Linz, na Áustria. Entre os seus clientes contava-se também Maria Dietrich, dona de um galeria em Berlim, mulher de confiança de Hitler e que estava autorizada a comprar obras em seu nome não só para o futuro museu, mas também para a Chancelaria do Reich.

Vendeu até um quadro a Pablo Picasso – que continuou a viver em França durante a Guerra – e quando o espanhol lhe exigiu um documento que provasse que a pintura não era pilhada este terá forjado o papel.

Entre trocas e vendas Fabianni, que também mantinha ligações com a Suiça e com o continente americano, terá amealhado uma incalculável fortuna. O seu nome aparece repetido uma e outra vez nos ficheiros americanos que no final da guerra investigaram a pilhagem de obras de arte.

O truculento corso só veria a sua ascensão travada pelo fim da guerra. Em Março de 1945 quando as forças aliadas chegaram a Paris ele não se encontrava na cidade. Entre os bens que estavam na galeria encontravam-se muitos quadros, sendo que vários pertenciam à colecção Vollard.

Em Setembro seria detido acusado de abuso de confiança, aquisição de bens roubados e colaboração económica. Terá pago uma multa de 145 milhões de francos, mas ficou pouco tempo na prisão.

Em 1948 Fabiani vai exigir os quadros do Excalibur de volta. Segundo a documentação que apresentou era de facto o proprietário das peças, mas um tribunal britânico vai decidir-se pela entrega de um quarto dos quadros a duas irmãs de Vollard.

A 30 de Maio de 1949 Fabianni e o representante das duas irmãs encontram-se no Canada para dividir o que se encontrava armazenado no cofre da galeria há quase dez anos.

Em 1951 as irmãs decidem vender algumas peças à galeria Canadiana que durante anos armazenara as peças. Fabianni vai oferecer uma das peças em 1956…

Estranhamente durante a partilha, uma das pinturas ficou esquecida. Uma aguarela de Cézanne subordinada ao tema árvores – pouco mais que um esboço – foi encontrada no cofre da Galeria nos anos 60 e, desde essa altura, que a galeria tenta estabelecer quem são os diversos herdeiros - de ambos os lados - para proceder à entrega da obra…

Carlos Guerreiro

2 comentários:

  1. Caro Carlos Guerreiro. Muito interessante. Ainda não li o outro post, mas encontrou algo sobre Karl Buchholz? Já agora, há uma historiadora alemã, de Hamburgo, que está a investigar o tema. Quer o contacto dela?

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  2. Minha cara Irene Pimentel... Desculpe só agora responder, mas estive fora e longe da internet durante uns dias. Eu menciono Karl Buchholz num outro artigo publicado no dia 26 de Fevereiro e que tem como título "Negócios e Boatos pelas Ruas de Lisboa"... Gostaria muito de ter o contacto da historiadora alemã... Agradeço o envio para o meu e-mail: landinportugal@gmail.com. Muito obrigado.

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