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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Salvamentos realizados por navios portugueses no Índico

O Oceano Índico parece uma teatro de operações distante e secundário, mas as difíceis ligações entre a Inglaterra e o Egipto através do mediterrâneo, onde alemães e italianos disputavam a supremacia no mar utilizando meios navais e aéreos, levaram os aliados e enviar um grande número de navios através da chamada  rota do cabo, contornando a África do Sul, subindo depois até ao Egipto.

O aviso Gonçalves Zarco foi um dos navios 
que realizou salvamentos no Índico durante a II Guerra Mundial.

O facto de muitas destas unidades viajarem sem qualquer escolta e as rotas afunilarem no Canal de Moçambique tornaram a zona bastante apetecível para a arma submarina e tanto os japoneses como os alemães tentaram a sua sorte, transformando as milhas de mar frente à colónia portuguesa numa verdadeira carreira de tiro.

A presença de unidades navais do Eixo fizeram-se sentir logo em 1939 com a presença de corsários e cruzadores auxiliares alemães, como o Admiral Graf Spee, ou da Régia Marina com alguns navios de superfície e submarinos baseados na Eritreia.

Esta presença não teve, no entanto, qualquer impacto em Moçambique e só partir de 1942 se sentiu a proximidade da guerra naquele território com a chegada em Junho de submarinos japoneses, e em Outubro de U-boats alemães. ao contrário do que acontece no Atlântico onde se regista um presença constante de submarinos, no Índico os ataques vão acontecer em vagas que duram de alguns dias a poucas semanas, desaparecendo em seguida.

A extensa linha de costa condicionou as operações de salvamento dos navios portugueses, que mesmo saindo muitas para realizar operações de socorro nem sempre conseguiam encontrar os náufragos antes destes chegarem a terra pelos próprios meios. Talvez por essa razão existem apenas cerca dezena e meia de operações de salvamento no Índico - protagonizadas por navios - que tiveram sucesso, enquanto no Atlântico esse número é superior a cinquenta. Por outro lado o número de arribadas no Atlântico e no Índico é muito semelhante, sendo no primeiro caso de 30 e no segundo de 29, segundo os dados apurados até ao momento.


Uma tragédia chamada Nova Scotia

O primeiro sinal da presença de submarinos no canal de Moçambique aconteceu a 5 de junho de 1942 com o afundamento do petroleiro panamiano Atlantic Gulf pelo submarino japonês I-10. Avisadas as autoridades em Lourenço Marques, foi enviado em socorro o Gonçalves Zarco que contou ainda com o apoio de um avião da companhia de aviação da colónia, a DETA, mas nada conseguiram encontrar. Os 38 sobreviventes chegariam à ilha de Gurué, sendo depois rebocados pela canhoeira Tete até ao porto da Beira, onde receberam o apoio necessário.

Um mês depois o Gonçalves Zarco seria responsável pela primeira operação de salvamento bem sucedida naquelas paragens, recolhendo dois dos 37 sobreviventes do cargueiro norueguês Wilford. Dezanove outros alcançaram uma ilhota ao largo da Beira e outros foram recolhidos por um cargueiro britânico.

A maior operação de socorro alguma vez realizada por navios portugueses seria protagonizada, ainda em 1942, pelo aviso Afonso de Albuquerque que se encontrava ancorada no porto de Lourenço Marques quando, na manhã de 28 de novembro, o U-177 apontou três dos seus torpedos a um navio de formas maciças que se deslocava para sul.

Tratava-se do “Nova Scotia” um paquete transformado em transporte de tropas que naquela viagem transportava mais de setecentos civis italianos internados, para além de duas centenas de guardas e tropas aliadas, num total de 1052 pessoas.

Quando o comandante alemão Robert Gysae emergiu para recolher informações sobre o navio que acabara de afundar, percebeu que no mar se falava italiano, então um país aliado. Comunicou de imediato com o seu Quartel-General na Alemanha, que reenviou mensagem para Lisboa onde os responsáveis pela Legação contactaram as autoridades marítimas portuguesas. Ao início da noite a informação chegou finalmente a bordo do “Afonso de Albuquerque” que conseguiu aprontar-se para zarpar na madrugada de 29.

Pouco depois das 13 horas o aviso já estava sobre a zona do desastre e foi confrontado com um cenário que dificilmente seria esquecido pela sua tripulação. A mancha de destroços estendia-se por milhas e entre madeiras, colchões e todo o tipo de materiais boiavam dezenas ou centenas de corpos.

O resgate decorreu de forma ininterrupta ao longo de 27 horas, retirando da água um total de 194 pessoas, sendo que cerca de 130 eram italianos. Mais de 850 morreram. Como corolário inédito da operação ficaram notas oficiais de agradecimento tanto das autoridades aliadas como do Eixo.

Foi também no índico que um navio português, o “Gonçalves Zarco”, retirou os últimos homens da água. Pertenciam ao britânico “Director”, afundado em 15 de julho de 1944 pelo submarino alemão U-198 e, curiosamente, a última dúzia de arribadas de que tenho notícia também tiveram lugar no Índico.

De entre as arribadas destaco o caso do Radbury, navio britânico do qual chegou um sobrevivente à ilha Europa em Novembro de 1944. Numa relação de salvamentos enviada pelo Departamento Marítimo da Colónia de Moçambique ao Ministério dos Negócios Estrangeiros existe uma nota que deixa perceber um caso de canibalismo, o único que encontrei até ao momento: “(…) Eram 40 sobreviventes que após três dias aportaram numa pequena ilha, sem árvores nem água, de areia onde encontraram ovos de aves e onde permaneceram dois meses. Por falta de água o sobrevivente e mais três companheiros abandonaram a ilha. Dez dias depois (…) o fogueiro (…) deitou-se à água e desapareceu. (…) o mesmo fez o artilheiro (…). O terceiro companheiro Ah Fong, marinheiro apertado pela sede morreu na jangada onde foi encontrado sem o antebraço e com a face corroída e irreconhecível. (…) Ignora-se o destino dos que ficaram na ilha”.

Carlos Guerreiro

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

«Escaparate de Utilidades»
Instituto Cliper's

Diário de Notícias, 24 de Novembro de 1941

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Eduardo Neves e Melo, sobrinho de Rafael Nazareth Cardoso

Ontem recebi a notícia da morte de Eduardo Neves e Melo.

Eduardo Neves e Melo
Muitos de vocês - a maioria certamente - não sabem que era, mas tive o prazer de o conhecer em Fevereiro de 2013 no Espaço Memória dos Exílios, em Cascais, durante um encontro promovido para falar sobre o meu livro “Aterrem em Portugal!”.

O Eduardo trazia, num envelope, uma fotografia em grande formato que fez questão de me mostrar. Era do tio, Rafael Nazareth Cardoso, falecido em 1944, comandante do paquete Angola durante os primeiros anos da II Guerra Mundial e protagonista de um pequeno episódio de que na época me pareceu bastante rocambolesco: Tinha recebido dos alemães uma pequena caixa de madeira de ébano como agradecimento por ter ajudado o tripulante de um submarino daquele país.

Tinha também com ele a caixa. Era pequena, escura e tinha uma chapa de prata onde se lê: “Ao Cdte. Nazareth Cardoso em reconhecimento pelo seu acto humanitário. Em 19-11-1943. A Marinha de Guerra Alemã".

A história intrigou-me e nas semanas seguintes trocámos uns e-mails onde me deu mais pormenores sobre este familiar. Amante do mar quis entrar para a Armada, mas não conseguiu, razão porque se virou para a marinha mercante. Era apontado como alguém que cumpria escrupulosamente as regras e não facilitava. Era um germanófilo convicto e tinha até as poupanças numa banco alemão, razão porque deixou a mulher na ruína quando a guerra acabou. Nunca teve filhos.

Com os poucos dados que tinha consegui, ainda naquele mês de Fevereiro, descobrir mais alguns dados que confirmavam a distante e nebulosa história. No dia 19 de Novembro de 1943 o Angola foi inteceptado pelo U-103 que tinha a bordo um tripulante com tuberculose. Este último foi transferido para bordo do navio português para receber a assistência devida e os marinheiros alemães receberam ainda das mãos de um diplomata italiano que estava a bordo 3500 cigarros...

Ficámos os dois animadíssimos.

O comandante Nazareth Cardoso
com o Almirante Gago Coutinho..
.
Continuámos a trocar uns e-mails e a encontrar-nos aqui e ali de vez em quando. A história do tio vinha sempre à baila.

A partir de 2014 empenhei-me fortemente na recolha de material sobre as actividades das nossas marinhas - Armada, mercante e pesca - porque percebei que havia muito história não contada e que afinal eram tão espectaculares... A questão dos salvamentos realizados pelos nosso navios são o centro deste trabalho.

E foi aí que descobri de novo o nome de Nazareth Cardoso. Em 4 de maio de 1941, também como comandante do Angola, ele tinha recolhido 43 sobreviventes do cargueiro britânico Wray Castle...

Curiosamente o U-boat que afundou este navio foi o U-103, o mesmo que dois anos depois lhe pediu para acolher o homem tuberculoso.

Há uns meses consegui localizar os Diários de Navegação do Angola e na página correspondente ao dia 19 de Novembro de 1943 destaca-se uma nota  em alemão, de agradecimento, do comandante do u-boat alemão...

Ficámos de ir juntos ver o livro, mas já não foi possível.

Este blogue é também das pessoas que o lêem, que me procuram e que partilham as suas histórias. É um bocado de todos vós e, por isso, vai continuar a ser um pouco do Eduardo Neves e Melo...

Até um dia destes meu caro...

Carlos Guerreiro

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Salvamentos da Armada no Atlântico

A primeira unidade da Marinha Portuguesa a realizar com sucesso uma operação de busca e salvamento de uma tripulação pertencente a um navio afundado por uma ação de guerra foi o contratorpedeiro “Dão”, em Agosto de 1940. Informado via rádio do ataque a um petroleiro britânico o capitão-de-fragata Arnaldo Moreira saiu de Ponta Delgada e encontrou relativamente depressa a mancha de destroços que marcava o local do incidente, mas os náufragos revelaram-se bem mais esquivos.

O contratorpedeiro Lima foi o navio da marinha
que fez mais salvamentos durante o período da II Guerra Mundial.

Apesar de todos os cálculos foram necessários quatro dias para perceber qual o destino dos 51 sobreviventes. No dia 16 o “Dão” conseguiu recolher 16 homens – os restantes chegaram pelos próprios meios a São Miguel – e depressa percebeu porque eles lhe tinham escapado durante tanto tempo: o submarino italiano Alessandro Malaspina, responsável pelo afundamento do “British Fame”, tinha rebocado os botes com os sobreviventes até à proximidade da ilha.

A unidade da armada que mais náufragos recolheu no Atlântico seria o contratorpedeiro “Lima” que em duas operações distintas encontrou um total de 229 pessoas, oriundas de três navios distintos. Na noite de 8 de Julho de 1942, sob o comando de Sarmento Rodrigues, foram avistados do navio fogachos de luz à distância. Dirigindo-se ao local descobriram uma primeira baleeira com gente do “Avila Star” e continuando as buscas foram encontradas mais duas, totalizando 110 pessoas, que foram posteriormente desembarcadas em São Miguel, nos Açores.

Outros 28 náufragos do mesmo navio foram encontradas pelo aviso “Pedro Nunes” que se fez ao mar quando o “Lima” avisou que estava a ficar sem combustível para continuar a sua missão. A Aviação Naval também deu uma importante ajuda na localização desta última baleeira.

Em Janeiro do ano seguinte a operação seria ainda mais dramática. Informado do afundamento do americano “City of Flint” o comandante Sarmento Rodrigues saiu em busca de possíveis náufragos e quando encontrou a primeira baleeira foi surpreendido pelo facto desta pertencer a outro cargueiro, o também americano “Júlia Wardhowe”. Entre os náufragos dos dois navios recolheram-se um total de 119 marinheiros, mas o mais difícil foi regressar a Ponta Delgada.

Apanhados por uma tempestade o contratorpedeiro português sofreu importantes avarias, houve tripulantes feridos e esteve sempre presente o receio de um desastre com consequências ainda mais graves. Um problema nas máquinas deixou o “Lima” “durante 45 minutos, atravessado ao mar, chegando a dar 67 graus de balanço e adormecendo apesar de ter, por precaução, enchido de água os tanques de nafta”, explica o comandante num dos seus relatórios.

Apesar de elevados estragos e aflições as gentes do “Lima” puderam contar com a satisfação de ter salvo vidas, algo que não tinha acontecido cerca de um mês antes com o "Dão" quando este saiu do porto para procurar, sem resultados, sobreviventes do paquete britânico “Ceramic”.

Saído a 7 de Dezembro percorreu um mar alteroso durante três dias sofrendo avultadas avarias: O mastaréu e a verga quebraram ficando pendurados; nos paióis da ré entrou grande quantidade de água salgada, acontecendo o mesmo na casa de máquinas e em todos os pontos do navio onde existiam escotilhas ou vigias expostas ao embate das ondas; quase todas as cavilhas dos balaústres estavam quebrados e destes últimos vários apresentavam-se torcidos, alguns em ângulos de 90 graus... A lista de estragos continua.

Sobre o "Ceramic" só se souberam mais pormenores no final da guerra. Apenas uma pessoa das mais de seiscentas sobreviveu, e só porque foi aprisionada a bordo do submarino que realizou o ataque, o U-515. Das restantes não houve mais notícias…

No Atlântico merece ainda destaque a operação realizada pelo contratorpedeiro Vouga que em agosto de 1941 protagonizou um “salvamento a pedido”, recolhendo 19 tripulantes do vapor alemão “Frankfurt”, um dos navios daquele país que no começo da guerra se tinha abrigado num porto neutro, bloqueado pela forte presença aliada no mar. Neste caso o porto de escolha fora no Chile onde se encontravam também outras unidades alemãs.

Tripulação do navio alemão Frankfurt chegando a Lisboa
depois de ter sido recolhida pelo contratorpedeiro Vouga.
Depois de dois anos “abrigado” o “Frankfurt” – reforçado com a tripulação de outros navios alemães mais lentos - partiu para dobrar o Cabo Horn em 17 de Maio de 1941, recolhendo-se depois no porto do Rio de Janeiro. O objectivo - ambicioso - passava por tentar uma corrida através do Atlântico em direcção à Alemanha.

No dia 26 de Junho partiram do porto brasileiro na máxima velocidade, mas a 4 de Agosto a aventura terminou ao serem interceptados pelo britânico “HMS Covina”. Para evitar que o cargueiro caísse em mãos inglesas a tripulação resolveu afundá-lo, refugiando-se em três baleeiras. Duas delas foram recolhidas pelo vaso de guerra inglês, mas os 19 homens da terceira aproveitaram a noite para se afastar o mais possível, evitar a captura e tentar chegar aos Açores.

No dia 7 avistaram ao longe um vapor. Temeram que fosse britânico ou de outro país do lado aliado, mas tratava-se do “Norden” com bandeira neutral do Panamá. Acreditaram que estariam salvos só que as coisas não correram como era esperado. Os panamianos estavam dispostos a levá-los, mas temiam que este tentassem tomar o navio e propunham que seguissem para Lisboa em situação de detenção numa cabine que seria fechada e vigiada.

Para os alemães essa hipótese não se punha e resolveram regressar à baleeira. Reforçados com abastecimentos oferecidos pelos panamianos tentaram chegar às ilhas portuguesas, mas ao fim da tarde do dia 9 foram surpreendidos pelo surgimento do “Vouga”.

O comandante do “Norden” tinha comunicado via rádio a localização dos alemães e o navio português, em Ponta Delgada, saiu logo pque pode para os localizar. No dia 13 de Agosto de 1941 entravam no porto e Lisboa, onde a Legação Alemão aproveitou a sua chegada para desenvolver uma intensa campanha de propaganda.

Segundo notícias publicadas na época também o “Lima”, que escoltava o “Carvalho Araújo” onde viajava o Presidente da República Óscar Carmona em visita oficial, recebeu ordens deste último para tentar localizar a baleeira... O Vouga teve mais sorte.

Carlos Guerreiro

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Salvamentos realizados no Atlântico por navios mercantes portugueses

Pouco depois de se dispararam os primeiros tiros do viria a ser um conflito que se prolongou por cerca de seis anos os portugueses puderam assistir em primeira mão aos efeitos da guerra com a chegada a Lisboa do navio holandês “Eidanger”, no dia 6 de Setembro de 1939, trazendo a bordo os náufragos do cargueiro britânico “Bósnia”, afundado dias antes.

Vinte e quatro horas depois entrava também na capital o “Carvalho Araújo” e o holandês “Maars” trazendo respectivamente 16 e 30 tripulantes do “Manaar”, afundado também por um submarino alemão dias antes.
O paquete "Angola" recolheu de uma vez 43 náufragos britânicos e de outra
o tripulantes de um submarino alemão que estava doente.
A descrição da batalha que afundou o “Manaar”, a chegada dos náufragos a bordo dos navios holandês e português e o tratamento dado aos feridos mereceu ampla cobertura dos jornais da época, com a publicação de longas reportagens, ilustradas com várias fotografias. Durante toda a guerra será aliás assídua a atenção da imprensa para com os salvamentos protagonizados pela frota nacional, tanto civil como militar, e para com os náufragos – especialmente em Lisboa e nas ilhas atlânticas – apesar do espaço ocupado pelo noticiário ter diminuído ao longo do tempo.

Com algumas dezenas de navios a atravessar o Atlântico em direcção às Américas do norte e do sul, às ilhas adjacentes e às ex-colónias africanas, cresceu rapidamente o registo de salvamentos realizados, especialmente nas áreas dos Açores e de Cabo Verde.

Em algumas situações são encontrados várias dezenas de náufragos de uma só vez, sendo os mais significativos o caso do “Tarrafal” que, em maio de 1941, recolheu 85 homens da guarnição do britânico “Clan MacDougall”, nas imediações da ilha de Santo Antão, Cabo Verde; do “Sines” que, em Março de 1943, no regresso dos EUA, acolheu 71 sobreviventes do americano “Keystone”; do veleiro “Sultana” que em julho de 1941, também em Cabo Verde recolheu 51 homens do britânico “Auditor” ou do paquete “Angola” que a 4 de maio de 1941 encontrou 43 tripulantes do cargueiro britânico “Wray Castle”.

Há ainda registo para algumas situações curiosas.

Em 19 de Julho de de 1942 o San Miguel, durante uma viagem aos EUA, foi parado por um submarino alemão que ordenou uma inspecção aos documentos e à carga do navio. Enquanto decorria a fiscalização aproximaram-se duas baleeiras com 29 náufragos do “Leonidas M.”, afundado horas antes. Entre as 17.30 e as 20 horas os sobreviventes do cargueiro grego esperaram pacientemente nos seus botes antes de arriscaram a subida a bordo do navio português, não fosse este também ser metido a pique...

Numa viagem aos EUA, em Março de 1942, o “Cunene” foi surpreendido por um U-boat que emergiu a umas dezenas de metros para o informar da existência de três baleeiras com náufragos poucas milhas a sudoeste. Eram 29 sobreviventes do norueguês “Svenor” que foram metidos a bordo e deixados em Filadélfia. No regresso a Lisboa o mesmo "Cunene" teria novo encontro com náufragos noruegueses, desta vez em número de 12 e pertencentes ao petroleiro "Koll".

Também o paquete “Angola” foi parado a 19 de Novembro de 1943 por um U-boat alemão quando vinha das colónias africanas em direcção ao Funchal. Desta vez o pedido de ajuda era para um tripulante do próprio submersível, doente com uma pneumonia. Sem condições para o tratar a bordo o comandante do submarino pediu ajuda ao capitão Nazareth Cardoso.

Este último não deixou qualquer referência ao acontecimento no Diário de Navegação do paquete português, mas o oficial germânico deixou por lá uma nota de agradecimento e mais tarde a Legação Alemã em Lisboa ofereceu-lhe um caixa em madeira de ébano como forma de agradecimento, que ainda hoje se mantém na família.

Estes são apenas alguns dos mais de cinquenta salvamentos realizados por navios portugueses ao longo da II Gerra Mundial. Na última semana tínhamos referido o caso do Alexandre Silva que salvou três tripulantes do Peleus. Prometemos trazer mais algumas histórias na próxima semana...

Carlos Guerreiro

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Portugueses salvaram mais de dois mil náufragos durante a II Guerra Mundial

Navios portugueses retiraram do mar mais de dois mil náufragos durante o período da II Guerra Mundial. Os salvamentos aconteceram nos oceanos Atlântico e Índico e entre os homens e mulheres recolhidos encontra-se gente dos quatro cantos do mundo.

Tripulantes do "Manaar" chegando a Lisboa em 6 de Setembro de 1939.
O "Carvalho Araújo" salvou 16 dos seus tripulantes e o holandês "Maars" outros 30.
Todos chegaram à capital portuguesa no mesmo dia.

(Foto: Revista Ilustração, 16 de Setembro 1939)
Há cinco anos que reúno material sobre este tema e neste momento estou empenhado em concluir uma tese de mestrado sobre este tópico - ficam as minhas desculpas por ter deixado o "Aterrem em Portugal!" um pouco abandonado.

Na próxima sexta de manhã, durante as Jornadas do Mar que estão a decorrer na Escola Naval em Lisboa, vou abordar este assunto com alguma profundidade e prometo ir dando notícias sobre a evolução do trabalho.

De resto espero que a divulgação da evolução da tese também me traga novas informações, nomeadamente, de outros interessados neste tema e especialmente de familiares de marinheiros portugueses que tripulavam estes navios redentores... Agradeço, por mais esta razão, o máximo de partilhas deste texto.

Por agora deixo uma das dezenas de histórias que fui encontrando...


O caso Peleus

Pouco depois do meio-dia do dia 20 de Abril de 1944 o navio português Alexandre Silva encontrou sobre uma jangada três náufragos, ex-tripulantes do cargueiro grego “Peleus” que fora afundado mais de um mês antes – a 13 de Março – por um submarino alemão quando seguia sozinho na rota entre Freetown e Buenos Aires.

Mal sabiam os portugueses quando desembarcaram os três homens – dois de nacionalidade grega e um maltês – no Lobito, no dia 27 de Abril, que iriam abrir um dos capítulos mais negros da história da marinha alemã durante o período da II Guerra Mundial. Antonios Lissis, Dimitrios Argiros e Roco Said eram os únicos sobreviventes de um massacre perpetrado pelo comandante e alguns tripulantes do submarino alemão U-852.

O navio "Alexandre Silva", da Sociedade Geral.
No dia 13 de Março o “Peleus” tinha-se afundado em poucos minutos depois de ter sido atingido por dois torpedos. O submarino emergiu próximo dos tripulantes que tinham conseguido salvar-se, atirando-se à água, tentando agarrar-se às jangadas e outros destroços que flutuavam nas imediações.

O comandante alemão, Heinz-Wilhelm Eck, interrogou primeiro um dos oficiais gregos e depois ordenou que matassem todos os náufragos. Durante toda a noite foram atiradas granadas e feitos disparos de metralhadora que eliminaram a quase totalidade dos que estavam na água. Sobreviveram quatro tripulantes que conseguiram esconder-se em duas jangadas.

Antes de serem recolhidos pelo Alexandre Silva, da Sociedade Geral de Comércio Indústria e Transportes, um dos quatro homens morreu na sequência de ferimentos que tinha sofrido na sequência da explosão de uma granada.

Nos princípios de maio de 1944 o U-852 foi alvo de um ataque aéreo perto da costa da Somália, deixando-o com graves avarias que obrigaram a tripulação a encalhar o submersível junto à costa. A bordo os britânicos encontraram relatórios que referiam o afundamento de um navio no dia e na zona onde se registara o incidente com o Peleus.

Em Outubro de 1945 cinco elementos do U-852 foram formalmente julgados por crimes de guerra em Hamburgo. Condenados à morte Eck e dois outros oficiais seriam executados em Novembro do mesmo ano, ficando para a história como os únicos tripulantes de U-boat’s a sofrerem pena capital por crimes de guerra...

Carlos Guerreiro