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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A ocasião faz... o espião

“O nacional indicado, encontra-se detido sob a acusação de ter colaborado em uma organização de espionagem a favor de uma potência em beligerância. Essa colaboração residiu no facto do mesmo ter cedido à organização uns mapas da ilha de S. Miguel e nos quais apôs as respectivas posições de tropas ali concentradas”.


Gravura inserida num conto de espionagem -  "O mistério do sector Z", de Pinto Guimarães - publicado no Século Ilustrado de 28 Janeiro de 1939.
(Colecção do Autor)

As acções de Clemente M. são assim referidas, de forma sucinta, num relatório enviado pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, antecessora da PIDE) ao Ministro do Interior, Botelho Moniz, em Dezembro de 1944.

O filho enviara uma carta onde pedia a libertação do pai, pelo menos para passar com ele o natal. A detenção ocorrera em Janeiro de 1944, mas a situação continuava pouco clara para a família. Sabiam que tinham ocorrido várias prisões relacionadas com o mesmo caso, mas apenas Clemente se mantinha atrás das grades.

A PVDE tinha, de facto, efectuado mais do que uma detenção na sequência da venda do mapa aos serviços de espionagem alemães, mas concluíra que os restantes arguidos ou não tinham colaborado no esquema, ou o tinham feito de forma inocente.

Clemente M. era amigo do Major Tomáz I., colocado em S. Miguel e aproveitou essa amizade para colocar várias perguntas ao militar, quando este se deslocou ao continente na sequência de uma promoção. Foi assim que soube os locais onde estavam acantonadas tropas, “bem como outros elementos, os quais lhe facultaram a confecção do “cróqui” fornecido à organização”, refere o relatório da PVDE. O preço cobrado pelo mapa não é referido.

A carta do filho de Clemente M. é apenas uma das muitas que o ministro do Interior recebia de familiares de presos que apelavam à compaixão e à complacência. Outras vezes pediam-se apenas informações sobre as razões que tinham levado à prisão um marido, um pai ou um filho. Podiam passar-se meses sem que uma acusação fosse formulada.

Sempre que surgiam estas solicitações o chefe de Gabinete do Ministro solicitava informação à força responsável pela detenção - PVDE, PSP ou GNR.

Entre os documentos do Gabinete do Ministro do Interior, existentes na Torre do Tombo, encontram-se pedidos de informação sobre presos de delito comum, mas também sobre alegados comunistas, reviralhistas, grevistas, revolucionários e outros portugueses envolvidos em casos de colaboração com "organizações estrangeiras de actividade suspeita".

É também este o caso de Dagoberto P., mais um português que aproveitou o momento para aplicar um golpe de… oportunidade.

Em Novembro de 1944 a mulher Aninhas P., envia uma missiva ao ministro estranhando o atraso no processo do marido. De resto acredita que a sua prisão é um erro.

Em resposta a PVDE informa o Ministro que ainda não foi dado andamento ao processo porque este se encontra no Ministério da Guerra para que o sub-secretário de estado “se digne a dar o seu parecer sobre as penalidades a aplicar aos arguidos de nacionalidade portuguesa”.

As razões para a detenção são consideradas graves, mas não deixam de dar mostra do engenho de muitos portugueses naquele período. Diz o relatório que “Dagoberto P. encontra-se preso, por, com outros indivíduos, ter forjado informações de carácter secreto que eram vendidas a um italiano, como se fossem elementos furtados ao Ministério da Guerra, chegando ao ponto de elaborarem uma cópia «autêntica» de um documento daquela secretaria de Estado, «assinado» em nome de Sua Excelência o sub-secretário de Estado”.

E não se pense que Dagoberto era novo nestas andanças, pois já estivera “preso por idêntico delito, de 17 de Junho a 29 de Novembro de 1943, tendo sido restituído à liberdade por ordem do Governo”.

Espiões à portuguesa.



Carlos Guerreiro

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