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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Espionagem em Lourenço Marques...
Risco em Moçambique na revista Colliers

O Hotel Polana, em Lourenço Marques, foi o local de residência do espião alemão Luitpold Werz, principal visado  no artigo da revista Colliers de Novembro de 19542.
(Foto: https://delagoabayworld.wordpress.com/)

O artigo que transcrevo foi publicado na edição de 7 de Novembro de 1942 da revista americana “Colliers”, e encontra-se assinada por Frank Gervasi, um jornalista consagrado, que cobriu a Guerra Civil de Espanha, a 2ª Guerra Mundial e foi autor de uma dezena de livros.

Este artigo encontra-se entre a documentação do Arquivo Oliveira Salazar, na Torre do Tombo, e terá causado uma forte impressão no governante português, pois tanto o Ministério da Marinha como o Ministério da Colónias elaboraram relatórios relacionados com este assunto. Esses relatórios serão tema para um artigo na próxima semana.

O tempo irá levar o governo português a assinar a expulsão de Luitpold Werz - a personagem central desta peça jornalística - e de outros colaboradores dos serviços secretos do nazismo, tanto em Moçambique como em Angola. Temas a que também voltaremos noutros artigos…

Apesar de, aparentemente, se encontrar longe dos grandes centros de decisão, aquele território e a África do Sul, foram palco de um verdadeiro choque entre agências de espionagem do Eixo e dos Aliados, com o registo de raptos, secretas operações de desembarque, ataques a navios e muitas outras peripécias…

Há certamente assunto para várias semanas de conversa…

Por agora fica o artigo que descreve o ambiente que se vivia em Moçambique, e também as suspeitas que recaiam sobre o vice-cônsul alemão, Herr Werz…


Região Africana de Risco

A linha de abastecimento dos Aliados, desde Inglaterra até às frentes de batalha do Próximo Oriente, Rússia e Índia, depois de rodear o Cabo da Boa Esperança, vai passar nas águas estreitas do Canal de Moçambique entre a Ilha de Madagáscar e a África Oriental Portuguesa. É uma das mais seguras linhas que liga os arsenais das nações unidas com os seus campos de batalha, e só é verdadeiramente vulnerável nas águas do referido canal. No momento mais crítico da luta, que procurava impedir que o inimigo alcançasse as regiões petrolíferas da Rússia e da Arábia, perdemos muitos navios nesse canal. O seu número exacto continua sendo um segredo militar.

A fim de proteger esta linha de abastecimentos, os ingleses ocuparam Diego-Suarez e a União Sul-Africana enviou tropas para terminar a ocupação de Madagáscar, para evitar que o inimigo se servisse da ilha como base donde atacasse a navegação aliada no canal e, possivelmente, donde tentasse a invasão do continente africano. Mas Madagáscar é apenas metade do problema. A outra metade é a África Oriental Portuguesa.

A colónia portuguesa neutral da África Oriental é, em determinado sentido, uma base inimiga no continente africano. Dali os espiões e agentes inimigos podem comunicar para Berlim, Roma e Tóquio, os movimentos dos navios pertencentes às Nações Unidas. Estes agentes da Gestapo, recrutam em Lourenço Marques marítimos holandeses e gregos que fazem parte das tripulações dos navios aliados. É dali que um dos mais hábeis, dos muitos, agentes alemães transmite para Berlim as informações que acumula relativas às Nações Unidas , e cujas funções no continente africano se podem comparar com as exercidas por Von Papen, nos Balcãs, e por Grobba, no Próximo Oriente.

Ele fornece a Goebbels todos os elementos para a sua propaganda contra a África do Sul – mas esta é talvez a menos perigosa das suas missões.

Se o problema fosse contrário, isto é, se a África Oriental Portuguesa estivesse rodeada de colónias alemãs em vez de o estar por territórios, colónias e domínios britânicos não haveria dúvida acerca da forma como tudo teria sido resolvido. Os alemães ter-se-iam limitado a invadi-la. Mas as Nações Unidas não procedem desta forma. Portugal é um neutro e a neutralidade portuguesa, segundo os métodos das Nações Unidas, tem de ser respeitada. Não importa que o sr. Luitpold Werz, que passa por ser o vice-cônsul alemão em Lourenço Marques, seja um dos mais seguros membros da Gestapo e que viole diariamente a neutralidade portuguesa.

Uma série e circunstâncias políticas e geográficas tornaram a tarefa de Werz relativamente fácil. Nos territórios neutrais as vantagens são sempre a favor do Eixo. Todos os neutros ou pseudo-neutros sentem-se obrigados a conformarem-se com as suas exigências. Muitos têm fronteiras comuns com o eixo ou com países ocupados e receiam a invasão se fazem qualquer objecção àquelas exigências.

Portugal, particularmente, está numa má situação, atendendo que, à mais pequena provocação, a Espanha, intimada pela Alemanha, o invadiria. Oficiais portugueses recém-chegados da metrópole a Moçambique informaram-me de que não seria possível resistir uma semana aos espanhóis se estes tentassem a invasão.

E se uma invasão tiver lugar, o império português, velho de meio século, compreendendo um território 26 vezes maior do que a metrópole, incluindo não só algumas das mais ricas das colónias de África, mas também ilhas de situação estratégica, estariam à mercê do eixo, da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos – do primeiro a chegar.

O vasto e rico império Português que tem sobrevivido, mais que qualquer outro, e escapado à sofreguidão imperialista dos últimos cem ou cinquenta anos, graças à protecção da poderosa esquadra Inglesa, pode tornar-se num dos impérios africanos à mercê dos acontecimentos.

O medo de perder o império, a fundamental e nítida simpatia pelo fascismo, bem impressa no seu sistema corporativo, e a secreta crença de que as Nações Unidas não ganharão a guerra explica, parcialmente, a tácita colaboração de Portugal com o Eixo. Estas circunstâncias, mais particularmente, explicam como o Dr. Werz obtém quantos fundos requisita dos bancos portugueses.


A habitual técnica nazi

É o mesmo velho “truque” que os Nazis utilizaram nos Balcãs. A Alemanha obriga Portugal a comprar-lhe os seus produtos, ferramentas e armamentos (ainda recentemente a Alemanha ofereceu-se para vender a Portugal o equipamento para quatro divisões motorizadas) e obtém, assim, largas reservas em dinheiro português nos bancos de Lisboa. O Dr. Werz, em Lourenço Marques pode, a seu belo prazer, levantar quanto precisar, desses depósitos.

A atmosfera pró-fascista de Portugal não é compartilhada pela população branca de Moçambique, onde os nativos não contam. A colónia, cuja prosperidade económica depende largamente da África do Sul e da Rodésia é, abertamente, pró Inglaterra e pró Nações Unidas.

A população ressente-se da tendência que há na metrópole para fazer de Moçambique terreno de experiência dos políticos na inactividade.

Chamam paraquedistas aos funcionários vindos de Portugal, que se apossam dos melhores lugares e não se preocupam nada com o progresso local.

Se Portugal for alguma vez invadido pelo inimigo é razoável esperar, de acordo com a opinião dos principais elementos da colónia, que Moçambique se torne o centro do movimento do Portugal livre, exactamente como sucedeu com as colónias francesas em relação à França. Nada, porém, contraria o trabalho de Dr. Werz, porque em toda a Neutrália (essa terra onde se costuma dizer “isso aqui não acontece”, e agora somente inclui meia dúzia das cinquenta nações independentes do mundo) há homens que ambicionaram alcançar o poder através de uma vitória do Eixo e outros que se podem comprar e vender.


Um porto importante e movimentado

Moçambique não constitui uma excepção.

O Dr. Werz sabe como gastar o seu dinheiro. Os seus agentes gastam-no em abundância comprando bebidas para os marítimos do porto. Lourenço Marques tornou-se um dos mais importantes portos num continente que é tristemente falho de bons fundeadouros.

Há 10 meses, os guindastes de Lourenço Marques jaziam abandonados e os seus cais estavam desocupados, excepto para uma pequena cabotagem ou para um navio ocasional, vindos de Lisboa. Hoje em dia é um dos mais movimentados portos da costa oriental, onde os cargueiros das Nações Unidas escalam para se reabastecer, reparar ou embarcar carga trazida por caminho-de-ferro da África do Sul.

Mais de dois milhões de toneladas de navios passaram por Lourenço Marques, entre Janeiro e Junho, e este ritmo aumentou à medida que as facilidades obtidas no Cabo e em Durban diminuíam devido à abundância de carga. As docas estão cheias de navios, e os cafés da beira-mar repletos de embarcadiços. Entre estes há gregos e holandeses cujas famílias estão nos territórios ocupados.

Hoje em dia os marinheiros valem como os canhões, e o Dr. Werz desenvolve um sistema capaz de nos (às Nações Unidas) privar de alguns.

Os seus agentes circulam por entre os marítimos mais inconsoláveis que ignoram se as suas famílias estão vivas ou mortas. Ganham-lhes a confiança e oferecem-se para obter novas dos seus parentes e amigos. “Basta que nos dê os nomes, donde foi o último lugar que recebeu notícias e nós faremos o resto”. Através da Gestapo em Berlim e nas áreas ocupadas o Dr. Werz obtém as notícias desejadas, em menos de 48 horas. Sempre que as notícias são desfavoráveis, claro, omitem-se os detalhes tristes. Então os agentes voltam a encontrar-se com os marítimos e transmitem-lhes as informações.

Em troca o Dr. Werz consegue preciosos detalhes para a sua principal missão, que é a espionagem naval: o último porto onde o navio tocou, tonelagem, espécie de carga e, possivelmente, o seu destino.

Pessoalmente, pode certificar-se quais os navios que largam de Lourenço Marques. Isso é o mais fácil. Basta-lhe olhar da janela do seu quarto, no Polana Hotel, que está numa elevação dominando a baía da Lourenço Marques. Telegrafa para Berlim o movimento diário dos navios. Berlim rapidamente se põe em contacto com os submarinos e corsários operando no canal de Moçambique e nas águas africanas.

Mas isto não é tudo. Os marinheiros a quem o Dr. Werz prodigaliza favores são muitas vezes influenciados para abandonar os seus navios. Lourenço Marques está cheio de embarcadiços pelas praias que o Dr. Werz levou a desertar, e de outros que naufragaram. Muitos dos barcos perdidos no canal tinham pouco antes levantado ferro de Lourenço Marques.

É um macabro estudo, este de observar um esgrouviado nórdico de cabelos louros e olhos azuis sentar-se na sala de jantar do Polana Hotel e medir com os olhos os capitães de navios que entram e saem. Deselegantemente vestidos com fatos comprados feitos, estes sobreviventes de naufrágios sentam-se para tomar a sua primeira refeição depois de dias e dias passados em baleeiras e jangadas.

A transmissão e recepção, referente ao trabalho que relatámos atrás, consome grande parte do orçamento diário do Dr. Werz em telegramas. Tornou-se o melhor cliente dos correios e telégrafos do estado, em Lourenço Marques. Todos os dias o vice-cônsul alemão manda o seu criado preto, uniformizado de caqui, à repartição dos correios com longos telegramas, dirigidos à Chancelaria Alemã, contendo numerosas linhas dactilografadas que representam palavras em cifra. No fecho, carimbadas com a águia alemã e a cruz suástica.

O criado deixa, para pagamento dos telegramas, vinte e quatro mil escudos em notas. A conta de telegramas do Dr. Werz atinge quinze mil dólares mensalmente e, sabe-se, levantou do Banco Ultramarino, o Banco Colonial do Estado, a quantia de cem mil dólares de uma só vez.

Em Moçambique os Nazis não se preocupam em colectar os duzentos alemães que vivem em Lourenço Marques, ou os quinhentos que possuem plantações de sisal no norte da colónia, próximo de porto Amélia e da cidade de Moçambique, a região próxima das antigas colónias alemãs.

As quantias que o Dr. Werz gasta com telegramas representam uma enorme despesa, no género daquela que os serviços de censura chamam “informações úteis ao inimigo”.

Certamente não enche os seus rádios com discrições dos acontecimentos e da vida de Lourenço Marques, porquanto esta cidade, embora capital da melhor colónia portuguesa, não é, positivamente, uma metrópole.

Para o cônsul americano, por exemplo, pode-se considerar uma semana ocupada aquela em que tem de expedir dois telegramas oficiais. A propósito, direi que o nosso cônsul ali é um rapaz de Buffalo, chamado Austin Roe Presont. É um funcionário de 4ª categoria, num posto classificado de 8ª, que está em inferioridade por não ser cônsul geral, porque todos os países, excepto o Japão, mantém lá cônsules gerais. E ele e a sua mulher de origem australiana, Marjorie e o seu filho , Austin Jr, constituem toda a população americana de Moçambique.


Deixam Werz trabalhar

Lourenço Marques, cenário deste drama africano de espionagem (que seria uma farsa e menos um drama se as consequências para as Nações Unidas fossem menos funestas) é uma terra triste e sombria, apesar das brochuras turísticas se lhe referirem com grandes encómios.

Aqui, 14.000 pessoas de origem portuguesa, 29.000 nativos e 5.000 sem identificação possível, arrastam uma monótona existência com dois cinemas, dois clubes nocturnos, um hotel medíocre e um “terrível” campo de golfe. Mas, apesar de tudo, ninguém se tem importado com Werz.

Alguns ingleses divertem-se arquitectando planos à Edgar Wallace para o fazer desaparecer, mas Werz prossegue serenamente como se nada fosse. Se não é o chefe local da Gestapo, personifica-o na perfeição, curva-se amavelmente diante dos portugueses e faz todo o possível para lhes cair nas graças; recebe-os e acumula-os de gentilezas.

Werz tem a mania da perseguição. Uma vez desmaiou na casa de banho e depois de ter sido socorrido pelo criado, jurou que tinha sido assaltado por agentes ingleses. Quando tornou mais tarde a desmaiar à mesa do jantar, quis provar que o tinham tentado envenenar. Não faz vida privada, nem sequer na praia, onde gosta de passear com sua mulher. Lourenço Marques é uma casa sem paredes. Uma cidade onde os europeus vivem na pequena área constituída pela sala de jantar, hall e bar do Polana Hotel. Basta-lhe jantar, uma ou duas vezes lá, para ficar sabendo tudo quanto quiser da vida local.


Um perigoso agente de espionagem

Werz é um homem novo, de trinta e tal anos, que veio para Lourenço Marques depois de ter sido expulso de Pretória, quando a África do Sul entrou na guerra. Há alguns que suspeitam que o grupo “Ossewabrandwag”, que é anti-intervencionista, de estar ligado com Werz, mas a prova dessa ligação não tem consistência.

Do que todavia, não há dúvida é que Werz, nos seus rádios para Berlim remete notícias da União, Rodésias e de toda a costa oriental até ao Cairo. Estando como está, no centro da principal linha de reabastecimento dos aliados, e no meio da linha aérea do Cairo ao Cabo, está em posição de recolher grande quantidade de “material” útil a Berlim. Seria magnífico, mesmo se se limitasse a recolher os informes que obtém dos jornais de Joanesburgo e da África do Sul, respeitantes às condições internas da União. As suas oportunidades para livremente espionar são numerosas demais para serem vigiadas pelos seus inimigos, e, daí não perder nenhuma ocasião.

Podemos perfeitamente, supor que Werz opera de Moçambique como Dietrich da cidade do México, ou como os agentes alemães do Rio, antes do Brasil alinhar com as Nações Unidas, e como continuam agora de Buenos Aires.

Mas a presença de Werz junto às fronteiras da África do Sul – a nação mais importante no esforço de guerra no continente africano e cuja contribuição a coloca logo depois da Grã-Bretanha e Estados Unidos – é mais perigosa que a de Dietrich e dos outros nos seus diferentes postos nos começos da guerra. É a mesma triste e feia história de uma nação amiga – neste caso uma colónia amiga – abrigando um agente inimigo para quem as leis do direito internacional significam apenas protecção para as suas manobras.

Moçambique é um dos mais ricos pontos de África, com ouro, magnésio, carvão, cobre e estanho. Nas suas férteis planícies cresce trigo, arroz; nas florestas o quinino, tabaco e borracha.

Para alguns portugueses leais aos princípios democráticos há dúvidas quanto às ambições da Alemanha em relação a Moçambique. Não podem haver quaisquer da parte da África do Sul, nem do seu 1º Ministro Smuts.

Ele que visiona para depois da guerra uma federação de estados africanos ao sul do Equador, talvez esteja fazendo planos no que toca a Moçambique.

De todas os homens desta guerra, é o mais preparado para alcançar uma solução para o problema de Moçambique, e para o problema do Herr Docktor Werz.

2 comentários:

  1. Boa tarde: Parabéns pelo trabalho que num caso particular me motivou a, seguindo-o em parte e juntando outra informação, escrever quatro artigos consecutivos sobre os submarinos em Moçambique no meu blog mais dedicado ao desenvolvimento da cidade de LM. O primeiro está aqui
    http://housesofmaputo.blogspot.com/2018/06/shipsofmaputo-1942-ataques-de.html.
    Espero que encontre neles algo de interesse, pelo que me apercebi até agora há ainda muito para se saber sobre o tema. Cumprimentos.

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  2. Óptimo... Há sempre nova informação a divulgar. Vou ler com atenção... Um grande abraço....

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