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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Um morto português na frente russa

Os médicos foram apanhados de surpresa e terão tentado, de todas as formas estancar a hemorragia, causada pela ruptura da artéria da coxa esquerda do capitão de engenharia Mariano Augusto Lopes Pires.

Às 23 horas e 53 minutos, da noite de 15 Setembro de 1941, o doutor Tempel, declarou o óbito do oficial português, no Hospital Militar Lazaret 122, em Berlim Tempelhof, depois de várias tentativas de reanimação que incluíram pelo menos três transfusões de sangue.

Esta fotografia da cerimónia fúnebre de Lopes Pires, em Berlim, circula pela internet há varios anos. Deve fazer parte do lote de seis imagens fornecidas pelas autoridades alemãs à família do oficial português. 

Desde a chegada de Lopes Pires e outros três oficiais portugueses a Berlim que os médicos alemães, com dois anos de experiência em lesões de guerra, tinham considerado, os seus ferimentos como ligeiros. A ruptura da artéria e a morte deste paciente foi, por isso, um acontecimento inesperado.

Todos tinham chegado da frente no dia 11 com ferimentos causados por estilhaços, resultado da explosão de uma bomba incendiária, num aeródromo da frente russa, no Kursk.

Faziam parte de uma comitiva de 12 oficiais de estado-maior portugueses, que tinha chegado a Berlim a meio de Agosto, com o objectivo de contactar “com os mais recentes ensinamentos da guerra moderna” e, nesse sentido, tinham agendadas visitas a diversas escolas de formação na Alemanha e também uma passagem pela “frente oriental” (Ver "Oficiais Portugueses na Frente Russa").

A comitiva viajava sob alçada do programa de rearmamento do exército. Algum material, nomeadamente obuses, tinha sido adquirido no ano anterior aos alemães e outro poderia seguir-se.

Não era também a primeira vez que uma delegação de oficiais realizava este tipo de visitas a países beligerantes, ou à “frente oriental”.

Todas as missões tinham os seus perigos, especialmente, quando se aproximavam das frentes de combate. Nos relatórios das missões que passaram pela Rússia, por exemplo, existem notas sobre as precauções relacionadas com ataques na retaguarda por grupos de resistentes ou militares inimigos infiltrados. Pelo menos em duas ocasiões registaram-se explosões de obuses russos perto das comitivas.

Não seriam, no entanto, qualquer destes perigos óbvios a vitimar os oficiais portugueses. Durante a visita a um aeródromo, nas linhas secundárias, onde se encontrava o Grupo de Bombardeamento Boelcke foi manuseado, para demonstração, uma bomba incendiária. Supostamente tratava-se de um “engenho não explosivo”, mas ele rebentou.

Vários soldados e oficiais alemães ficaram feridos e o mesmo aconteceu a nove dos 11 oficiais portugueses que faziam parte da comitiva (um dos portugueses já tinha regressado a Lisboa, por ter necessitado de cuidados médicos relacionados com uma doença).

Dos nove atingidos o comandante da missão, coronel Teles Ferreira de Passos e os capitães Carlos Miguel Lopes da Silva Freire, Mariano Augusto Lopes Pires e Almeida Fernandes ficariam internados num hospital de campanha no Kursk e mais tarde, no dia 11, evacuados “em avião sanitário” para Berlim, onde Lopes Pires veio a falecer.

Um difícil regresso

Os preparativos para transladar o corpo para Lisboa levaram alguns dias já que burocracia se estendeu a três países diferentes, que teriam de ser atravessados pelo féretro. A França ocupada não foi problema, mas a passagem por Espanha obrigou a um intenso trabalho diplomático que passou pela embaixada de Madrid em Berlim.

“Em 23 teve lugar uma cerimónia religiosa de corpo presente dedicada à memória do Capitão Lopes Pires, em que oficiou o capelão H. Kreutsberg e em que falou o General Olbricht. Assistiram o Ministro de Portugal (Conde de Tovar) e vários Generais e oficiais, entre eles o General Von Hase comandante militar de Berlim. Após as honras militares prestadas por uma companhia de aviação foi o corpo transportado em armão à estação de Tempelhof e transportado a Lisboa acompanhado pelo Major do Estado-Maior alemão Von Armin”, esclarece o relatório da missão que seria publicado em livro no ano seguinte.

O que o relatório não traz é a informação sobre toda a difícil viagem até à capital portuguesa. Uma viagem, em vagões de comboio especiais, que pode ser reconstruída através de um vasto conjunto de documentos que também se encontram nos Arquivo Histórico-Militar.

A supervisão alemã estendeu-se até à fronteira francesa, mas em Irun, onde era esperado pelo cônsul local e pelo adido militar da embaixada portuguesa em Madrid, Major Jorge santos Pedreira, tudo se complicou.

Algumas das notícias que saíram a 27 e a 28 de Setembro de 1942 n'O Comércio do Porto e n'O Século.
 (Fonte: Hemeroteca de Lisboa)


“As autoridades alemãs cuidaram desveladamente do transporte dos restos do desditoso oficial até à fronteira francesa mas não devem ter previsto que a diferença de via ia dar lugar a uma mudança de wagon e a uma espera de bastantes horas numa estação fronteiriça antes que o féretro pudesse circular novamente através da Espanha no seu caminho para Portugal (..). De facto foi preciso improvisar tudo: instalar capela ardente, pedir pessoal militar para o transporte do corpo, guarda para o velar, conseguir wagon e pagar o respectivo frete inclusivamente arranjar bilhetes e com grande dificuldade para que viajassem no mesmo comboio, tanto o oficial português de começo mencionado como o oficial alemão e o soldado intérprete que desde Berlim acompanhavam o féretro”, explica de forma pormenorizada um relatório da embaixada em Madrid.

Nas semanas seguintes iriam chegar duas facturas ao Ministério da Guerra, uma do consulado e outra da Embaixada. A primeira de quase mil pesetas e segunda de cerca de 2000 pesetas… são diversas despesas onde se incluem, entre outros, os gastos com o comboio, alojamento, instalação da capela ardente, agência funerária e acto religioso…

De novo em viagem o major Pedreira seria substituído em Vilar Formoso pelo major Frederico Vilar e tenente Ferraz Oliveira, da arma de engenharia, que tinham também integrado a missão à frente oriental e haviam regressado a Portugal na noite em que Mariano Lopes Pires faleceu.

Engenheiro na base da Ota

Ao longo de todo o conflito o governo português foi extremamente cuidadoso a revelar as suas relações com os diversos beligerantes. Neste caso, no entanto, fez ampla publicidade dos acontecimentos e da morte do capitão Lopes Pires no decurso da “missão de estudo relacionada com o plano de rearmamento do exército”.

Um longo comunicado explicando todos os factos foi enviado aos jornais para ser publicado no dia do funeral. Seria transcrito na íntegra n’O Século do dia 27 de Setembro. Nessa nota informativa são destacadas algumas notas biográficas que salientam, porexemplo, os laços familiares com outros oficiais das forças armadas.

Também destaca o facto de ter sido um dos oficiais escolhidos para dirigir “as obras de engenharia da Base Aérea da Ota, um dos trabalhos de Engenharia Militar mais notáveis até hoje realizados em Portugal, tendo sido louvado em ordem do exército pela forma como se desempenhou dessa missão”.

Fotos dos oficiais portugueses que foram hospitalizados na sequência da explosão de um bomba no Kursk. Lopes Pires acabou por falecer. 
Outras fotos do funeral publicadas em jornais. As Primeiras são d'O Século e a última d'O Comércio do Porto. Nas imagens do funeral são bem visíveis os oficiais alemães.
 (Fonte: Hemeroteca de Lisboa)
 
No dia 28 “O Comércio do Porto” e o também “O Século”, realizam pormenorizadas reportagens sobre o funeral, relatando a chegada do comboio especial à estação do Rossio às 10.15 da manhã, onde era esperado tanto por familiares como por oficias do exército ligados à Engenharia e ao estado-maior.

Presença assinalada a dos adidos alemães da marinha, exército e força aérea, que surgem em destaque nas fotos de ambos os periódicos. Na igreja da Estrela, onde a guarda de Honra foi assegurada pelo Regimento de sapadores do Caminho-de-ferro, destacavam-se, entre os ramos e as coroas de “flores naturais (…) as oferecidas pelos oficias alemães com grandes fitas vermelhas com a cruz suástica…”

As exéquias prolongaram-se e só depois das 16 horas o caixão seguiu da Igreja da Estrela para o Cemitério dos Prazeres.

Dos restantes feridos os dois capitães regressaria a 30 de Setembro de avião. O coronel Teles Ferreira de Passos faria um circuito um pouco mais longo, regressando, em 1 de Outubro, regressou no "wagon especial destinado ao transporte dos diplomatas brasileiros a trocar em Lisboa com os alemães vindos do Brasil". Chegou apenas a 10 e, durante a ravessia da França ocupada, em Biarritz, almoçou com o comandante da guarnição alemã – General Hoffman.


Em janeiro de 1944 o governo alemão resolveu condecorar os militares portugueses participantes na missão de 1942, salientando “a importância do acto e o prestígio que a missão conquistara”.

Para a família do malogrado capitão Lopes Pires as autoridades alemãs enviaram, no princípio de Outubro de 1942, cópias de seis fotografias da cerimónia fúnebre que tinha tido lugar em Berlim. Foram entregues à mulher a 8 de Dezembro desse ano.

Carlos Guerreiro

3 comentários:

  1. Continuação de bom post (do anterior), desconhecia mesmo este facto.
    Já agora, em Timor morreram ou lutaram oficiais e soldados portugueses ou foi só australianos?

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  2. Já tive com o resumo do relatório final da ocupação de Timor na mãos. São algumas centenas de páginas assinadas pelo Governador. Confesso que ainda não o li na integra nem lhe dediquei a atenção que devia.

    Não lhe sei dizer se morreram oficiais portugueses a lutar directamente contra o japoneses.Sei que alguns morreram a lutar contra as colunas negras, grupos armados de timorenses - instigados pelos japoneses - que causaram destruíção e morte em várias zonas de Timor.

    Sobre Timor não há neste blogue muita coisa publicada - tentarei colmatar essa lacuna quando puder - mesmo assim deixo-lhe o link para alguns textos...

    http://aterrememportugal.blogspot.pt/search/label/timor

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