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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Wilfried Israel, Salvando vidas sem medo

Os defensores da teoria do abate intencional do Voo 777, da British Overseas Airways Corporation (BOAC), que partiu na manhã de 1 de Junho de 1943 de Lisboa, referem a presença de várias personalidades a bordo do bimotor que justificariam a acção dos caças alemães, e entre estes surge o nome de Wilfrid Israel.

  Wilfrid Israel, o calmo empresário germano-britânico que terá salvado cerca de 30 mil judeus durante a 2ª Guerra Mundial
(Foto cedida por Michael Simonson do Leo Baeck Institute)

 Para além de possíveis questões de espionagem protagonizadas pelo actor Leslie Howard, ou das semelhanças físicas de Alfred Chennals com Churchil (ver "Reportagem sobre Voo 777"), o nome de Israel, um rico judeu germano-britânico, aparece também como possível portador de informações secretas ou como uma espinha atravessada na garganta dos nazis, pelas ousadas acções de salvamento que tinha protagonizado.

Ele é associado ao salvamento de 30 mil judeus da Alemanha, cerca de um terço, eram crianças.

Israel tinha chegado a Portugal em Março encarregado de uma missão da Jewish Agency for Palestine, uma das várias organizações humanitárias que montaram quartel em Lisboa durante a Guerra, com o objectivo de ajudar e retirar judeus e outros refugiados de Portugal e da Europa.

Trazia consigo cerca de 200 certificados de imigração britânicos que permitiriam chegar à Palestina. Salvar vidas não era uma novidade Wilfrid. Apesar de ter nascido em Inglaterra, em 11 de Julho de 1899, era herdeiro de um dos maiores estabelecimentos comercias de Berlim, onde trabalhavam cerca de 2000 pessoas.


Compras por Vidas

Desde 1933, quando subiram ao poder os Nacional-Socialistas, que financiava a saída de famílias judaicas da Alemanha. Compras por vidas As suas ligações à alta sociedade alemã e aos meios económicos – a empresa "N. Israel" esteve cotada em bolsa – deram-lhe alguma protecção nos primeiros anos do nazismo e permitiram-lhe realizar algumas acções que granjearam o respeito da comunidade.

Numa primeira fase a solução de Hitler para os Judeus passava por obriga-los a sair do país e não pela sua exterminação. Wilfrid envolveu-se no “Kindertransport”, um programa de retirada de crianças judaicas que terá evacuado da Alemanha cerca de 10 mil crianças antes do início da guerra.

Quando os alemães foram aconselhados a não fazer compras em estabelecimentos judeus, o armazém de Wilfrid continuou a trabalhar.




Livro sobre Wilfrid Israel, da autoria de Naomi Shepherd, editado em  1984.
Mais infomações aqui:






Após a “Noite de Cristal”, em Novembro de 1938, quando os nazis invadiram e destruíram milhares de lojas, propriedade de judeus, Wifrid Israel protegeu como pôde os seus empregados judeus e familiares.

Depois fez um levantamento dos tinham sido presos e dirigiu-se ao campo de concentração de Sachenhausen, para negociar com o comandante. Trocou a liberdade deles por dinheiro e “convidou” o comandante a fazer as compras de natal na sua loja, gratuitamente…

Nesse ano ele e o irmão foram finalmente obrigados a vender o negócio e retiraram-se para Inglaterra. Está num Kibutz na Palestina quando estala a guerra. Regressa ao Reino Unido para ajudar a separar os verdadeiros refugiados de agentes alemães que se infiltraram entre os milhares de fugitivos.

Assume ainda um cargo na Universidade de Oxford, mas nunca perde de vista as diversas agências envolvidas no salvamento de judeus na Europa ocupada, razão porque ninguém estranha a sua nomeação para a função em Lisboa da Jewish Agency for Palestine.


Verdadeiro Pimpinela Escarlate 

No livro de 1984 sobre a sua vida são descritas as últimas semanas de vida de Wilfrid passadas em Portugal e Espanha. No nosso país visitou refugiados em Lisboa, Caldas da Rainha e Ericeira. Entendeu que os judeus se encontravam bem alojados e numa posição relativamente segura.

Por outro lado, em Espanha, relata as “terríveis condições” em que ali viviam os judeus nos campos de internamento criados pelo governo de Franco. Decide-se por entregar a maioria dos certificados britânicos de imigração aos que se encontram no país vizinho.

Por coincidência encontra-se em Madrid com Leslie Howard – um dos principais actores de “E Tudo o Vento Levou” - que desenvolvia uma campanha de propaganda a favor dos aliados falando de cinema e de Shakespeare. Conferências semelhantes foram realizadas em Lisboa.



 "Trailer" do filme documentário sobre a vida de Wilfrid Israel, lançado este ano.

Howard tinha também produzido e actuado no filme “Pimpinela Escarlate”, relato da história de um nobre inglês que durante o período negro da revolução francesa salva aristocratas franceses da guilhotina. A versão de Howard, de 1941, é claramente um filme de denúncia do nazismo…

Israel explica a Howard a sua missão durante um almoço na embaixada britânica. Quer retirar dos campos espanhóis os judeus que conseguisse e envia-los para a Palestina. Procurava especialmente jovens com idades entre os 14 e os 16 anos. Gente nova com vontade de recomeçar…

Por outro lado tentava também perceber a possibilidade resgatar cerca de mil crianças que ainda se encontravam em França…

“Mas você é o pimpinela escarlate. Eu apenas desempenhei o papel”, terá referido Leslie Howard.

Voltariam a encontrar-se na manhã de 1 de Junho de 1943, em Lisboa, junto do "Ibis", o avião que os conduziria para a morte…

Mais tarde, e com base no trabalho de Wilfrid partiriam, de Lisboa em navios portugueses, cerca de 750 imigrantes judeus destinados à Palestina.

Várias crianças seriam também retiradas através de rotas alpinas de França. Um rota difícil que cobraria em vidas essa ousadia.

De Wilfrid Israel ficou ainda uma colecção de arte oriental resultante de uma paixão de juventude. Armazenada em Inglaterra durante a Guerra seria herdada pelo kibutz de Hazorea, em Israel (país), que montou um museu em sua memória e, recentemente, produziu também um filme/ documentário sobre a sua vida…

Carlos Guerreiro 

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Leia mais sobre os passageiros e tripulantes do Voo 777 AQUI.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Livro "Portugueses no Holocausto"

O tema são os portugueses que, de várias formas, estiveram ou se viram envolvidos no holocausto nazi...

Clique na barra sob a fotografia para ouvir a entrevista feita por José Manuel Rosendo, que passou na "Antena 1".

Fica também o texto que acompanha a reportagem e uma sinopse da obra...


Entrevista a Esther Mucznik

Esther Mucznik apresenta, esta terça-feira, "Portugueses no Holocausto", um livro que aborda os portugueses que ajudaram judeus a fugir do Holocausto, os portugueses ou luso-descendentes apanhados pela máquina de guerra nazi na Europa ocupada e a forma como a população portuguesa recebeu os judeus que encontraram em Portugal o refúgio que lhes salvou a vida.



Judeus perseguidos por Hitler infinitamente gratos ao povo português

Apesar do acolhimento da população, o governo de António Salazar quis "esconder" os judeus com receio da propagação de novas ideias.

Não fosse o povo aprender a pensar como o regime não queria.

A PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) não lhes facilitou a vida. Feitas as contas, diz a autora, a neutralidade adotada por Portugal durante a II Guerra Mundial acabou por ser benéfica para as partes beligerantes e essa neutralidade permitiu que os judeus encontrassem um porto seguro em Portugal.




Edição da "Esfera dos Livros", 
com o ISBN: 978-989-626-373-7 














Pior sorte tiveram outros judeus luso-descendentes em vários países europeus, a quem o governo português virou as costas quando precisavam de um visto para entrar em Portugal.

Nos tempos que correm Esther Mucznik não esconde o receio pelas votações que os partidos de extrema direita têm vindo a conseguir na Europa.

A história não se repete, mas repete-se de diferentes maneiras.

Uma entrevista do jornalista José Manuel Rosendo.
2012-05-29


SINOPSE OFICIAL DO LIVRO:

 Baruch Leão Lopes de Laguna, um dos grandes pintores da escola holandesa do século XIX, judeu de origem portuguesa, morreu em 1943 no campo de concentração de Auschwitz.

Não foi o único, com ele desapareceram 4 mil judeus de origem portuguesa na Holanda, que acabaram nas câmaras de gás.

No memorial do campo de Bergen-Belsen consta o nome de 21 portugueses deportados de Salónica, entre estes Porper Colomar e Richard Lopes que não sobreviveram.

Em França, José Brito Mendes arrisca a sua vida, escondendo a pequena Cecile, cujos pais judeus são deportados para os campos da morte.

Uma história de coragem e humanismo no meio da atrocidade. Em Viena, a infanta Maria Adelaide de Bragança também não ficou indiferente ao sofrimento, e não hesitou em ajudar a resistência nomeadamente no cuidado dos feridos, no transporte de armas e mantimentos, tendo sido presa pela Gestapo.

Esther Mucznik traz-nos um livro absolutamente original, baseado numa investigação profunda e cuidada em que nos conta a história que faltava contar sobre a posição de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial.


Boas Leituras
Carlos Guerreiro 

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Para outros livros clique AQUI.

Para mais sobre refugiados clique AQUI

terça-feira, 22 de maio de 2012

A herança de Tiago Gomes

As encadernações reúnem parte da herança de um avô que Tiago Gomes nunca conheceu. São versões em português de revistas de origem americana - a “Victory” e a “Em Guarda” – que durante a II Guerra Mundial foram veículos de propaganda para as mensagens do governo de Roosevelt.  

Foi a mãe de Tiago Gomes que as reuniu depois do falecimento do pai em 1964 e as passou depois ao seu filho, que nasceu dez anos depois – por acaso ano de revolução dos cravos. 

Capas das revistas de propaganda americana "Em Guarda" e "Victory"

Para além das revistas Tiago acabou por “herdar” também muitas das histórias que ficaram na memória da família.

Nascido perto de Vila Nova de Ourém em 1900, Manuel Lopes Alexandre, órfão de pai, chegou a Lisboa com apenas 14 anos para trabalhar numa mercearia, que acabaria por comprar duas décadas depois.

Hoje, no velho edifício da mercearia, na rua de Dona Estefânia, funciona o restaurante “Morgadinha da Estefânia”. No andar de cima António criou a família.

O pai de Mário Soares terá também encontrado refúgio nessa casa num período em que andou fugido ao Estado Novo. É pelo menos uma das muitas histórias que Tiago recorda.

Nunca conseguiu, no entanto, confirmar a sua veracidade. É certo que em frente ao 99 da Estefânia morou um irmão do ex-Presidente da República. 






Artigo sobre os caças Brasileiros 
envolvidos em combates 
durante a II Guerra Mundial 











 
 Identificado como republicano e pró-aliado, não era anormal colecionar as revistas que eram distribuídas, muitas vezes, de forma gratuita na rua ou nos estabelecimentos comerciais. A “Victory” era um a revista em português para portugueses e fazia referência a vários temas, que não só a guerra, que obviamente ocupava a maior parte das edições.

A “Em Guarda” era uma edição mais virada para o mercado brasileiro, país aliado dos americanos, tendo mesmo chegado a participar nos combates na Europa (ver "Acidente Brasileiro no aeroporto de Lisboa" ) .

Apesar de mais vocacionada para o mercado sul-americano, vários exemplares desta publicação encontraram o caminho até Portugal.

Uma herança em papel… com história.

Carlos Guerreiro

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Deputados pedem para batizar ponte de Bordéus com nome de Sousa Mendes

A história já é pública há uns dias, mas tive dúvidas em avançar com a informação.

Pessoalmente acho a iniciativa louvável, mas quando internamente não há entendimento quanto ao que fazer com a casa e com a memória da personalidade em causa, torna-se estranho aparecer um pedido deste género.

Parece ser mais fácil fazer pedidos aos de fora...

Fica a notícia como esta foi transmitida pela Agência Lusa:


Deputados do PSD pedem a Alain Juppé para batizar ponte de Bordéus com o nome de Aristides Sousa Mendes 

Deputados do PSD enviaram uma carta ao autarca de Bordéus, Alain Juppé, a pedir-lhe que batize a nova ponte daquela cidade francesa com o nome Aristides Sousa Mendes, o cônsul português que salvou milhares de judeus na II Guerra Mundial.


"Tomamos conhecimento de que a nova ponte neste momento em construção na cidade que V. Exa. dirige considera como uma das possibilidades promover o reconhecimento do papel desta personalidade portuguesa mediante a atribuição do seu nome à nova ponte", lê-se na carta hoje enviada a Alain Juppé, assinada por António Rodrigues, Emídio Guerreiro, Carlos Gonçalves e Carlos Abreu Amorim.

Os quatro deputados dizem-se "convictos da nobreza de tal designação, no reconhecimento da atitude humanista de Aristides Sousa Mendes" e manifestam "o seu apoio a tal atribuição", considerando ainda que "tal atitude dignifica não apenas o diplomata português mas igualmente a entidade que a assume".

"Os subscritores vêm ainda transmitir a sua disponibilidade perante o conjunto da sociedade portuguesa de desencadear os apoios necessários à concretização de tal objetivo, de forma transversal a toda a sociedade portuguesa", acrescentam.

No mesmo texto, os deputados do PSD lembram que Aristides de Sousa Mendes salvou milhares de vidas no período da II Guerra Mundial, quando era cônsul geral e Portugal em Bordéus, ao ter facultado, contrariando ordens, cerca de 30.000 vistos a pessoas de todas as nacionalidades que fugiam da perseguição nazi.

 MP - Lusa

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Algumas perguntas a Ronald Weber

Ronald Weber é professor emérito da Universidade Notre Dame, no Indiana, nos Estados Unidos.

Tem vários livros publicados entre romances e obras de não –ficção.

O seu mais recente trabalho “Passagem Por Lisboa” conheceu em princípios de Abril uma versão portuguesa, editada pelo “Clube do Autor”.

 A versão original – em inglês – foi editado em 2008 “The Lisbon Route: Entry and Escape in Nazi Europe” (ver "Sobre a luz de Lisboa") e conta a história de Lisboa como porta de entrada e de saída de uma Europa envolvida na II Guerra Mundial.

Ainda se mantém a discussão sobre o número de  refugiados que terão chegado a Portugal. Os números divergem entre os 50 mil e mais e meio milhão de pessoas.

Certo é que muitos encontraram no porto de Lisboa a oportunidade de escapar ao avanço das forças nazis.

Ricos, pobres, intelectuais ou gente comum chegaram de carro, de comboio, de bicicleta e até a pé.

Aterrem em Portugal: Como se interessou pela história dos refugiados e outros que passaram por Portugal para entrar ou sair da Europa?

Ronald Weber: Fui professor convidado de cultura americana na Universidade de Coimbra em 1968-69.

Foi nessa altura que ouvi as primeiras histórias sobre pilotos alemães que vinham a Portugal para descansar e se divertirem.

Mas foi só em 2006, quando publiquei “NEWS OF PARIS: AMERICAN JOURNALISTS IN THE CITY OF LIGHT BETWEEN THE WARS” (Notícias de Paris: Jornalistas americanos na cidade Luz entre guerras – não há edição portuguesa) que recordei essas primeiras histórias quando descobri que muitos desses jornalistas e outros fugiram da Europa através de Lisboa depois da queda da França em 1940.

Decidi então que o meu livro seguinte seria sobre Lisboa como a grande porta de emergência durante a II Guerra Mundial. 







Passagem para Lisboa, editado pelo Clube do Autor, com o ISBN: 978 989 668 1517. Pode ler mais sobre o livro AQUI.
Aterrem em Portugal: Apesar de fisicamente ocuparem o mesmo espaço descreve dois países diferentes no seu livro. Um dos portugueses e outro dos restantes. Como foi isso possível? 

Ronald Weber: Aos refugiados e aos outros que chegavam a Portugal era pedido pelo regime de Salazar para que seguissem o mais depressa possível para outros países dispostos a recebê-los. 

Em resultado disso os recém chegados tinham pouco contacto tiveram com portugueses exceptuando os que trabalhavam nos hotéis, nos restaurantes, agentes de companhias de navegação ou de aviação e polícias. 

Para além disso os refugiados foram reunidos em Lisboa e noutras pequenas cidades, como as Caldas da Rainha ou a Ericeira, onde eram autorizados a ficar pelas autoridades enquanto esperavam por um novo país de residência. 

Portugueses noutros pontos do país teriam pouca ou nenhuma noção dos milhares de pessoas que escapavam através do país. 

Mas é preciso ter atenção a uma coisa. Eu estudei aqueles que iam e vinham através do país e o ponto de vista deles. Foi a história deles que tentei contar. 

 Uma outra coisa é a história do que pensaram e sentiram os portugueses com a chegada destas pessoas. Para chegar a essa história era preciso estudar material português na forma de cartas, diários, memórias, novelas etc… 

Aterrem em Portugal: Chegar a Portugal não era – para a maioria dos refugiados – o fim da linha ou fim do medo? 

Ronald Weber: Chegar a Portugal foi o fim da linha para muito poucos (Calouste Gulbenkian foi um dos poucos) pois o país não permitia a criação de uma colónia permanente de refugiados. 

Muitos ficaram com uma enorme sensação de liberdade quando chegaram ao país, mas houve sempre a sensação de que a Alemanha poderia acabar com a neutralidade portuguesa sempre que quisessem. 

Houve sempre histórias dos alemães a raptarem quem quisessem nas ruas Lisboa, especialmente judeus antinazis. 

Os recém-chegados compreendiam desde o princípio que uma liberdade plena só seria conseguida se deixassem Lisboa para trás. 

Aterrem em Portugal: Tem um capítulo dedicado às luzes de Lisboa. Isso era realmente uma coisa que fascinava os refugiados? 

Ronald Weber: As luzes brilhantes de Lisboa deslumbravam os recém-chegados de uma Europa em Blackout. Não parecia possível que o pequeno Portugal conseguisse viver como se a guerra não existisse. Não era menos deslumbrante, especialmente no princípio da guerra, a abundância de comida depois dos cortes e do racionamento que muitos refugiados tinham vivido na europa. 

Aterrem em Portugal: Houve alguma história que o tivesse fascinado mais que as outras? 

Ronald Weber: Sabia que Lisboa tinha sido um centro activo de espionagem durante a Guerra, mas nunca imaginei a verdadeira extensão dessa actividade – incluindo grane número de portgueses utilizados em pequenas tarefas como vigilantes ou informadores . 

Julgo que uma verdadeira história de Lisboa como centro da actividade de espionagem ainda está por escrever. 

Tive uma outra surpresa com as actividades dos grupos de auxílio (Judeus, Unitários etc…) que mudaram os seus centros de operações para Lisboa durante guerra e fizeram esforços heroicos para ajudar os refugiados com fundos, habitação e aconselhamento. 

Carlos Guerreiro

domingo, 13 de maio de 2012

Lembrar Sousa Mendes

Há uns meses tinha publicado a história sobre a busca da Fundação Aristides Sousa Mendes - nos Estados Unidos - que procurava pessoas e familiares de pessoas que deviam a sua vida ao cônsul português de Bordéus. (ver  "Procuram-se "fugitivos" de Sousa Mendes" )

 Aristides de Sousa Mendes e a mulher Angelina.

O projecto seguiu caminho e já há resultados. A Agência Lusa trouxe novas informações sobre esse trabalho. Pena que a casa continue em ruínas, envolta em polémicas à portuguesa...

Deixo a noticia... 

Família quer recordar Aristides de Sousa Mendes 

Della, Gaia e Eric são de gerações diferentes, vivem em pontos distintos dos Estados Unidos, mas partilham a descoberta recente de que devem a sua vida e a dos seus familiares a um desconhecido chamado Aristides Sousa Mendes. 


Os três descendentes de refugiados do Holocausto fazem parte de um grupo de 100 pessoas contactadas recentemente pela Sousa Mendes Foundation norte-americana, dedicada a divulgar nos Estados Unidos a história do ex-cônsul de Portugal em Bordéus durante a II Guerra Mundial, que emitiu milhares de vistos que permitiram a fuga da Europa.

"Sei com toda a certeza que não estaria vivo se não fosse ele", afirma Eric Moed, jovem de 24 anos residente no bairro nova-iorquino de Brooklyn.

O jovem falou à Lusa uma semana depois de ter entregado a sua tese de licenciatura em arquitetura - um estudo e projeto de reabilitação da Casa do Passal, a degradada casa da família Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, Viseu.

 A casa em ruínas de Aristides de Sousa Mendes.

"Tornou-se uma questão pessoal para mim. E, quando li sobre a Casa, aí imediatamente soube que a minha tarefa era fazer isto", diz o jovem norte-americano, neto do arquiteto Leon Moed, que recebeu um visto de Sousa Mendes enquanto criança, que lhe permitiu viajar de Antuérpia para os Estados Unidos, através de Portugal.

Para o projeto, o jovem esteve recentemente em Portugal, onde conheceu a "bela e muito triste" casa, um "monumento de reflexão" sobre a história do próprio Sousa Mendes, cujos descendentes também conheceu.

A localização de pessoas como Eric tem sido tarefa de Olívia Mattis, da Sousa Mendes Foundation, que há cerca de seis meses vem cruzando a lista original dos 2.000 vistos com as de passageiros de navios de Portugal para os Estados Unidos ou Brasil, e ainda com informação atual na internet.

Este trabalho permitiu contactar 100 "famílias Sousa Mendes", na América do Norte, Europa, Israel e até na Austrália, mas Mattis acredita que ainda há muito trabalho a fazer, porque não há registo dos vistos emitidos por Sousa Mendes depois da saída de Bordéus, em Bayonne e Hendaye, porque as crianças viajavam sem visto e porque faltam muitas listas de passageiros.

"Sabendo o nome e a idade aproximada é fácil. Sobretudo se for um nome invulgar", disse à Lusa Mattis, que tem feito muitos destes telefonemas e emails.

"A vasta maioria nunca tinha ouvido o nome de Sousa Mendes. Quando conhecem a história, as pessoas perguntam porque morreu na pobreza, porque ninguém o ajudou. Envolvem-se, querem participar", adianta.

Para comemorar o Dia de Lembrança do Holocausto, a 19 de abril, a Fundação juntou 15 famílias em Huntington, Nova Iorque, além de descendentes de Sousa Mendes e querem tornar estes encontros regulares, planeando dois para junho de 2013 em Portugal e França.

Della Peretti, professora universitária reformada cujo filho é um dos cofundadores do popular jornal on-line Huffington Post, ficou a saber num email de Olivia Mattis que a sua avó, Adina Cherkin, e a sua mãe também fugiram com um visto de Sousa Mendes.

"Nunca tinha ouvido falar dele. Temos de pô-lo na História", disse à Lusa a ex-professora da Universidade de Berkeley, na Califórnia.

Além de fazer um donativo para a reabilitação da Casa do Passal, Peretti está também a dar algum do seu tempo para apoiar os esforços da Fundação e quer "aprender mais português" e "passar algum tempo em Portugal", que visitou quando tinha 21 anos.

A mãe de Gaia Starr, que viajou de Bruxelas para Baltimore em 1940 com visto emitido em Bayonne, nunca lhe falou de Sousa Mendes, apenas de uma travessia tranquila no Atlântico, e hoje sofre de Alzheimer.

"Nunca saberei o que ela conhecia, lembrava ou suspeitava [sobre Sousa Mendes]. Estas histórias estão encerradas para sempre. O que sei é que os meus avós suportaram o fardo do stresse naquela altura e que a minha mãe e o meu tio puderam sentir-se como crianças numas férias de verão", disse à Lusa a professora, residente no Novo México.

"Sinto gratidão pela minha vida, que foi uma dádiva indireta de um homem que fez aquilo que todos nós esperaríamos conseguir fazer, se estivéssemos perante essa escolha", adiantou.  

Agência Lusa 

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Encontra outras histórias relacionadas com 
                                         Aristides de Sousa Mendes AQUI.
                                         Refugiados AQUI.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Nem Deus, nem os Homens…

No dia 8 de Maio de 1945 os alemães assinavam, em Berlim, a rendição incondicional frente aos russos. No dia anterior tinham feito o mesmo perante os restantes aliados, em Reims.

É o fim do regime Nacional-Socialista, um parceiro ideológico durante mais de uma década.

A censura deixa passar algumas notícias que noutro tempo dificilmente teriam escapado ao corte do lápis azul. É revelada a existência dos campos de morte.

Esta fotografia do comandante do campo de concentração de Bergen-Belsen, Josef Kramer, detido e acorrentado pelos aliados, foi publicada em vários periódicos portugueses.

Aqui ilustra um texto de Artur Portela, que revela a surpresa pela descoberta destes cemitérios para vivos. A imagem e o texto foram impressas na edição de 30 de Maio de 1945 da revista “Mundo Gráfico”…


Carlos Guerreiro

sexta-feira, 4 de maio de 2012

«Ministério das Propagandas» MAIS SOBRE A REVISTA VITÓRIA

A 19 de Abril publicámos no “Ministério das Propagandas” uma nota sobre a Revista Vitória, publicação alemão de Julho de 1942 onde era feito um balanço das operações dos primeiros meses daquele ano (ver aqui). 


Tinha ficado um pedido de ajuda para esclarecer algumas questões que a publicação levantava.

O leitor Dinis Fonseca, coleccionador de publicações do período da II Guerra Mundial, enviou alguns dados que lançam uma nova luz sobre o tema.

Confirma que se trata de um número único, mas vai mais longe. Para além da edição portuguesa existiram pelo menos mais duas: uma em francês (em cima) e outra em espanhol (em baixo).


Ficam as imagens das capas dessas edições cujos créditos pertencem, obviamente, a Dinis Fonseca.

Obrigado pela colaboração
Carlos Guerreiro

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Para ler mais sobre
                           "Ministério das Propagandas"
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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Há bombas no Entroncamento

O caixote de madeira era relativamente pequeno.

No interior encontrava-se uma segunda caixa de um material isolante que envolvia duas cargas explosivas, uma de 500 e outra de 200 gramas.

Os caminhos de ferro na zona do Entroncamento eram o alvo da sabotagem.

Encontravam-se também instruções em inglês e uma rude tradução portuguesa dactilografada. Dava instruções precisas sobre a forma de utilizar os explosivos para levantar carris, detalhando inclusive a dimensão dos rastilhos que deveriam ser utilizados.

Apesar de ter sido afastado da investigação, pela entrada em cena de dois elementos da Policia de Vigilância e Defesa do estado (PVDE), o tenente António Antunes Basílio, comandante da Polícia de Segurança Pública do Entroncamento, avança com diversos detalhes sobre a descoberta no seu relatório de 2 de Maio de 1943.

No documento, que se encontra entre os arquivos do Ministério do Interior, na Torre do Tombo, o oficial de polícia não tem dúvidas de que se trata de “uma coisa perfeita no género se os técnicos não concluírem o contrário”.

A proximidade das linhas de comboio do Entroncamento também não deixa dúvidas sobre o objectivo de uma potencial sabotagem. O caixote tinha sido encontrado perto da estrada que liga o Entroncamento a Torres Novas por alguns miúdos.

“Uns garotos viram (…) um automóvel estacionado com dois indivíduos, que usavam óculos escuros e descascavam e comiam laranjas. Os garotos afastaram-se mas observando depois, viram que esses indivíduos faziam, no local uma cova no chão. Voltando (…) e, lembrando-se do que haviam visto, notaram a terra mexida e escavando depararam com um caixote pequeno que conduziram para sua casa. Ali, o pai, julgando tratar-se de coisa que ele pudesse aproveitar, abriu o caixote e deparou com explosivos e uns papéis com instruções dactilografadas para a sua utilização como arma“, relata o comandante da PSP que explica também que foi o pai dos miúdos a informar as autoridades sobre o achado.

“Pelo que dizem os garotos, trata-se de um automóvel azul-escuro, pequeno, aberto com capota, e de dois indivíduos; um bastante novo, alto e magro, usando chapéu cinzento e outro de meia-idade, baixo, um pouco calvo, trajando casaco branco de linho e calças cinzentas. Ambos traziam luvas calçadas e óculos pretos contra o sol” continua o relatório.

 Apesar dos miúdos terem detetado as movimentações dos dois homens, não lhes foi fácil descobrir onde e o que tinham enterrado.

A cova tinha sido coberta e camuflada “lançando a terra sobejante numa vala próxima cobrindo-a com retraços de arbustos, ervas e até de cascas das laranjas que estiveram comendo”.

Apesar da intenção de encobrir a actividade o tenente Basílio revela um detalhe que salienta como curioso. “No local existem uns blocos de pedra facilmente referenciáveis e foi junto de um deles, o de melhor indicação, que a caixa foi enterrada”.






Desenho com a localização dos explosivos descobertos no Entroncamento. 
Este "croqui" faz parte de um conjunto de mapas desenhados por um agente que montou uma rede de sabotagem em Portugal.








Com base nos dados que recolheu este oficial da PSP não tem dúvidas de que se trata de “uma acção dirigida e com plano prévio, sendo credível que outros depósitos semelhantes ao encontrado hajam sido estabelecidos para actuação no momento próprio”.

Tem ainda menos em dúvidas em atribuir a propriedade dos explosivos a sabotadores comunistas. Apesar de ser “uma impressão pessoal” acredita que “a organização comunista recrudesceu de actividade, parecendo-me recomendável a mais apertada vigilância e ligação entre os organismos policiais”.

António Basílio baseia a sua “impressão” no facto de serem relatados há algum tempo movimentações de elementos identificados como comunistas ou como democratas na zona.

O facto das instruções contidas na caixa dos explosivos estarem em inglês, ainda reforça mais esta impressão. A ligação dos serviços secretos britânicos a grupos do “reviralho” há muito que era comentada…

O oficial tinha razão, mas apenas de forma parcial.

Não se tratava de facto de uma situação isolada. Várias destas caixas ficarem escondidas perto de pontos estratégicos em país como pontes, cruzamentos ou bases militares e só seriam reveladas já depois do fim do conflito…

Já em relação aos proprietários do caixote António Antunes estava muito longe da verdade. Os explosivos não pertenciam a movimentos do reviralho ou aos serviços secretos britânicos.

Tinham de facto origem em Inglaterra e haviam sido fornecidos à resistência Francesa… mas acabaram nas mãos dos alemães que os queriam utilizar numa campanha de sabotagem, caso Portugal fosse invadido pelos aliados.

 Mas essa é uma história que o “Aterrem em Portugal” já tinha contado em Maio de 2011, quando revelou documentos do interrogatório de Rudolf Blaum, um agente alemão em Portugal, em “A REDE DE SABOTAGEM ALEMÔ, numa altura em que não tínhamos conhecimento destes relatórios da PSP.

As histórias da História são mesmo assim... vão-se construindo.

Carlos Guerreiro 

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