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sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Espionagem em Lourenço Marques...
Raptos para fechar olhos e ouvidos

Alfredo Manna foi agredido mal parou o carro e continuou a ser socado até ficar inconsciente. De seguida, na sua própria viatura, foi conduzido até à fronteira de Moçambique com a Suazilândia e entregue à Polícia da Real Força Aérea. Na noite de 21 de Março de 1943 os serviços secretos ingleses concluíam, desta forma, por concluída a Operação Smokescreen (cortina de fumo) que tinha como principal objectivo dar um golpe na rede de espionagem italiana que operava em Lourenço Marques.

Folheto publicitário do Costa's Casino. 
Foi nas traseiras deste "dancing" que começou a operação de rapto do agente italiano Alfredo Manna.

Para Alfredo Manna foi o culminar inesperado de uma noite que tinha prometido algo completamente diferente. Há muito que se insinuava junto de Ana Levy, uma bailarina sul-africana do Costa’s Casino, na capital moçambicana. Quando esta lhe telefonou a marcar o encontro, deve ter acreditado que os galanteios tinham obtido resultados.

Encontrara-se com ela nas traseiras da casa de espectáculos e Ana dissera-lhe para conduzir até um café, a cerca de 20 quilómetros, na estrada que ligava Lourenço Marques à Suazilândia. Foi já perto do destino que viu um carro na berma estrada, aparentemente, avariado. Quando passou por ele, um outro automóvel, também estacionado na berma, atravessou-se na sua frente. Vários homens deram-lhe depois uma tareia. Acordou num hospital da África do Sul, onde passou vários dias, antes de ser entregue à marinha britânica, que o transportou para Inglaterra onde foi internado e interrogado no Campo 020, na ilha de Man, especialmente concebido para receber espiões inimigos.

Alfredo Manna era um elemento chave da rede de espionagem italiana que operava em Moçambique. Responsável na ex-colónia portuguesa pela Agência de Notícias Stefany, era um dos cérebros da organização liderada pelo cônsul-geral italiano Umberto Campini. A recolha de dados sobre navegação era a sua principal actividade.

Com o mar mediterrâneo demasiado perigoso, parte importante dos abastecimentos para o exército britânico no Egipto começaram a circular através do Cabo da Boa Esperança. Os navios eram tantos que os portos sul-africanos não tinham capacidade de resposta e Lourenço Marques depressa integrou a lista de escalas para os abastecimentos.

Para além dos marinheiros que chegavam nestes navios, centenas de outros encontravam em Lourenço Marques um porto de abrigo depois dos seus navios serem afundados ao largo da África do Sul ou no Canal de Moçambique. Conhecedores das rotas que os abastecimentos seguiam as frotas de submarinos alemães e japoneses organizaram, entre 1941 a 1944, diversas expedições afundado dezenas de navios. As faltas de escoltas navais e aéreas tornavam o teatro de operações muito apetecível…

Era destes homens que os agentes italianos e alemães extorquiam informações. Um copo, uma promessa ou simplesmente a falta de cuidado soltavam a língua e as informações fluíam. Grupos de noruegueses, gregos ou de outros países ocupados pelo Eixo também se deslocavam de forma voluntária ao consulado alemão em busca de apoio. Segundo Werz confessaria depois da guerra não era difícil sacar-lhes informações.

Os britânicos aperceberam-se destas movimentações em Lourenço Marques e em finais de Junho de 1942 chegava à cidade Malcolm Muggeridge, com o objectivo de reforçar e reorganizar os serviços de contra-espionagem locais.

Mal chegou, no Verão de 1942, Muggeridge contribuiu para o rapto de um outro elemento da rede de Campini. Homer Serafimides era um marinheiro grego conhecido pelas suas ligações com os italianos. Com a colaboração de Muggeridge, que exerceu pressão sobre o cônsul grego, foi possível meter Serafimides a bordo de um cargueiro grego. O comandante do navio prendeu-o em mar alto e entregou-o no porto sul-africano de Durban.

O jornalista, e futuro escritor britânico, preocupou-se um montar uma rede de vigilância que conseguisse perceber as movimentações dos homens do Eixo. Hospedou-se até no Hotel Polana, para melhor seguir as movimentações dos espiões do eixo que também ali tinham montada a sua base de operações. Entre os que foram recrutados contavam-se dois judeus polacos, um aristocrata alemão e Abel Ferreira, chefia da PVDE em Moçambique, identificado como “Inspector Y”, e que seria o cérebro e o executante da operação de rapto de Manna.

Seria ainda Ferreira a montar as operações de busca ao italiano e a conduzir a investigação policial ao seu desaparecimento. Circularam rumores de que Manna se teria oferecido aos aliados a troco de dinheiro. O inquérito policial seria inconclusivo…


Werz é mais perigoso

Quando Muggeridge chegou, em 1942 os olhos dos aliados estavam sobre Campini que surgia como o líder da mais perigosa rede a operar a África Oriental portuguesa, mas essa percepção mudou em poucos meses e não seria apenas devido aos raptos.

Em finais daquele ano tinha sido possível descodificar as mensagens que vinham de Lourenço Marques e afinal cônsul alemão tinha acesso a informações muito mais sensíveis do que Campini. A rede alemã estendia-se de Lourenço Marques a Pretória, onde contava com a colaboração de muitos Africânderes, que estavam contra o alinhamento do país ao lado da Inglaterra.

Os longos telegramas que enviava para Lisboa continham um misto de notícias sobre navegação e dados sobre a África do Sul. No interior do país estavam colocados agentes alemães, postos emissores e, num dado momento, até foram enviados sabotadores da Alemanha com o objectivo de desestabilizar o país.

As atenções deslocaram-se assim de Campini para Luitpold Werz, o vice-cônsul alemão na cidade, apontado como coordenador da enorme rede de recolha de informações que minava Moçambique e a União Sul Africana, isto apesar dos telegramas enviados para Lisboa, e para Berlim, serem assinados pelo cônsul-geral da Alemanha, um homem idoso chamado Paul Trompke.

A rede de Werz conseguiu, por exemplo, informar Berlim da eminência da invasão aliada de Madagáscar em Maio de 1942(uma possessão francesa e, por isso, sob governo de Vichy). Enviou também informação sobre os meios militares presentes naquela ilha, depois da invasão, ou maquinaria militar que estaria a caminho da União Sul-Africana a bordo de navios que vinham da América.

A sua rede de agentes era constituída por alemães evadidos de campos de prisioneiros sul-africanos, alguns residentes, vários portugueses, incluindo também um elemento da polícia, e ainda os marinheiros de dois navios mercantes alemães refugiados no porto de Lourenço Marques (Aller e Dortmund) e de um outro na Beira (Rufidji). Os navios tinham procurado refúgio no porto neutral quando rebentou a guerra. Seriam adquiridos pelos portugueses em 1943. Ancorado na capital moçambicana encontrava-se também o navio tanque italiano “Gerusalemme”, munido de um poderoso rádio utilizado tanto por italianos como por alemães para fazerem chegar informações mais urgentes a Roma ou a Berlim. Uma operação sempre difícil pois as condições estavam longe de ser ideais.

Depois dos sucessos obtidos com os raptos dos agentes italianos Muggeridge começou a delinear planos para minar a rede alemã. Werz não poderia ser o alvo porque o seu desaparecimento causaria demasiados problemas na pacata Lourenço Marques, mas existiam dois outros operacionais que pareciam importantes e cujo desaparecimento seria sentido no funcionamento da organização.

Herbert Masser, também conhecido por “Pastor”, era um alemão que havia escapado da África do Sul. Era sobejamente conhecido por ter sido julgado naquele país por um crime de espionagem. Num interrogatório no final da guerra Werz não reconheceria qualquer importância a Masser, classificando-o como o uma personagem problemática. Não seria necessário levar avante a operação "Pastmaster", pois Masser seria preso pelos aliados quando tentava chegar a Lisboa escondido a bordo de um navio.

Alois Muellner já era diferente. Conhecido também por Leo, era um dos responsáveis - com um grego de nome Batos ou Bathos - pela elaboração dos “Leo Reports” que eram entregues periodicamente a Werz.

Afinador de pianos de profissão circulava pelas casas dos mais ricos de Lourenço Marques onde alimentava longas conversas sobre os temas do momento.Era conhecido por transitar pelo porto atento às conversas e por oferecer bebidas aos marinheiros nos cafés e bares.

Este tipo de actividades acarretava alguns riscos. Um dos sócios do Hotel Savoy informou, por exemplo, os serviços britânicos de um episódio onde ele quase foi agredido por um náufrago grego. “Você afunda os nossos navios e ainda tem coragem de vir aqui falar connosco” terá gritado o homem antes de se dirigir a ele para lhe bater. O confronto físico só não aconteceu porque outros se interpuseram entre os dois homens.

A “Operação Armpit” também não sairia também do papel, mas por razões diferentes. Em Lisboa negociava-se a cedência das Lages entre portugueses e britânicos e o Foreign Office queria o caminho desimpedido de problemas. Mais um rapto poderia criar sérios problemas diplomáticos.

Manna, que inicialmente ficara calada começara também a falar e diversas mensagens, entregues para análise aos serviços de inteligência da marinha, reveleram que as informações fornecidas por Werz e por Campini, eram vagas e pouco contribuíam para a actividade dos submarinos. Excluída ficou também a suspeita de que existiriam contactos directos entre a rede e os submarinos que operavam naqueles mares.

Não haveria mais acções espectaculares. Os britânicos continuariam apenas a "alimentar" as autoridades portuguesas com informações, com o objectivo de que estes expulsassem italianos e alemães do território, o que aconteceria em 1943 e 1944…

Carlos Guerreiro

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